Deves perder o teu coração
e buscá-lo em todos os lugares.
Quando o encontrar,
o descobrirá como o coração
de todas as coisas.

(Sri Ram)

Marina, a menina do mar, namora o céu e sente as estrelas. Aos seus olhos, presentes de amor. É capaz de ficar horas a contemplar o manto negro pintado de brilhantes. É capaz de contemplar tanto que alvorece em tons de azul, branco e luz. O encanto permanece. Sabe a diferença entre olhar e ver. Observar e contemplar. Ela namora. Marina namora o céu e o silêncio.

Da origem molhada, não somente espalhava-se em tudo que fazia. Transbordava. De alma doce temperava suas ondas. As ondas de seus cabelos claros combinam com os sorridentes olhos azuis. Beleza inesquecível de juventude graciosa. Assim como a deusa que nascera no mar, harmonia e sensualidade faziam-na buscar suavidade na existência. E realizava. Em seu coração, água a dançar a canção das ondinas. Os espíritos das águas são dentro e fora dela. Vida consagrada à delicadeza e sensibilidade.

Da infância feliz, a espontaneidade reinou até quando não pode mais saber se estava sã ou louca. Nem sempre é óbvio perceber a falta de semelhança. O passado é o que foi ou o que permanece a lembrar? O que tortura a ausência ou o nada, apenas? Ou é tudo que se pode ter?

A natureza do universo circular, perfeito e infinito, na sutileza do todo ilimitado era assim. Na essência e no essencial. Marina vivia em cenário aquático como uma simbiose uterina. Conchas, pedras, estrelas, plantas, sol, mar, lua e barcos. Os muitos barcos da sua vida. Do nascimento ao naufrágio. Ondas que vão e vêm. E que sempre trouxeram de volta tudo que registrava na areia, como um sinal de que nada se perderia. Ou pelo menos, quase.

Livre, optava por aprender na observação e na convivência com os experientes seres beira mar, além da escola natureza, à disposição para todos. A sabedoria dos que chegaram antes dela e conheciam os segredos e mistérios do mundo não conseguiram consolá-la. Foi o próprio sentimento que a fez realmente aprender o que significava aprender.

A brincar pela praia, mergulhar e navegar o mar; e sentir tudo que uma aldeia de pesca tem, Marina celebrava a vida em comunhão à Mãe Terra. A que contém todas as águas, que movimentam-se com o ar e aquecem-se com o fogo do sol, dos corações e das paixões.

Peixes, sereias, ninfas, em imaginário e realidade. Ela tinha tudo às mãos. E aos pés. Descalços que corriam por todo lado. Dançavam com o vento e os cabelos. Voavam ares frescos para todos respirarem.

Suas sinapses eram como as constelações que ela sabia ler. A Lua era uma bússola para a aldeia; e para ela, uma mestra fundamental. O universo do mar, da natureza, da vida conectada às suas águas originais era tudo que ela conhecia. Muito bem e detalhadamente. As alegrias da fartura e prosperidade que vinham do mar. As tristezas e lágrimas que também ele continha, logo veio a saber.

Toda sua ancestralidade estava ali. O conhecimento marítimo era herdado com orgulho e a sina vivida com amorosidade. Seus pais, sabedores da sobrevivência na aldeia do mar, cuidavam para que ela continuasse. A comunidade fortalecia-se assim. Geração a geração.

A prática e a sutileza juntas no cotidiano. Espiritual e material. Tudo compartilhado, no todo a funcionar, com respeito à sacralidade da vida. Vida enquanto respira é sábio ponderar. Vida sem o alento é sábio compreender. Marina não era sábia. Ainda. A compreensão dos ciclos implica em perceber os finais como recomeços e para quem vibrava a beleza das coisas, este era o último aprendizado, se é que existe um derradeiro aprender.

