[Int. Kremlin - Escritório de Putin - Dia] Putin está sentado à sua secretária, concentrado a despachar documentos. À sua frente está Lavrov, à espera, em silêncio. Lavrov quer falar, mas hesita em interromper Putin. Lá ganha coragem.
Lavrov: Por mim, dizíamos que a operação especial foi um sucesso, estabelecíamos fronteiras nas atuais linhas da frente e declarávamos que a operação acabou.
Putin levanta o olhar para Lavrov, com ressentimento. Este arrepende-se de ter falado.
Lavrov: Peço desculpa…
Silêncio. Lavrov ganha coragem para continuar.
Lavrov: É que eu estou farto de ser desrespeitado nas reuniões a que vou com outros ministros dos negócios estrangeiros. Eles viram-me as costas, não me cumprimentam, riem-se do que digo, saem da sala quando falo…. Antigamente convidavam-se para as festas, mas agora… Já pensei em apresentar a minha demissão e tudo.
Putin: Isso pode ser visto como traição.
Lavrov: (Nervoso) Pois, sim, claro, eu nunca faria isso. Mas passou-me pela cabeça e… Repare que a própria Ucrânia já diz que está em dificuldades, que não tem munições. Podíamos dizer que atingimos o nosso objetivo, dávamos um sinal de razoabilidade e boa vontade e pronto, esta crise acabava e íamos todos à nossa vida normal. As saudades que tenho de ir comer um BigMac a um MacDonalds na praça vermelha…
Putin: Mas eu quero reconquistar Kiev. Isto só acaba quando reconquistarmos…
Putin cala-se e arregala os olhos. Vemos o que ele vê. Atrás de Lavrov estão agora Navalny e Prigozhin, de pé.
Prigozhin: Eu disse-lhe que não adiantava aparecer, mas aqui o meu novo colega quis fazer uma visita.
Lavrov: Peço desculpa, esqueci-me de Kiev, não volto a…
Putin: Cala-te. (A Prigozhin) Desaparece e diz a esse traidor que não me assusto com fantasmas nem tenho problemas de consciência com quem mando matar.
Prighozin: Já lhe expliquei, mas ele gosta do dramático da coisa.
Lavrov: (Assustado) Matar? Mas matar quem? Eu estava a falar por falar, eu não quis…
Putin: (A Lavrov) Cala-te, não estou a falar contigo.
Lavrov está confuso e olha para trás a tentar perceber onde estão os outros interlocutores, mas não vê ninguém.
Navalny: A minha morte não é o meu fim. E não é só o meu fantasma quem o vai assombrar para o resto da vida. É o povo russo que não vai deixar cair a minha luta.
Putin: O povo russo é meu e faz o que eu quero. Senão, mato-o também. Sem problemas de consciência. Aliás, isso da consciência é uma coisa de maricas ocidentais. Os russos têm lealdade e obediência no ADN, não têm consciência.
Prigozhin: (A Navalny) Eu avisei.
Nanalny: Recuso-me a aceitar que este homem que me matou vá ficar impune.
Prigozhin: Habitua-te. Também me matou a mim e ninguém fez nada. E não tive direito à indignação do mundo inteiro com a minha morte. Como se fosses um santo impoluto. Um anjinho com asas.
Putin: Santo? Anjo? É, mas é um idiota. Então safou-se do envenenamento e, em vez de ficar na Alemanha, vem cá para a Rússia? Mas pensava que eu ia ficar de braços cruzados?
Prigozhin: Que grande estúpido!
Lavrov: Está a falar do Navalny? Eu também achei estúpido, mas muitos russos acham que ele foi um dos homens mais corajosos da Rússia. Não sou eu quem o diz, é…
Putin: (A Lavrov) Cala-te!
Lavrov: Desculpe… Quer ficar sozinho? Posso sair e voltar para apanhar esses papeis. Não é transtorno nenhum.
Navalny: É um psicopata.
Prigozhin: Isso até eu…
Putin: Eu não sou um psicopata!
Lavrov: Eu não disse que era.
Putin: (A Lavrov, furioso) Cala-te!
Lavrov está aterrado de medo, e encolhe-se na cadeira.