Uma dedicação às manhãs frias e aos devaneios de inverno.

Quando falo sobre manhãs frias, não quero dizer dias em que o sol se esconde atrás das nuvens e não se permite aquecer a terra.

Quero falar sobre momentos em que sentimos a brisa fresca do inverno correndo por nossos corpos, momentos em que sentimos aquele vento gelado cortar nossas roupas, mas o recebemos de braços abertos, pois o frio faz com que nos sintamos vivos, sentimos nossa respiração gelada ardendo os pulmões e nos lembrando que somos humanos.

Eu me lembro muito bem dessas manhãs, as tive diversas vezes. E honestamente, muitas vezes elas nem precisaram ser manhãs, precisaram apenas ser momentos. Momentos em que olhamos para o céu, para o chão ou para nós mesmos e ouvimos aquela voz no fundo de nossas mentes dizer “Eu sou humano.”

O que é ser humano? Nem um deus deve saber. Independente se foram eles que nos fizeram ou não, agora não estou aqui para falar sobre questões de criação, ciência e religião. Estou aqui para falar sobre algo que conheço muito bem: Emoções, lágrimas de tristeza e de felicidade.

Já me senti feliz em manhãs frias, em noites geladas, em tardes ensolaradas, assim como já me senti desolada nas exatas mesmas situações.

Eu me lembro, e espero sempre me lembrar, dos dias em que saía de casa às seis horas da manhã para pegar um ônibus até uma estação de trem. Esses dias foram curtos, não vou mentir, mas na idade que estou muitos dias são curtos, muitas memórias parecem perdurar mais do que realmente perduraram.

Enfim.

Nessas manhãs particularmente frias, eu apreciava assistir como as nuvens dançavam no céu. Estando onde eu estava podia até ser um pouco de poluição, mas meu coração quente do interior nunca permitiu totalmente que eu fosse totalmente abalada pela frieza cinzenta das cidades grandes.

Então eu continuava, passo atrás de passo, seguindo meu caminho pelo frio, pelo cinza, pela falta de vida e alegria nos rostos daqueles que passavam por mim.

O que muitos acabam sempre esquecendo, e até eu mesma sempre esqueço nos piores dias, é que nem tudo é cinza, nem tudo é desprovido de alegria e de cores.

Nessa minha caminhada que fazia via flores, via ramos, plantas e matos nascendo pelo concreto, nascendo em pequenos campos verdes, nem tão abandonados assim, pela cidade.

Via árvores quando olhava para cima, paredes verdes que cresciam com a força da natureza lhes empurrando.

Em contraste, e nesse momento novamente peço desculpas, por algo que possa parecer como um equívoco, pelo meu uso do termo “manhãs frias” para falar sobre qualquer hora do dia. O ponto aqui é a solidão que se sente de manhã quando você acorda mais cedo que os pássaros.

Continuando.

Há muitos outros anos antes de qualquer caminhada à qualquer ponto de ônibus ou linha de trem, eu caminhava em uma estrada de terra. O que, ironicamente, ambas caminhadas em até certo ponto eram acompanhadas por um rio, eu nunca havia percebido a similaridade até agora. Engraçado.

Nessa estrada de terra, via mais verde do que cinza, mais mato do que concreto, era o interior, e ali eu me sentia ainda mais no interior do interior.

Me sentia ainda mais sozinha, apesar de ouvir muito bem os pássaros que já haviam acordado antes de mim. Podia dizer que me sentia quase do tamanho do mundo, fosse naquele dia em específico minha felicidade ou minha tristeza, sentia que havia motivos para sentir, sentia que jamais haveria esperança ou que jamais sentiria melancolia novamente.

E aquela sensação, aquela certeza de que jamais sentiria melancolia novamente ainda me move.

Eu não a sinto mais, infelizmente não posso dizer que às vezes me pego perguntando a mim mesma “Por que eu sequer já me senti triste algum dia?” como costumava fazer, porém ela ainda me move. Não a sinto, mas um dia a senti.

Senti durante manhãs frias, em que descia ruas de paralelepípedos, ruas de concreto e ruas de terra, à senti quando tinha quatorze anos, dezesseis, dezoito, vinte e vinte dois. E espero a sentir com vinte seis, vinte oito, trinta…

Então hoje escrevo como quem um dia sentiu algo, como quem ainda sente o que for que seja, e como quem espera um dia continuar sentido.

Escrevo com as memórias que coletei pelas ruas que caminhei, as histórias que presenciei, que ouvi, que vivi.

Sinto que quando escrevo apenas descrevo a mesma história de diversas formas diferentes, mas o que é escrever se não relatar e relatar e relatar emoções e sentimentos e desejos?

Resumo-me então às manhãs frias e aos devaneios de inverno, que acredito serem possíveis independentemente da estação ou do horário, acredito então que todos possam, e provavelmente já o fizeram, se sentir assim.

Vejo as nuvens que correm pela janela e me lembro que vivo sob o mesmo céu em que vivi aquelas histórias, aqueles devaneios, aquelas manhãs e aqueles invernos.

Escrevo como um devaneio de minha mente que corre como os rios que correram ao meu redor, que estavam vivos e continuaram a viver por muitos anos após meu falecer. Assim como as emoções que coloco em palavras que foram formadas muitos anos antes do meu nascer.

Agora, não peço desculpas pelos devaneios, acredito que todos os temos, a única questão é que eu os escrevo para outros lerem. Aqueles que não estavam comigo em manhãs frias e nem desejam estar em invernos, escrevo para que possa colocar a mim lá fora. Não que eu esteja escrevendo em pedra para durar por toda eternidade, mas acredito fielmente que manhãs frias e invernos durarão enquanto a existência durar.

São essas emoções que desejo hoje falar sobre, que desejo hoje colocar no papel, na tela do computador, em um e-mail. Essas emoções que enrolam meu ser tão fortemente que minha única escapatória é escrever.

Então, me repito pela segunda, terceira, quarta, quinta e há até quem dirá, pela sexta vez.

A dualidade da solidão que me abraça com alegria ou tristeza me agarra nas manhãs frias que podem ser em qualquer horário e resulta nos devaneios de inverno que podem acontecer em qualquer estação.