Fase difícil a adolescência. Luiz Roberto ia fazer quinze anos e vivia as agruras desta etapa de transição da vida. Já havia tirado os pés da infância, mas ainda não pisava na idade adulta. Flutuava naquele limbo, como quem faz uma viagem longa e cansativa, sem desfrutar, ansioso por chegar, embora sem saber o que vai encontrar no destino.

No domingo anterior ao aniversário, no café da manhã, Carmem Lúcia e Ricardo conversavam sobre seu único filho e trocavam ideias a respeito da data que se aproximava:

— É uma data importante, Ricardo.

— Importante seria ele tomar café da manhã conosco, pelo menos aos domingos. Vive enfurnado naquele quarto, como um ermitão numa caverna. Aliás, uma caverna deve ser mais arrumada…

— Tem razão, mas é da idade.

— Se é assim, não vejo o que comemorar nesta idade — contrapôs Ricardo.

— Não diga isso, Ricardo. Ele é um bom menino e imagine a frustração de fazer quinze anos e não ter uma comemoração à altura.

— Você queria o quê? Um baile de debutantes, Carmem Lúcia?

— Claro que não. Eu o sondei: está querendo um tênis novo, daqueles de solado especial flutuante, com amortecimento. O tênis dele está um lixo, muito surrado.

— Sei… Deve ser daqueles com nomes sofisticados que custam mais de quinhentos reais. Para ir de casa para o colégio…

— Sim. Mas é o aniversário dele. São 15 anos, Ricardo. Está querendo ainda um vídeo game mais moderno. O que tem está ultrapassado e não permite os jogos do momento, que todos os amigos estão jogando. E está louco para trocar o celular também. Disse que saiu um modelo dobrável, com muitos recursos que ele precisa.

— Precisa? Esta é palavra, Carmem. Vamos pensar no que realmente ele precisa. Depois continuamos esta conversa.

Ricardo passou o resto do domingo matutando sobre o assunto. O filho o preocupava. Afinal, o que Luiz Roberto realmente precisava? Tinha que descobrir isso, ter alguma ideia. Sabia que não era um tênis caro, um vídeo game ou celular novos. Isto tudo lhe daria apenas poucas horas de uma alegria rala e não rara, como deveria ser.

Além disso, o moleque já vivia quase o tempo todo com a cara nas telas. Às vezes, estava jogando no computador e ao mesmo tempo olhando o celular. Sempre fechado naquela caverna, sozinho, sem conversar com os pais, dormindo tarde, acordando depois de meio-dia…

Toda vez que tentou entrar no quarto, Ricardo foi repelido: Luiz Roberto sem tirar os olhos das telas, dava respostas curtas e tentava se livrar o mais rápido possível da interrupção. Na última vez, Ricardo teve o ímpeto de arrancar tudo da tomada e jogar no lixo aquela parafernália, mas conteve-se para não ser agressivo. Porém, o incômodo ganhava corpo a cada dia.

Ficou refletindo que todos aqueles eletrônicos atraentes e sofisticados eram ladrões do tempo do menino. Mergulhava neles, passava horas vidrado nas telas e no final emergia sem energia, cansado e vazio. Aquele muito acabava representando pouco para Luiz Roberto. Coisas demais para satisfação de menos.

Precisava pensar num presente que fosse algo novo, que levasse emoção verdadeira ao filho. Algo real e não virtual. Um presente, não para os cinco sentidos já excessivamente estimulados, mas para a alma do garoto.

Já caía a tarde quando uma ideia maluca explodiu no seu cérebro. Era algo tão descabido que preferiu não contar previamente à Carmem Lúcia. Porém, resolveu apostar no que seria quase implausível, mas que podia dar certo. Era zero ou cem: alcançaria plenamente o que pretendia ou seria um fiasco completo, talvez até ridículo.

A mulher estava na cozinha:

— Já sei qual vai ser o meu presente para ele — disse Ricardo, animado, mas resolvido a não antecipar a ideia para evitar censura.

— O quê?

— Você vai ver no dia. Faz o seguinte: compra um tênis para ele, já que o atual está desgastado. Mas que seja um preço razoável, um modelo confortável e de boa marca, mas sem os artifícios inúteis e nomes sofisticados que adotam para poder cobrar preços exorbitantes.

— Sim, mas e o que mais? Apenas um tênis não é presente de um aniversário de quinze anos, Ricardo. Ainda mais um tênis comum.

— Eu vou providenciar o outro presente. Não se preocupe. Faz como eu estou falando — disse ele, fingindo certeza de algo tão incerto como o que tinha em mente.

Dois dias antes do aniversário, Ricardo foi ao shopping próximo de casa e entrou numa papelaria:

— Tem papel de carta? — perguntou à vendedora.

— O quê? — exclamou ela, sem entender aquele pedido esdrúxulo em pleno século XXI.

