Tempos difíceis os do confinamento que vivenciamos, ainda agora. Essencialmente pelo facto de termos perdido o contacto físico com os que mais queremos - a família, os amigos - ficamos mais sós, e a solidão pode ser mais letal que qualquer vírus…

Mas, e há sempre um mas, estes tempos são também de descoberta, de resistência e resiliência paciente. E assim mitigamos as ausências físicas pelo contacto à distância, pelo uso de novas tecnologias que nos ajudam a quebrar o isolamento. Tivemos e temos de reinventar rotinas e procedimentos, teletrabalhamos e teleconferenciamos.

Agora, aos poucos desconfinando, novos desafios teremos de enfrentar e ultrapassar - o de novas formas de estarmos e sermos no meio de uma pandemia que está longe de terminar (e esta não será, por certo a última…), num mundo que tem novos factores de incertezas e volubilidades.

Nestes dias de múltiplas transformações teremos de continuar resilientes e esperançosos, também cautelosos, mas construtivos. Talvez que, agora, possamos dar mais valor às questões ambientais, à educação para os valores, às questões sociais, à urgência da solidariedade com os mais desfavorecidos e esquecidos.

Também teremos de reflectir mais sobre os modelos societais em que vivíamos e que foram demolidos pelo turbilhão pandémico.

Sim, teremos de seriamente pensar em alternativas credíveis aos modelos consumistas e predadores de recursos naturais em que nos enredamos durante tempo demais.

Por tudo isto teremos de assumir que pouco sabemos, que muito teremos de desbravar e transformar… Estes dias, ora de desconfinamento gradual, serão tempos de reflexão e acção, igualmente tempos de profunda aprendizagem num processo de rápida transmutação para sociedades digitais que, abrindo novos caminhos, terão também de sustentar-se nas lições apreendidas com erros e excessos passados.

No entanto, não podemos esquecer que humanos sendo, errando com frequência, temos de ter a referência dessa humildade tão necessária a estes novos dias, para podermos trilhar, experimentar, abrir e consolidar novos caminhos que possam manter a essência da nossa existência humana - menos materialista e mais espiritual, mais solidária e colaborativa do que egoísta.

São tempos difíceis, doridos os que vivemos actualmente...

Aqui e em qualquer lugar a esperança tende a esmorecer e a prospectividade também.

Mas não é novidade. O que corre desenfreado é o mediatismo dos eventos, sobretudo os da espuma do dia, os que serão de má memória e que tendemos a sobrevalorizar, mas só agora...

Defendemo-nos no esquecimento ou sublimação do que nos confronta e agride, muitas vezes desnecessariamente.

Será este o sacrifício da liberdade? Há quem o diga e defenda, considerando que o caminho das pedras é mesmo essencial para podermos arrepiar desesperos e encontrar caminhos novos e novas formas de nos adaptarmos ao que nos rodeia e desafia constantemente.

Gostaria, por certo, de estar mais optimista mesmo quando...

O mercador de sonhos
Trocou Granada
Por uns trocos...
Vendeu Aladino,
Tornou-se lúgubre,
Estilhaçou as torres
Do Novo Mundo...

Morreu de cólera
Quando se imolou
Contra os espelhos
Que encontrou
Para lá de
Atlântida...

Só assim os sacrifícios que temos passado e que passaremos terão sentido.

Mas só provavelmente seja possível continuar... Que o passado está lá apenas para ainda referenciar linhas de tempo e espaços múltiplos.

Só assim continuaremos navegando nestes mares, por vezes de calmaria, tantas tempestuosos do ínfimo tempo presente das nossas vidas tão frágeis e vorazes.

Só assim os dias de confinamento ou de descoberta desafiadora e permente terão sentido para que possamos continuar, imperfeitos que somos, mas ainda estando e sendo essencialmente humanos em devir, em eterna construção.

Também comunicando valerá sempre a pena continuar, seja por desejo de memória, seja por partilha com... (o outro, os outros...)