Cansaço. Raiva. Vontade de não ser
Ou de ser o que não sou
Apenas o que deveria ser.

Mas o que deveria ser que não sou?
Não fui eu quem trilhou meus próprios caminhos?
Não fui eu quem traçou meu próprio destino?

Não, outro ser que me habita escolheu por mim.
Outro ser que me domina foi por mim
Foi ele quem traçou meu destino.

E não sou eu o dono dele?
Não sou quem manda nele?
A responsabilidade então é minha.

Claro que não. Este ser que me escolheu pra ser dele
E eu fui apenas um joguete em suas mãos
Para que fizesse de mim o que quisesse.

Então não sou culpado por meus atos.
Sofro eu por causa de um outro que existe em mim e que me justifica.
Assim é fácil viver.

Eu não quero me responsabilizar por meus erros.
Por que olhar racionalmente se posso me criar algum mal
E com isso ser desculpado pelo mundo?

Não, não vou viver me justificando
Não quero ser digno da compaixão alheia
Quero, sim, ser dono de minha própria vida.

Eu não. Quero que o mundo a mim se adapte.
Sim, eu sou um grande ditador que deve ser respeitado como sou.
E tenho dito.

Deus me livre de ser assim. Eu não sou desse jeito.
O mundo tem lógica, tem regras e eu as quero seguir.
Quero ser um homem virtuoso.

Quer maior virtude que colocar todos a seus pés?
Nada é melhor do que não fazer esforço por ser quem se é.
E eu não quero ser outro.

Que outro eu seria seguindo regras?
Um alguém que obtém o respeito e a admiração dos outros
Um alguém que pode influir no mundo conscientemente.

Mas eu já influo até mesmo sem querer.
Os homens criam leis por mim e têm misericórdia de mim.
Se eu cometer um crime, posso até ser absolvido; eu não fiz por querer.

Eu não quero cometer crimes, não pretendo ser ilegal
Tampouco imoral.
Quero, sim, ser digno, respeitoso e bom.

Eu nada ganho com isso.
Para que me conter, ser bom
Se apenas um erro pode destruir toda a minha vida?

Mas eu posso pensar, ser racional
E buscar conter minhas pulsões, meu mal.
Por que não tentar, de verdade, ser apenas alguém normal?

Normal é ser diferente, é ser como se é.
Tudo posso fazer
Eu posso ser tudo o que quiser.

Eu também posso, mas sou limitado pelas minhas crenças
Eu acredito no trabalho, na honestidade.
Não compactuo com corrupção.

Mas eu não sou corrupto.
A sociedade é que me corrompe.
Sou apenas um produto do meio onde estou inserido.

Não, não posso acreditar que sou isso.
Eu posso me tornar mais
E a graça de Deus pode me edificar.

Mas meu Deus sou eu.
Deus está em mim, está no sol, está em tudo.
Ele é essa energia que todos temos. O mundo é isso.

Não, Ele é meu criador, meu centro, meu tudo.
O universo é Dele e sou apenas uma criatura pequena e insignificante.
Por que vou rebaixá-lo?

Mas fui eu quem criou Deus. Ele não me criou.
São tantas concepções sobre Ele que não é possível dizer que exista.
É só eu morrer que Ele morre comigo.

Eu tenho medo dessas bobagens. Não, Ele não existe apenas para me controlar.
Ele me criou e me amou desde sempre.
Deu até seu Filho pra morrer por mim.

História da carochinha.
Acreditar em um judeu que morreu há tantos anos?
De onde se tirou essa história que a muitos causou tantos danos?

Não, esse diálogo a nada nos vai levar.
Se meu eu não sabe o que quer,
Para que essa luta interna travar?

É, é melhor aceitar sua limitação.
O mundo sou apenas eu e o tamanho do meu coração
E sei que nele cabe muita coisa.

Ah, não, não vou dialogar com esse Drummond que até mesmo já se justificou.
Eu quero mesmo é poder me transformar
Nesse alguém que ainda não sou.

E eu não acredito em Aristóteles.
Meu potencial é limitado e minhas circunstâncias, sim, vão me impedir de ser
E confesso: nem vou fazer esforço.

Cansaço. Raiva. Vontade de parar
De ser o que ainda não sou
Mas... ainda serei.