O dia está esfumaçado. No lugar do azul, há névoa duvidosa no horizonte. O sol é amarelo-estranho. É difícil respirar. Para os pássaros, é difícil voar. Os olhos ardem e, aos poucos, a neblina tóxica invade os pulmões. A tristeza erra como nuvens.

Queimadas, no Brasil, são proibidas. Mesmo assim têm acontecido, nos últimos anos, de forma nunca vista. Gigantes, formam, no ar, o desenho de um ser mitológico alado, cobrindo quase todo o território do país, formando um longo cemitério suspenso.

Em 2019, antes da pandemia, uma nuvem negra cobriu parte do Brasil. Prenúncio. Presságio. Vinha da queimada criminosa de nossas florestas e matas ao Norte. Eu não podia respirar. E dava aulas, sem poder respirar, à noite, perto das lagoas e dos rios de Mato Grosso do Sul. Longe, os habitantes da cidade de São Paulo, tão distante das florestas, puderam ver no ar as vidas de animais e plantas desfeitas. Cinzas.

Na época, escrevi:

de manhã descubro no poema
a palavra pluméria

depois encontro a notícia
no Facebook do Tarso:
a cinza das árvores
a floresta aérea

no curso noturno de poesia
digo o nome da planta

(os olhos ardem
não posso respirar)

pronuncio bem devagar
os fonemas

– tudo pode
a um só tempo
cair e voar

Não faz muito tempo, em 2024, houve seca histórica e todo o estado de São Paulo queimou a uma só vez. Ficamos sob chamas. O fogo tomava o céu, em mais um fim de mundo. As pessoas se escondiam nas casas, caía a fuligem negra, carros não podiam passar pelas estradas. Havia desvios, pressa, interrupções, pedidos. A fumaça e o fogo criminoso eram a nova paisagem. As chamas ameaçavam casas e prédios e os bebês tossiam pela primeira vez.

Máscaras e lembranças da pandemia. Instaurou-se o nunca visto. A angústia congelou movimentos e olhos.

Os incêndios, aparentemente criminosos, surgiram, de forma orquestrada, em todo o estado. Era triste conduzir o carro, por estradas do interior. Uma matinha preservada, resto da mata atlântica, foi morta pelo incêndio. Havia alguma coisa de luto, no silêncio conformado das árvores. Havia alguma coisa de erro, um erro bem sério, nos galhos nus, retorcidos, entre cinzas.

Mortas, as árvores podem ainda falar? Como escutar o longo segredo que guardam? Longas paragens, antes verdes, foram levadas. A marca negra da passagem do fogo sobre o canteiro da estrada é narrativa e cena. À margem, há casas brancas que resistem. E penso nos pequenos agricultores, poucos ainda, na paisagem tomada por cana, eucalipto e soja da monocultura – o interior se transformou numa só fazenda árida, deserto –, e na luta solitária do homem e da mulher, a mangueira de água nas mãos, em torno tudo quente.

O crime vem de antes. O modo predador da nossa vida tem destruído o planeta e nos faz testemunhas de seus achaques e revoluções. Os indígenas brasileiros já haviam dito: o céu irá cair. O céu tem caído. O céu cai constantemente. O céu cai como pássaro morto.

É triste, disse a poeta Vera Lúcia de Oliveira, a pensar nos animais e nas plantas, numa palestra sobre poesia, em Assis, depois dos incêndios. Houve um grande silêncio no Salão de Atos da Universidade, depois de sua constatação. É triste. Lá fora, alguns pássaros tentavam romper, com o canto tímido, uma nuvem grossa, sem prenúncio de tempestade.

Na cidade com nome de São Chico, no Brasil, há uma estátua de lata feita em sua homenagem. Ela está na parte alta da pequena avenida, de onde os olhos oblíquos podem observar o pôr do sol entre nuvens de fumaça. Em torno, as pessoas ignoram a poluição e continuam a executar gestos cotidianos. Poucas usam máscaras. É feriado. No entanto, há, além do barulho das motos, do silêncio dos longos campos de cana de açúcar e de soja, algum voo de pássaro.