Era um dia nublado de inverno, os respingos gelados das ondas que atingiam as pedras logo abaixo dos seus pés golpeavam o seu rosto como pequenas faíscas de gelo, mas, ele não se importava, porque, naquele momento, o que o incomodava era aquilo que se passava na sua cabeça. Sentia a dor da perda pela primeira vez e não sabia o que fazer a não ser chorar. Era muito novo, tinha por volta de 10 anos e seus sentimentos ainda eram uma bagunça de pequenos incômodos que não sabiam qual lugar ocupar.

Naquele dia, mais cedo, caminhava pela praia acompanhado de sua mãe. Achou estranho andar pela areia de tênis e coberto de roupas grossas. Até então, só conhecia a praia nos dias quentes de verão, sempre com muito sol e calor.

Ambos caminhavam lado a lado, sem dizer muito. Ele sempre foi quieto, preferia observar o mundo a sua volta, com curiosidade e em silêncio. Ao longe, na beira do mar onde as ondas vinham e iam, avistou algo no chão que, à primeira vista, parecia um monte de plantas emboladas, do tipo de sujeira que o mar devolve para a terra. Quando chegou perto percebeu que era algo que não deveria estar no chão e sim voando livremente pelo céu: uma gaivota morta.

Ajoelhou ao seu lado para tentar entender o que tinha acontecido. Quase perguntou para a ave, mas sabia que ela não responderia. Para ele, a pergunta não foi feita não porque as aves não falam, mas porque ela não estava mais viva. Sua confusão deve ter transparecido no seu rosto porque sua mãe falou que aquilo era normal, fazia parte da natureza e do ciclo da vida. Ele não acreditou, não entendia como um ser tão bonito poderia apenas morrer - sem machucado, sem sangue, sem nada. Apenas um corpo sem vida. Não parecia justo e ele se sentiu culpado.

Sem falar em voz alta, pediu desculpa para o animal, pois o mundo tinha sido cruel com ele sem motivo. Uma ave não merecia apenas deixar de existir daquele jeito. Enquanto pedia perdão por algo que não era sua culpa, começou a chorar. Chorou tanto que seu corpo tremia de dentro para fora.

Sua mãe ajoelhou ao seu lado e colocou os braços em volta de seus ombros. Não disse nada, apenas deixou o filho sentir a dor da perda pela primeira vez. Depois de alguns minutos, o menino olhou em seus olhos e falou que queria enterrar o animal, ele não merecia passar a eternidade sozinho no frio, apanhando das ondas que não paravam de chegar.

Pegou a gaivota, a aninhou delicadamente em seus braços e a levou para a parte seca da areia, o mais longe possível da água escura e fria do mar. Cavou uma cova do tamanho do animal com as mãos e a deitou lá dentro. Ajustou seu pequeno corpo em uma posição que parecia confortável e, com muito cuidado, a cobriu com areia. Enquanto sua mãe o observava, foi até o matagal próximo e colheu algumas flores, prestando muita atenção para garantir que escolhesse as mais bonitas e coloridas.

As colocou sobre o túmulo de areia porque era isso que tinha visto os adultos fazerem em cemitérios e achou que era o certo a se fazer nessa situação. Depois, quebrou um graveto seco em dois e depositou um deles na vertical e o outro por cima, na horizontal, formando uma cruz.

Após a breve cerimônia, ficou alguns minutos observando o seu trabalho e sentiu, no fundo do seu coração, que a ave tinha gostado daquilo e que, de algum lugar, ela e toda a natureza o agradeciam pelo seu gesto.