Como cozinheiro, meu propósito é criar sabores e combinações; quanto mais diversos e inusitados forem, mais surpreendente é o resultado. No entanto, cuidar do sabor é apenas uma etapa no processo criativo.
Há algum tempo, minha esposa e eu organizamos um jantar como chefs particulares. Utilizamos um espaço nos fundos da casa como área de recreação, que era muito confortável e acolhedor. Gastamos alguns dias para deixar tudo pronto, compramos algumas coisas novas, mudamos um pouco a decoração de lugar, investimos na iluminação e convidamos algumas amigas e familiares para o evento.
O momento mais desafiador chegou: definir o cardápio. Fiquei responsável pela entrada e prato principal. Iniciei o estudo das receitas, pesquisando várias combinações de sabores. No entanto, não conseguia visualizar tudo junto e não tinha tempo para comprar todos os ingredientes e fazer os preparos várias vezes, montando e remontando, até chegar ao formato final do empratamento. Precisava de uma solução rápida, sem alterar o orçamento.
Durante a faculdade de gastronomia, costumava esboçar em papel e caneta as minhas criações, algo natural para mim. Minha primeira formação é em arquitetura, e tenho experiência com ilustrações. Recentemente, participei de alguns projetos para embalagens de datas comemorativas, como Páscoa e Dia das Mães. Desta vez, queria fazer de uma forma um pouco diferente. Queria ver as cores e texturas, então utilizei o iPad como ferramenta. Comecei a esboçar alguns modelos, fazer anotações e definir os acabamentos.
Dediquei algum tempo escolhendo os formatos principais de cada elemento que iria compor cada etapa da refeição. Após definir tudo, passei a como combiná-los e sistematizar a montagem final.
Criei dois pratos: uma entrada, em destaque uma torre de folhas verdes (alface, alface roxa e rúcula) com maçã verde, maxixe, cebola roxa, tomate cereja e croutons, deitados em um creme de tomate com especiarias. Para o prato principal, escolhi um ragu de costelinha de porco com laranja, creme de milho com parmesão, sobre uma farofa de maçã verde, bacon, cebola roxa e queijo coalho.
A vantagem do meio digital é a velocidade de criar e recriar os desenhos instantaneamente, usando cores e texturas. Além disso, percebi que essa prática ajudou na escolha das técnicas de cocção e finalização do prato.
Usar o desenho como ferramenta de gastronomia me auxiliou na visualização de todo o processo, permitindo criar as etapas do cozimento, do empratamento e da montagem sem a necessidade de realizar todos os testes na cozinha. Esta atividade auxiliou na escolha das técnicas de cocção que vou usar em cada ingrediente, entender cada passo, o corte e formatos que aplicaria a cada elemento.
Outro ponto positivo foi a visualização do prato pela equipe, pois era necessário entender a receita, buscando uma montagem organizada e segura, identificando o que seria essencial em cada etapa do preparo e o que deveria ser finalizado no momento.
Naquele momento, utilizei o aplicativo Sketchbook (grátis), há outros à disposição como Photoshop, Canvas, Ibis, etc. Atualmente, utilizo o Procreate. O interessante é a possibilidade que tenho de criar camadas (layers). Dessa maneira, posso manter o desenho em uma camada e seguir fazendo comentários e descrições separadamente em outras camadas. Isso permite manter todas as informações a salvo e próximas, facilitando na organização das receitas e no uso do espaço, sem a necessidade de ter cadernos ou fichários.
Não precisa ser artista ou criar desenhos realísticos detalhados. O importante é se expressar e entender visualmente a montagem do prato. Este é um exercício que visa acelerar o processo, facilitar as decisões, diminuir o custo e melhorar o produto final.
Assim como na cozinha, quanto mais praticar o desenho à mão-livre, maior será a facilidade para utilizar a ilustração como uma ferramenta gastronômica. Desenhar amplia a liberdade criativa e gestual. Para mim, este método é tão importante que o utilizo diariamente, inclusive para fazer anotações e melhorar as receitas. Não uso esse modelo apenas para descrever uma receita, mas busco, por meio da diagramação visual do prato, uma maneira de conhecê-lo e aperfeiçoá-lo.