Quando às intempéries da vida, era abençoada com proteção e flores em seu caminho. Mas tudo é impermanente. Todos os caminhos o são. A leveza de seus gestos e de seus olhos enrijeceu-se, mesmo a parecer impossível que pudesse chegar a esta altura. Paralisada diante tudo, Marina não sabia mais nada.

Foram tantas águas que o barco não voltou. Destroços de saudade foram encontrados com a única sobrevivente. A mesma que viu a morte de seus amores terrenos.

Sem consciência, não percebia seu lugar na (de)ordem (in)correta do universo, no propósito dos acontecimentos, na adversidade (quase comum?) em uma aldeia de pescadores.

Foram tempos até conseguir vencer o silêncio. Nem os olhos falavam mais. Tristes azuis sem brilho. Avó Serena, oráculo que respira, estava ao lado. Todo o tempo. A esperar o dia em que Marina despedir-se-ia daquela letargia. E finalmente conseguiria ouvir os pássaros embalados ao som do mar, ver o céu azul com sol. E negro com estrelas. Finalmente tentaria a sanidade. Uma escolha difícil, cheia de dor. E necessária.

Avó Serena — sabedoria que se movimenta — deu a ela um amuleto. Um mantra. Uma carta de presságio. Para apegar-se em momentos onde faltariam chão, direção ou razão...

Seria suficiente? Seria eficaz? Não haveria meio de saber se ela não o usasse. Se não conseguisse nem isso. As ondas dos cabelos impregnadas de desmazelo não conseguiam. Esta era a estagnação do tempo.

— Tente, amor.
— Vou tentar, prometo. Um dia.

Mais tempo. O tempo é de cada um. No mar, sensível a tanto sal, temperá-lo com chá de flores. Sensível a tanto céu, adoçá-lo com mel; sensível ao sol, integrar amor e amar. Gasta-se muito tempo para isso. Não é fácil ser retirada de um idílico destino.

O amuleto estava com ela. Avó Serena sabia das coisas. Era uma pergunta delicadamente feita para estas horas. Para os desafios da vida. Para quando a esperança não vinha ter com Marina.

E nadava em direção a nada... nada para indefinir-se, para ser todo corpo vazio, cheio de nada. E apenas.

Quando não suporta-se mais morrer em vida, quando não suporta-se mais o peso do luto e da luta para mantê-lo, Marina rendeu-se ao olhar pelas lentes de Serena.

— O que o amor faria no meu lugar?

Precioso presente que a avó dera-lhe e sustentou: seja o amor.

Singelamente começou a imaginar o amor, aquele que não se imagina, apenas sente-se. Era quase divertido.

— O que ele faria no meu lugar? Bem aqui, no meu lugarzinho de dor? Acho que não ia rir de mim ou não teria pena... acho que abraçar-me-ia…

Sim! E ela própria a abraçava.

Usar a pergunta que a avó Serena dera-lhe passou a um jogo de sobrevivência e Marina imaginava o amor. Ah, o amor… a ter uma atitude em resposta ao todo tudo que a cercava, que a habitava.

E o amor escolheu acolher. Relevar. Brincar. Compreender. Chorar. Abraçar. Beijar. Colocar-se no colo. O amor sabe ser terno. Tem carinho. Tudo envolve, tudo é. Marina era o próprio amor. Marina era simplesmente amor.

E o tempo-medicina, suas alquimias e sabedoria fizeram renascer sorriso e vida. O que o amor faria no meu lugar? A mágica de redescobrir-se. Reinventar-se. Caminhante e pertencente. Enamorada. Menina do mar. Sonhadora e madura. Alinhada ao fio da alma que canta. Águas que agora purificam e lavam. E perdem-se e encontram-se em todos os lugares, ondas. Em todos os lugares estava seu coração, estava o seu amor.

Ao tornar-se mãe e transbordar-se — novamente —, ela sabia que era o amor e serenava naturalmente. A continuar o ciclo da vida. A eterna impermanência. A eterna aprendizagem.