Cozinhar é uma tarefa que faz parte da vida de todos nós, desde sempre - ou pelo menos deveria fazer, já que ser capaz de preparar sua própria comida é uma habilidade essencial para uma vida adulta funcional.

Você pode amar ou odiar esse afazer, mas quando se trata da cozinha profissional existem diversas curiosidades sobre o seu funcionamento que em nada lembram os processos que fazemos quando cozinhamos em casa.

Muitas pessoas me procuram pedindo dicas de como iniciar nessa carreira e o meu discurso inicial é sempre o mesmo: esqueça o que você acredita ser o trabalho na cozinha. Provavelmente seu conhecimento foi construído com o que você assiste nos programas de televisão e filmes da última década ou baseado em como você cozinha na sua casa, e a cozinha profissional é muito mais que isso.

Processo seletivo diferente e trabalho consistente e repetitivo

Para começar, diferente da maioria dos trabalhos, na cozinha sua formação e a entrevista de emprego são apenas detalhes. Como a experiência acaba contando mais do que a formação acadêmica, o processo de contratação de um cozinheiro geralmente envolve uma etapa a mais: um teste. Dependendo do nível de técnica exigido pelo restaurante, este teste pode ser mais ou menos desafiador para o cozinheiro.

Costumo dizer que às vezes pouco importa seu conhecimento prévio de alguns processos mais complexos, uma vez que cada chef trabalha de uma maneira e, caso seja contratado, você terá que aprender todos os detalhes de como lidar com os ingredientes do jeito que seu novo chef acredita ser melhor, seguindo o padrão daquele restaurante.

O que é avaliado nesse dia de teste então? Como chef, analiso principalmente a postura do cozinheiro. Já escrevi anteriormente sobre isso, mas acho que nunca irei me cansar de dizer o quanto trabalhar na cozinha é muito mais duro e fisicamente exaustivo do que a maioria das pessoas pensa. Você pode até imaginar o que estou dizendo, mas tenha certeza que a realidade é mais pesada do que está na sua imaginação. É o famoso “só quem viveu sabe” e num ambiente assim, todas as atitudes importam. Trabalhamos em grupo, então basta uma pessoa não estar sintonizada no ritmo de trabalho, não acompanhar o restante da equipe ou não ter proatividade na realização de tarefas para acabar com o fluxo de toda a cozinha.

E com essas informações já aproveito para quebrar um mito muito grande de quem sonha em trabalhar profissionalmente na cozinha. Muitos acreditam que é um trabalho que envolve muita criação de novos pratos e ideias, mas isso só é a realidade de quem comanda a cozinha, não de seus cozinheiros.

Alguém que inicia na carreira fará basicamente tarefas simples e repetitivas. Aliás, repetição é uma palavra que descreve bem nosso trabalho na operação. Repetimos diariamente todos os processos e preparos com um único objetivo: que tudo saia exatamente igual todos os dias. Consistência é o que faz um grande restaurante e uma das coisas mais difíceis de se conseguir, que exige muito treinamento e preparo.

Em lugares onde a criatividade dos cozinheiros é valorizada, ela terá o momento certo para ser solicitada. O chef pode pedir ideias a todos da equipe na hora de alterar algum prato do menu, mas além disso o trabalho de um cozinheiro é reproduzir perfeitamente da maneira que o chef decide que as coisas devem ser feitas, sem nenhuma mudança do que foi planejado e ensinado por ele.

O prato não começa a ser preparado no momento do seu pedido

Outro mito comum é a ideia de que os cozinheiros vão começar a preparar seu pedido quando ele chega na cozinha. Nosso trabalho é basicamente dividido em três etapas: mise en places, serviço e troca de turno ou fecho. A equipe inicia o dia de trabalho no restaurante com o chamado mise en place, expressão em francês usada para descrever todos os pré-preparos necessários para poder finalizar tudo durante o serviço.

Por exemplo, vamos imaginar que o restaurante serve um prato de risoto com um peixe grelhado. Na hora de preparar o mise en place desse prato o cozinheiro provavelmente irá pré-cozinhar o arroz do risoto, preparar o caldo para finalizar o cozimento dele na hora do serviço, picar tudo que fará parte desse preparo e armazenar, limpar e armazenar o peixe que será grelhado, etc. Tudo é pré-preparado de maneira que na hora do serviço tudo possa ser servido rapidamente.

O serviço é a hora que o restaurante está aberto ao público para servir as refeições, que é o que mais aparece retratado nos filmes e séries, momento de maior pressão e muita correria. E a parte final é a troca de turno ou o fecho (dependendo se estamos falando do serviço de almoço ou do jantar). Esse é o momento em que finalizamos o serviço, organizamos e limpamos toda a cozinha e listamos para o próximo turno o que precisa ser reposto dos mise en places para garantir um bom funcionamento do serviço seguinte.

Deu pra perceber que acontecem muitas coisas antes e depois da hora que o restaurante está aberto para que você faça seu pedido, né? Cozinheiros picam muitas cebolas, descascam muitas batatas, limpam e arranjam cortes de carne, limpam muito bem os equipamentos, lavam o chão, limpam as geladeiras, trocam óleo das fritadeiras e assim por diante.

Começou no exército, mas segue na cozinha

A organização dentro das cozinhas profissionais é feita normalmente seguindo um padrão criado no século XX por um dos mais importantes chefs, o francês Auguste Escoffier, que usou como base o sistema hierárquico do exército para criar a brigada de cozinha.

É assim que chamamos a equipe, que é dividida em praças, onde cada cozinheiro é responsável por uma parte do processo, tornando tudo mais eficiente. Claro que isso depende muito da estrutura do restaurante e o tamanho de sua equipe, mas normalmente temos os cozinheiros de cada área (saladas, fogão, grelha, sobremesas, etc), algumas vezes chefs responsáveis pelos cozinheiros de cada uma dessas praças e acima deles os subchefes (ou sous chefs, em francês) e o chef que comanda todo o trabalho da cozinha e verifica todos os pratos antes de entregar aos garçons que irão servir aos clientes.

Algumas vezes temos mais um nível hierárquico, que pouco se fala, que são os chefs executivos. O trabalho deles envolve menos presença com mão na massa na cozinha e mais tarefas administrativas e desenvolvimento de receitas.

O trabalho de uma cozinha profissional vai muito além de cozinhar. Organização, bom trabalho em equipe, limpeza, comprometimento, planejamento e capacidade de trabalhar bem em momentos de pressão são características essenciais para alguém que deseja seguir essa profissão.

Gostaram de descobrir mais informações sobre o que envolve essa profissão? Para saber mais e tirar dúvidas, estou sempre disponível nas minhas redes sociais. Até a próxima!