Comensalidade, palavra longa e que parece até mesmo errada, que existe principalmente para descrever uma parte social muito importante na cultura de alguns países, como no meu país, o Brasil.
Essa palavra faz parte da nossa cultura e raiz, aquele simples “você aceita um café?” ou “será que posso oferecer alguma coisa?" "Tem uma bolachinha e um bolinho”, e até jantares elaborados e pensados para impressionar aquela visita importante.
A comensalidade é algo muito simples, no Brasil é conhecido como conversa, “papo”, “trocar ideia”, “lero” e diversas gírias que devem existir em diferentes regiões brasileiras. Essa palavra significa não apenas comer por comer, mas transformar a refeição em um ato social.
Esse ato social tem como objetivo o desenvolvimento de uma conversa, como em um encontro com o crush (apelido dado no brasil para pessoa que se gosta amorosamente), onde apesar de ter comida e bebida em muitos dos casos, o objetivo na verdade é conhecer melhor aquela pessoa, e se apresentar, portanto compartilhar fatos importantes sobre a sua vida e história.
O exemplo do encontro é um dos mais comuns, mas a comensalidade está presente desde o momento pré-histórico em que além de comer o homem se sentou ao redor da fogueira com os seus companheiros de caça e compartilhou novas rotas de caça, onde ele tinha ido e como tinha acontecido os processos dentro do seu dia.
É importante entender que a comensalidade tem uma forte relação com disputas políticas e as conversas de poder em impérios importantes como o grego e o romano, onde apesar de ainda ser um ato social as conversas iriam decidir de fato sobre a vida e morte de pessoas.
Entender que a comensalidade é um fenômeno importante para o desenvolvimento afetivo e vinculativo da sociedade, é necessário para compreender a sua totalidade.
Vamos nos imaginar em uma memória onde você é novo em uma escola, e ainda não fez nenhum amigo, então você vai comer algo no intervalo das aulas, e você fica todos os dias sozinho, sem conversar e sem conhecer absolutamente ninguém além dos colegas de sala, que só falam com você durante os momentos de aula em que as atividades exigem algum tipo de conversa, o que você sente a partir desse exemplo?
A partir desse exemplo eu sempre sinto uma certa angústia, pois lembro que a melhor parte dos intervalos escolares eram as trocas durante uma mordida e outra do meu lanche, nem que fosse para falar do “gatinho da 6º série C” (A 6º série hoje é o 7º ano do fundamental no Brasil). Os antropólogos sempre deixam claro que nascemos para viver em sociedade e a comensalidade faz parte disso.
Dentro da cultura do meu país a comensalidade é extremamente importante, pois não tem um momento na vida em que receber sem um docinho, um bolo, um salgado, um jantar, um pão com manteiga comum, seja qual for a renda dessa família é comum, pois nos nossos lares é necessário receber com alimento, conversa e hospitalidade, para demonstrar carinho e acolhimento.
A hospitalidade com comensalidade dentro desses lares é composta de alimentos com muita memória afetiva, pois apesar da grande industrialização dos alimentos, receber alguém em nossos lares com um alimento feito pelas nossas próprias mãos é maravilhoso, e nos sentimos mais acolhedores dessa forma. Esse acolhimento sempre tem como objetivo fazer o outro se sentir mais querido dentro do seu lar, e mostrar que você teve trabalho em recebê-lo é uma forma de mostrar nossa hospitalidade.
Além da hospitalidade, dentro da nossa cultura comer é como queremos nos encontrar sempre, é até difícil lembrar dos momentos da nossa história que não estão relacionados a momentos ligados com a alimentação e muita conversa, ao redor da mesa de bar, ou da mesa familiar, pois a comensalidade está impressa dentro do nosso DNA.