Feijoada, o que te lembra o nome desse preparo icônico? Sempre que escuto o nome desse prato, lembro-me primeiro das quartas-feiras, que em São Paulo é o clássico dia da feijoada, também conhecida como "feijuca". Outra memória inesquecível é, com toda a certeza, o calor do antes e do depois de comer uma bela feijoada. Não podemos deixar de lembrar dos sabores salgados, gordurosos e cheios de temperos importantes da nossa identidade, como alho, cebola e cheiro-verde, que inundam nossos sentidos e invadem nosso paladar a cada mordida. Finalmente, temos os acompanhamentos, que podem sofrer alterações dependendo da região, mas normalmente temos farofa, arroz, caldo de pimenta (feito com o caldo de feijão apurado com pimenta dedo-de-moça), couve, banana à milanesa, torresmo e, em algumas regiões, bisteca e mandioca fazem parte desse apanhado.
Existem algumas histórias sobre a feijoada. Entre elas, a lenda que mais se popularizou é a de que ela foi criada pelos povos escravizados, que utilizavam os restos do porco deixados por seus senhores e produziam esse prato tão gostoso. Infelizmente, essa não é a história real, o que é uma pena, pois me lembro de momentos em que escutava essa história e conseguia imaginar momentos de festa e celebração, onde esses povos comiam feijoada, dançavam e cantavam em roda. Hoje, conhecendo de fato o que foi o período de escravidão dentro do nosso país, consigo entender um pouco melhor que uma situação como essa não seria plausível. Os próprios artigos, livros e músicas são instrumentos que conseguem nos mostrar que a realidade difere muito da fantasia, e dessa forma refutam essa ideia da criação de um prato tão rico (com ingredientes de qualidade e muitas especiarias), que seria impossível ter sua criação feita por esses povos, que viviam em situação de sofrimento e subserviência extrema no Brasil escravista.
A primeira coisa que devemos sempre ter em mente é o ingrediente principal: o feijão. Apesar de ser um produto encontrado no continente americano e consumido pelos povos originários, a variedade encontrada aqui no Brasil era, em sua maioria, o feijão preto. Por que é importante considerarmos isso? Porque, em outros países, o feijão já era amplamente consumido em outras cores, como o feijão branco, por exemplo, que era utilizado em vários pratos europeus, como o cassoulet, prato francês, um ensopado de feijão branco com alguns tipos de carne.
As carnes, consideradas por muitos como carnes baratas, na época eram aproveitadas de todas as formas possíveis, evitando o desperdício e também guardadas em gordura para serem preservadas por um maior período de tempo. As carnes salgadas e secas, que não podem faltar em uma feijoada tradicional, têm o seu preparo de forma demorada. Era necessário o mínimo de domínio culinário para o desenvolvimento de técnicas para salgar e secar as carnes para o preparo da feijoada. Se considerarmos o tempo livre dos povos escravizados, entenderemos que eles não possuíam tempo hábil para a preparação dessas carnes, ao menos não para consumo próprio.
De acordo com alguns historiadores e antropólogos da alimentação no Brasil, a feijoada, do jeito que conhecemos, foi criada principalmente para a Semana de Arte Moderna, quando é citada em obras icônicas de Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Eles apresentam livros com cardápios tão representativos que chegam a causar água na boca durante os eventos. A partir desses escritos, os escritores acabam influenciando a criação da feijoada da forma como ela é preparada e servida nos dias atuais.
Apesar dos mitos e lendas criados, a feijoada é um prato tradicional. Ela é parte da nossa história alimentar, e somos conhecidos por ela em todos os lugares do mundo.