E não foi como Helena esperava. Lá estava ela com uma mala na mão, uma passagem e uma pequena caixa florida na outra. Uma caixa, cujo peso das memórias e experiências que ali estavam, a tornavam mais pesada do que a mala que estava carregando.
É, as coisas não vão acontecer do jeito que você gostaria que acontecessem.
Essa foi a frase que Helena mais ouviu em sua vida. E realmente não foi da forma como ela queria que tivesse acontecido ou planejado. Mas, nada nessa vida é, não é mesmo.
Tantas renúncias, tantas mudanças, tantas decisões, tantos desafios, tantas transformações, para encontrar-se neste momento assim. Sem rumo. Sem chão. Apenas com uma passagem, e suas próprias bagagens e memórias da vida que viveu. Ou a vida que pensava ter vivido.
Helena agora se lembrava de tudo o que havia sonhado em sua vida, todos os planos que desenhou, os sonhos que gostaria de realizar. E tudo agora não passava de um borrão. Todos os anos passados agora cabiam numa simples caixa florida. Como poderiam anos e anos de vida caberem numa simples caixa florida do tamanho de uma caixa de sapato?
Não conseguia compreender.
E tudo se iniciou em 1991, quando Helena começou a trabalhar no escritório de seu pai, fazendo telefonemas e atendendo clientes. E foi nesse exato ano que ele apareceu, trazendo uma encomenda para seu pai. Paulo era o nome dele. Olhos azuis intensos e um cabelo preto escorrido que caía na testa. Bastou um “oi” para que Helena sentisse borboletas no estômago. Bastou um simples olhar para que a vida dela não fosse nunca mais a mesma.
E assim foi. Conversas e mais conversas por telefone. Idas ao cinema. Sorvetes na praça. Passeios ao redor do lago da cidade. Os assuntos eram intermináveis. Emendavam-se um no outro. A conexão era incrível, parecia que se conheciam por toda vida. Um sabia o que o outro estava sentindo ou pensando apenas no olhar. Parecia aqueles amores que só acontecem em filmes. E o beijo, ah o beijo, conexão entre céu e terra.
Helena e Paulo faziam tantos planos, a casa que iriam comprar, quais detalhes ela teria, se seria uma casa ou apartamento. As viagens que fariam ao redor do mundo. Os filhos que gostariam de ter, menino ou menina, quantidade de filhos, os nomes. O carro que iriam comprar. E assim a vida ia se desenvolvendo diante de seus olhos e pensamentos.
Helena e Paulo se casaram, aqueles casamentos de novela. Cheio de pompa e muitos convidados. Compraram a sua casa em outra cidade, num bairro sossegado para poderem criar os filhos que fossem ter no futuro e perto do trabalho deles. Planejaram, economizaram e compraram o tão esperado carro dos sonhos.
A vida parecia estar indo muito bem, os planos estavam em andamento e os sonhos se realizando. Até que não estava mais. Pois afinal, a vida não acontece da forma planejada, não é mesmo.
Algo simplesmente mudou e Helena não conseguia entender o que estava acontecendo. Será que ela havia mudado o seu jeito? Afinal, as pessoas mudam. Mas não. Paulo estava diferente. Ela sentia algo no ar, uma atmosfera diferente. Sabe aquele silêncio constrangedor que nos dá a impressão de cortar o ar? Era isso que Helena estava sentindo de umas semanas pra cá.
Helena buscava respostas, tentava conversar com Paulo. Mas, ele sempre evasivo, apenas dizendo:
- não é nada, só estou cansado; coisa da sua cabeça; é que hoje o dia foi muito cheio. Sempre o mesmo discurso vazio.
Até que um dia, Helena resolveu dar uma volta no lago da cidade para espairecer a mente após um dia de trabalho. E enquanto fazia a sua caminhada, lá estava Paulo. Sentado num dos bancos, tomando sorvete com uma bela moça.
Helena não conseguia acreditar no que estava vendo. Com certeza era uma colega do trabalho de Paulo, não era possível. Mas, ao ver a forma como seu esposo olhava a moça e o jeito que ele segurava as mãos dela, ela já tinha entendido tudo.
As lágrimas que caiam de seu rosto se misturavam à indignação, raiva e frustração que Helena sentia. Nesse sentimento, Helena foi embora para casa. Fez as suas malas e pegou a sua caixa florida cheias de cartas e memórias que foram construídas ao longo dos anos. Ela tinha certeza que precisaria delas nessa nova jornada que estava apenas começando.
Com uma passagem no bolso apenas de ida para a cidade de sua família, assim foi Helena. Com uma mala e uma caixa florida. Um coração quebrado e uma liberdade recém-conquistada.
Afinal, como Helena já havia aprendido, nada acontece do jeito que gostaríamos.