Quando voltamos às nossas origens, encontramos tantos insumos do que somos. Na verdade, é como um quebra-cabeça que foi sendo montado, e agora você o vê de forma integrada. Muitas vezes perdemos a noção de como foi arquitetada as várias partes da nossa história e quais foram as peças escolhidas a dedo para cada encaixe, porém está tudo lá bem claro e transparente, é só acessar que como um jogo de dominó as peças vão caindo e te reavivam a memória afetiva, a memória física e a memória sensitiva.
Dia desses percorri a procissão de São Benedito no centro da minha cidade de origem, evento que ocorre todo ano. É uma tradição e que consigo acompanhar quando retorno à cidade onde nasci. Tudo começa muito cedo com os fogos e se estende até o final do dia. Às 17h o andor sai do santuário e desce as escadas, percorre a cidade e vai para a igreja matriz, onde os sinos tocam e acontece a missa.
Desde o apressar-se para esperá-lo descer as escadas até caminhar por várias ruas revendo rostos da infância, da mocidade e da vida toda é um misto de fé e emoção. Claro que um vazio de pessoas conhecidas acontece e outros novos integrantes vão aparecendo, mas é quase como um código onde as pessoas atestam sua existência umas para as outras. Esse é um dia muito especial para mim, pois foi o dia que escolhi para minha filha, então entre o correr para a procissão e a arrumação da mesa de aniversário é um hábito que se repete por muitos anos e que amo me organizar para aproveitá-lo ao máximo.
Novos costumes são a todo tempo criados, como encontrar com os amigos da universidade e assistir à missa presidida por um colega em comum, que fez vários casamentos da turma, também vira tradição. E o que dizer do encontro com as amigas, o jantar de Natal com elas, a praia com o picolé imperdível da cidade, bem como os demais encontros promovidos pela família que nos lembra quem somos, é parte daquilo que de alguma forma sustenta nossos pilares. Rever pessoas que sorriem para você, de forma conhecida é prazeroso, pois de alguma forma fomos moldados da mesma farinha, ou melhor dizendo da mesma areia, já que somos originalmente praianos. Olhar o mar, os monumentos e a cultura local também nos acolhe assim dizendo este é o seu lugar. E ainda sentimos a falta dos amigos que não se fizeram presentes, nesse curto e imperdível reencontro.
Há coisas que você só faz quando se reconhece no lugar de onde veio e quando para lá retorna, e isso é valoroso, traz prazer e reanima sua essência. Há de se deixar sentir, sem querer atravessar tudo isso com suas mais novas experiências. Tudo tem seu tempo, sua hora e sua importância.
Bem, mas nem tudo se resume a isso, pois quando saímos do lugar de origem e ganhamos novos espaços, também ampliamos nossa capacidade de nos adaptarmos ao diferente, criando inclusive tipos novos de celebração, ritos e amizades. E que bom que podemos fazer isso em todo tempo e lugar.
Quando voltamos ao berço, somos capazes de sentir pequenos prazeres de forma tal que consideramos quase eternos, mas também muitas vezes concluímos que não cabemos mais ali, naquele lugar, naquele espaço e com aquela gente.
Essa situação reveladora nos faz pensar e de alguma forma também nos ajuda a caminhar. O conflito entre o que fomos, como nos construímos e nos moldamos, a partir de todos os ritos vividos e que se contrapõe ao que somos atualmente é um possibilitador de equilíbrio da nossa dualidade. Nem todo conflito é ruim, ele bem pode nos permitir uma calma na alma, um sossego de origem quando sabemos o que fazer com o que sentimos. Nem tudo é tão fácil ou simples, e nem mesmo deve ser romantizado, mas é importante ter a maturidade de saber lidar com a realidade como ela se apresenta, sem questionar muito, sem querer mudar ou até interferir. Talvez seja um tempo passageiro e que devemos aproveitá-lo ao máximo.