Alguns convites são irrecusáveis. Poder contar com a companhia da professora Telê Ancona Lopez, nas páginas da Meer, além de me deixar muito contente com a presença da amiga, faz com que eu me sinta honrada.

Professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), Telê é intelectual brasileira importante. Com percurso sólido, seu trabalho se desenvolve por meio das investigações científicas de valor que tem realizado, assim como na formação de alunos de graduação, de mestrado, de doutorado e de pós-doutorado, também na orientação de pesquisadores, em que sabe conduzir e apontar caminhos de forma precisa, na edição bem cuidada de obras de Mário de Andrade e no trabalho impecável com seu acervo, no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

Telê não precisa de apresentações. E seria difícil, no espaço deste texto, falar, de maneira adequada, de caminhos longamente trilhados, no percurso sólido. Mesmo assim, deixando de lado gestos formais, gostaria de mencionar traços valiosos da escritora, como o olhar arguto e revolucionário, atento ao mundo, a suas questões políticas e ambientais, assim como o pensamento curioso e insaciável, capaz de identificar de forma acertada caminhos que levam a importantes descobertas científicas. Destaco ainda o olhar sensível, a perceber a beleza da arte e da literatura, e sua capacidade de se colocar no lugar do outro, compreendendo tanto seres humanos como pequenos animais, sempre defendidos pela estudiosa.

Agora, Telê volta a exercer a atividade de cronista, realizada, antes, no começo de sua carreira. Nesse formato, a escrita bem cuidada convida o leitor a passeios de braços dados, abrindo-lhe paisagens, como no texto a seguir, em formato de carta, em que conversa com Julián Fuks.

Sobre o destinatário, teço algumas considerações. Autor de romances como A resistência, vencedor do prêmio Jabuti de livro de ficção do ano, em 2016, assim como dos prêmios Saramago, Oceanos e Anna Seghers, a estreia literária de Julián Fuks se deu com o volume de contos Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e Eu, em 2004. Escreveu ainda os livros Romance: história de uma ideia (2021), A ocupação (2019), Procura do romance (2011) e Histórias de literatura e cegueira (2007).

Além disso, Julián Fuks é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Literatura Hispano-americana pela mesma instituição. Foi repórter de literatura na Folha de S. Paulo e, atualmente, mantém coluna no portal UOL.

Carta a Julián Fuks, de Telê Ancona Lopez

São Paulo, 7 de dezembro, 2024.

Boa noite, Julián Fuks, cronista da vero.

Inábil pra dialogar na peteca, quando se trata de conversa no universo online – outro dia consegui e hoje não há meios –, mudo meu caminho. Ou, honestamente, desisto desse aprendizado e assumo esta minha vontade de me fazer de cronista nas abrangentes páginas da Meer, carteando pra você. Sua bela crônica "Amar um lugar: sobre o forte apego que podemos sentir por um espaço", hoje, atinge dimensões universais por ser, paradoxalmente, tempo marcado e vida ao rés do chão, na lúcida compreensão de Antônio Candido.

Serve pra todos, pra mim. Leio você, acompanho as acertadas frases de Bachelard, e me abraço. Eu nada habito. Moro em mim, há 50 anos, nesta casa cujas árvores plasmaram cinzas de tantas vidas. Nós semeamos essas árvores, meu companheiro e eu. Faz um ano, vieram-lhes as cinzas dele, homem; ao longo do calendário, as cinzas dos nossos gatos e cães companheiros. São árvores e assim serei eu: jatobá, o chapéu de sol que veio da praia, jaqueira, o abacateiro frágil que se apruma. Dão morada a periquitos, rolinhas fogo-apagou, sabiás, pardais, bem-te-vis, maritacas que arremedam latidos, riquíssima zoofonia atravessando as horas. Quando se chega a São Paulo, fica fácil de ver, do voo, o nosso jatobá, verde generoso. Árvores, pulvis que vibram verde vivo. Eu me abraço e, de repente, incorporo o medo dos muros que me cercam, muralhas hoje disseminadas. O medo que os imobiliza em alarmes incontroláveis, noites afora. Sei disso faz tempo.

Outro dia, lendo você a propósito ou despropósito do muro dos vizinhos de seus pais e sem poder me conectar ao UOL pra lhe dizer alguma coisa, escrevi este poeminha vagabundo, brincando com Hölderlin/ Bandeira:

"os muros avultam
mudos e frios"
ocultam medrosos sombrios
sem brio

a luz do viver.

e os muros no cenho
pra que esse empenho?
tão triste esse prumo
tão seco sem sumo
avesso do enleio
calados tão feios
é ver pra crer.

Ciente de que com muro não se brinca, é como a máquina e Macunaíma não me deixa mentir, eu lhe agradeço, cronista. Sua entusiasmada leitora,

Telê

Agradeço à professora Telê, docente e pesquisadora que tanto tem a ensinar, a participação na revista Meer, como cronista, mas também como poeta, no diálogo tão bonito com Julián Fuks.