— Papel de carta — repetiu ele, soletrando meio constrangido.

— Não senhor — disse ela, com um sorriso sem graça, como se ele estivesse tentando comprar carne na farmácia.

Esteve ainda em mais duas lojas do mesmo tipo e a cena repetiu-se.

Frustrado, resolveu então comprar uma caixa de papel especial para impressora, com um padrão que reproduzia uma textura de linho. Conseguiu ainda um envelope em papel semelhante e partiu para casa para elaborar o presente.

Escreveu uma carta ao filho relativamente longa, manuscrita, ocupando quase quatro páginas. As palavras brotaram do seu coração e foram sendo gravadas no papel de maneira fluida e natural. Leu e releu, deu-se por satisfeito, dobrou cuidadosamente, fechou o envelope e endereçou ao Luiz Roberto.

No dia seguinte foi ao Correio para postar. O atendente pes

ou a carta e apresentou-lhe opções de entrega e prazos. Escolheu a alternativa mais simples e pagou. A carta foi selada, carimbada e colocada numa caixa lateral do balcão. Ricardo então, ao invés de ir embora, fez uma solicitação inédita:

— Por favor, não precisa entregar. Pode me dar que eu mesmo levo. É para o meu filho e ele mora comigo.

— Senhor, a carta vai ser entregue pelo Correio, no prazo que lhe informei.

— Sei, mas é aniversário dele amanhã. Eu mesmo levo.

— Se é assim, para que o senhor veio até aqui e pagou a postagem?

— É que ele vai fazer quinze anos e nunca recebeu uma carta na vida. Quero que tenha esta experiência completa. Vai parecer que peguei na caixa de correspondências do apartamento.

O atendente vacilou. Era disparatado e inédito.

— Um momentinho. Vou ter que falar com o meu gerente.

Levou alguns minutos e voltou com um formulário: Ricardo assinou e recebeu o envelope com as marcas do Correio. Botou no bolso e voltou para casa.

À noite, já no quarto, perto da hora de dormir, Carmem Lúcia mostrou o bonito embrulho do tênis e perguntou sobre o outro presente.

— Está pronto. De madrugada coloco junto com o tênis no quarto dele — respondeu, mostrando o envelope.

— Uma carta??? Não acredito.

— Sim. Ele nunca recebeu uma carta na vida.

— Ricardo, pelo amor de Deus! Isso não se usa mais. Que coisa antiga. Não vai ter o menor valor para ele. Se queria escrever para ele, por que você não usou um meio eletrônico, muito mais prático e atual? Que frustração para o garoto… Logo nos quinze anos.

— Vai ser uma experiência nova para ele, Carmem. Vamos ver como vai reagir. A mensagem eletrônica é fria e perecível. A gente lê e depois some numa mistura sem fim com outras coisas. Uma carta manuscrita é muito mais pessoal, pode ser lida, relida e guardada.

— Você está vivendo no século passado. O que você escreveu?

— Nada demais. Contei coisas de quando ele era criança e estava sempre conosco. Lembrei até que ficávamos horas catando folhas secas no chão e que ele ficava muito feliz com esta brincadeira sem brinquedo, tão simples. Não fiz nenhuma crítica nem reclamei de nada: apenas lembrei como era bom estarmos sempre juntos. Declarei que ele pode sempre contar comigo enquanto me restar forças, em qualquer circunstância, a qualquer tempo e lugar. Disse ainda que sinto falta da companhia dele. E no final disse que o amava quando criança, o amo agora e o amarei sempre, de modo incondicional, haja o que houver, pois sou seu pai e a felicidade dele é a minha também.

— Você nunca havia dito isto para ele — disse ela com um nó na garganta.

— Estou dizendo agora, dizendo não, escrevendo com a minha letra e assinando. É uma declaração de amor.

Carmem Lúcia não tinha mais convicção do que havia falado. Achou melhor calar e aguardar o resultado.

Na madrugada, Ricardo entrou na caverna, tropeçou em fios e deixou a carta na mesinha de cabeceira, bem ao lado do celular. Um pouco mais atrás, depositou a caixa do tênis.

Era quase uma da tarde e Ricardo e Carmem estavam na sala quando Luiz Roberto apontou no corredor. Estava com a carta na mão. Ele viu o pai, caminhou em sua direção com os olhos fixos e deram o abraço mais emocionado de suas vidas. Ambos choraram um choro profundo, alegre, como só o amor pode provocar. E Luiz Roberto, abraçado eternamente ao pai, ainda destilando lágrimas, sussurrou:

— Eu vou guardar esta carta para sempre!

Carmem Lúcia ainda perguntou:

— Gostou do tênis?

Luiz Roberto respondeu:

— Não abri. Depois eu vejo.

E pela primeira vez em alguns anos almoçaram juntos, comemorando emocionados o aniversário de quinze anos!