Todo final de ano Ivone se organizava. Caneta, agenda de páginas brancas prontas para devorar mais 365 dias de um novo ano e, claro, um bom e barato vinho tinto. Uma de suas metas, inclusive, era tirar o paladar dito por ela infantil e treiná-lo para o gosto da morte amarga dos vinhos secos e dos cafés pretos sem açúcar. A vida já não é doce, agora, o meu café? Sua mãe relutava para fazer o café amargo, mesmo com a glicose alta, valia a pena o despertar de vida trazido pelo primeiro e prazeroso gole açucarado, dizia.

Ivone estava pronta, a segunda taça está cheia, a caneta apontada para o alvo.

2025

O primeiro item adicionado por ela foi aprender a fazer escolhas conscientes. Isso incluía tanto a decisão de levar sacola de pano ao supermercado quanto a difícil tarefa de não mandar mensagem para o ex às 2h da manhã. Ela suspirou fundo ao se lembrar de dias comuns em que preferiu abrir o aplicativo de delivery ao invés de sujar o fogão. Conclusão: um combo gigante de hambúrguer, batata frita e milkshake — com bacon extra, porque, afinal, a vida é curta, no meio da semana. Droga, a dieta foi para o lixo, agora só segunda que vem.

“É por isso que preciso de treino,” pensou, enquanto rabiscava ao lado do segundo item, este, que realmente exigia coragem: ir para a academia e não apenas pagar a mensalidade. Ivone riu sozinha, um riso agridoce. "Essa meta eu já coloquei em 2019, 2020, 2021... Nem a pandemia conseguiu me fazer caminhar mais do que da sala para a cozinha."

Mas ela sabia que estava em progresso. O seu braço, antes finíssimo, estava começando a ganhar forma, e ela conseguia subir com as compras do supermercado com muita facilidade agora. Isso a fez pensar que as doses de endorfina eram indicadíssimas em caso de uma vida mais leve e calma.

Enquanto rascunhava o terceiro item — algo sobre ser mais gentil com os outros, o que na prática significava sorrir mais para o porteiro e responder os memes da tia no WhatsApp — Ivone percebeu que a lista de resoluções, no fundo, era sempre um ciclo de tentativas. “Mas e dai?” disse em voz alta para a sala vazia. É sobre isso. Tentar, falhar, reclamar no Twitter e tentar de novo.

Ainda com a caneta na mão, ela olhou para os itens antigos rabiscados na agenda do ano anterior. Ler vinte livros, um clássico que terminava invariavelmente em um modesto três, sendo dois de autoajuda.

Viajar mais, que se limitou a um bate-volta para visitar a mãe e comer o mesmo arroz com feijão de sempre. Mas Ivone não se abalava mais com essas metas parcialmente cumpridas. Se havia algo que ela aprendera ao longo dos anos, era valorizar o que conseguiu fazer, mesmo que não fosse exatamente como planejou.

Inspirada por esse pensamento, decidiu acrescentar mais um item: celebrar as pequenas vitórias. Afinal, acordar cedo numa segunda-feira, conseguir um desconto na feira ou até resistir àquele pedaço extra de bolo já eram conquistas dignas de um brinde. Pegou a taça, que já estava quase vazia, e completou com mais vinho. “Às pequenas vitórias!” disse, erguendo o copo sozinha na sala.

A quarta meta demorou mais a surgir. Ivone mordiscava a ponta da caneta, tentando encontrar algo que realmente fizesse sentido. Depois de alguns minutos, escreveu: aprender a dizer não. Ela riu sozinha de novo, porque essa meta também já havia aparecido em outros anos, sem muito sucesso. Desde emprestar dinheiro para o primo — que nunca devolvia — até aceitar convites para eventos que não queria ir, Ivone era a rainha do “sim” quando deveria dizer o oposto. “Esse ano vai ser diferente.” Estou mais confiante depois de ter começado a terapia e até, ontem mesmo, se lembrou, disse um não, logo depois se justificou por duas horas e meia, mas o primeiro passo foi dado.

Quando chegou ao quinto item, Ivone decidiu ser mais ousada: tirar um projeto do Papel. Inspirada com os podcasts que ouvia, sempre pensou que se fosse para fazer algo desse tamanho, que havia de ser um podcast. Um nome...? Vamos lá! Você consegue, pensou, pensou. Vai ter que ficar para o ano que vem. Tantos sonhos engavetados, tantas ideias que nunca saíram da cabeça ou das conversas de bar. O curso de fotografia, o blog de receitas, até mesmo aquele plano maluco de aprender a tocar violão. Qualquer um desses já seria um começo. E, por que não, todos eles? A ideia a animou de tal forma que ela escreveu essa meta com letras grandes e um ponto de exclamação no final.

Quando terminou, recostou-se na cadeira e releu a lista. Pensou em como a vida era uma sucessão de tentativas, falhas e aprendizados. No fundo, o mais importante era continuar. Porque, no fim das contas, talvez a vida seja como um vinho barato: começa travando a boca, mas, com o tempo, você aprende a rir das caretas e brindar a bravura que é continuar tentando.

Adeus ano velho e feliz ano novo!