A calcinha bege é um ícone, símbolo ‘sexual’, ou ‘antisexual’, dos anos 80 e 90. No senso comum, representava o não das mulheres. Não quero sexo hoje, essa era a mensagem que ela gritava. Para alguns, uma espécie de comunicação das mulheres para os homens. Usada também como uma espécie de ‘castigo’ para os homens. Será mesmo?
Como era uma geração, ainda que pós queima de sutiãs, bem reprimida no assunto em tela, acreditava-se e até hoje acredita-se, ser um inocente símbolo do NÃO de uma mulher.
A calcinha bege era mesmo esse inocente símbolo? Vamos a uma história para ilustrar um pouco o viés que quero abordar acerca do assunto.
Anne, alegre, divertida, extrovertida era uma jovem do alto dos seus 22 anos, em plena década de 90. Filha de militar, ela acreditava profundamente ser uma mulher livre. Muito à frente do seu tempo. No melhor estilo Frida Kahlo, uma de suas referências, dentre tantas.
Dona de uma personalidade que ela jurava ser forte e destemida, enfrentava os desafios da vida sempre de cabeça erguida e com um sorriso largo no rosto, sua marca registrada.
Tinha absoluta certeza que escolhia, respeitava e seguia seus desejos. Sedutora por natureza, inquieta e muito sinestésica. O toque, no sentido mais amplo, era vital para sua vida. Ela sabia e assumia que precisava de beijos e carinhos.
A geração era de mulheres que podiam fazer sexo antes do casamento, desde que escondido. Sim, ela ainda vivia na família, escola e vila militar, o velho e bom mito da moça direita para casar.
Decididamente, por medo do julgamento de todos, ela se dizia uma moça para casar, mas livre para viver. Que conceito contraditório, ela mal entendia isso à época. Bradava em alto e bom som que era livre e teria quantos ‘namorados’ quisesse.
Acontece, que a palavra transar não era usada naquela época. Parceiro sexual então, era impensável. Ela seguia na frenética e anestesiada ficção de que era livre. Ter a calcinha bege era algo fundamental no armário de qualquer ‘moça de família’. Logo, ela a tinha.
Sentia-se empoderada por usá-la apenas e tão somente para o primeiro encontro. Tinha certeza de que ela estava sendo livre. Mas ela sempre soube que o símbolo era só mais um, dentre tantos que representavam limite em sua vida. Era uma muleta para conter seu ímpeto sexual.
Quantas vezes se arrependeu de estar com a tal calcinha? Algumas tantas, e ainda assim, na próxima oportunidade, lá estava ela de novo, com seu cabresto, ou cinto de castidade.
Talvez, a suavidade da cor, ou a memória afetiva de ser calcinha de vó, nunca a deixaram enxergar a violência por trás dela. A violência era tamanha que ela nunca sequer considerou queimar as poucas que tinha. Aliás, ela se orgulhava de ter somente 3 peças dessas em seu armário.
Até aquela fatídica e libertadora sexta-feira. Happy hour depois do trabalho. Claro que ela já sabia que existia a possibilidade de ver e até terminar em um encontro com Felipe. Seu mais novo alvo, ela gostava de falar isso, achava que estava no controle. Tinha a falsa sensação de liberdade e até dominação. Bobinha, ela.
Precavida e jurando ser dona da situação, ela tinha se preparado. Claro que o vestido, sapato, maquiagem, cabelo, acessórios, tudo foi cuidadosamente pensado, para parecer o mais despretenciosa e casual possível. Agora, a calcinha, essa sim, estava lá para dizer exatamente o não do primeiro encontro. Mulher de família não vai para a cama (esse era o termo mais usado no lugar do transar) no primeiro encontro.
A noite estava perfeita. Felipe estava lá, cheiroso, lindo, atencioso, gentil e a convidou para esticarem a noite. Era tudo que ela mais queria. A atenção dele, toda só para ela. Todos tinham exagerado um pouco nos drinks, e ela bem animada e altinha, sentiu o frio lhe correr a espinha, uma pontada na barriga, quando lembrou da lingerie, não que esse seja um termo adequado a tal peça.
A química entre os dois estava explosiva, tudo que ela mais desejava era sexo com o Felipe. De repente, foi como se tudo ficasse nublado, ela parecia assistir a cena quente entre os dois, à distância, e se perguntava: E agora? O que fazer?
Até que sua melhor amiga, Renata, percebeu algo e a convidou para ir ao banheiro. Essa sim, era uma mulher desapegada do julgamento e do senso comum. Considerada uma mulher para não se casar, ela seguia plena e vivendo a própria vida.
Ela conhecia Anne como a palma da sua mão. Em meio a uma sonora gargalhada, perguntou: amiga qual o problema? Não acredito que está de calcinha bege? Anne não resistiu e com a barriga doendo de tanto rir disse que era exatamente isso, e questionou: amiga e agora, o que eu faço?
Renata, não teve dúvidas e disse:
— Deixa eu ver essa calcinha.
Anne cheia de vergonha disse:
— Como assim?
— Me dá aqui essa calcinha.
Anne demorou a entender, mas acreditando que a amiga iria resolver o problema, cheia de timidez entregou a bomba. Ela pensou tantas coisas, até uma super forma de tingir, uma tesoura, várias opções. Mas jamais passou pela sua cabeça o que Renata fez. Com o ar de mulher segura e descomplicada, ela simplesmente jogou a calcinha no lixo.
Anne, atônita, perplexa, em pânico, não acreditou no que seus olhos acabavam de ver. Mas antes que ela caísse em prantos, Renata olhou bem no fundo dos seus olhos e disse:
— Agora sim você vai fazer o que realmente deseja. Agora sim você é uma mulher livre! Vai lá tenha a melhor noite de sexo da sua vida!
Não preciso dizer que esse dia mudou Anne para sempre!
Você, o que acha da calcinha bege?