O dia começou sem aviso. Não houve canto de pássaros ou raios de sol cálidos para despertá-la. Apenas a brusca certeza de que o tempo continuava a passar, indiferente à sua vontade. Abriu os olhos e sentiu o peso de mais um dia cair sobre ela como uma manta áspera, desconfortável.
O quarto era pequeno, abafado, mas não era isso que apertava seu peito. Era algo maior, algo sem nome, que se enrolava ao redor de seu corpo como uma serpente paciente. Os olhos buscaram o celular no criado-mudo. Era o primeiro gesto automático: conferir as mensagens, as notificações, o calendário repleto de compromissos. Uma tela que refletia o caos de um mundo apressado.
“Não posso parar”, pensou, sem saber exatamente quem lhe exigia tanto.
O café estava frio quando chegou aos lábios, mas ela não notou. Não havia mais sabor nas manhãs. Cada gole era apenas combustível para atravessar o dia. Enquanto as tarefas se acumulavam, uma após a outra, sentiu que estava caminhando sobre uma ponte instável. Não sabia o que havia abaixo, mas temia cair.
Ainda assim, continuava. Todos continuavam.
As horas se arrastavam e corriam ao mesmo tempo. Era um paradoxo cruel: nunca havia tempo suficiente, mas o tempo também não tinha fim. O relógio era seu algoz, ticando incessantemente, um lembrete do que ainda precisava ser feito.
A tela do computador piscava, vazia, aguardando suas palavras. Escrever era uma de suas paixões, mas agora as palavras vinham carregadas, como pedras que precisava carregar morro acima. Pensou em tudo o que deveria produzir, tudo o que precisava mostrar ao mundo. O mundo exigia provas constantes de sua existência.
Respirou fundo, mas o ar parecia pesado. Tentou ignorar a sensação e voltou à tarefa diante de si. Mas os pensamentos não se calavam. “Preciso fazer mais. Preciso ser mais.”
Olhou para o celular novamente. As redes sociais estavam cheias de pessoas que pareciam ter encontrado o segredo da felicidade. Viagens, conquistas, sorrisos perfeitos. Cada foto era um lembrete de sua própria insuficiência.
Era sempre assim. Um ciclo sem fim de comparação e cobrança.
A tarde chegou sem que ela percebesse. Sentiu-se desconectada do tempo, como se estivesse assistindo à própria vida de fora, incapaz de interferir. Não sabia mais se o que fazia tinha propósito ou se apenas repetia movimentos aprendidos, como uma máquina.
Pensou em todas as promessas que havia feito a si mesma. Promessas de viver uma vida plena, de encontrar alegria no simples, de ser fiel ao que realmente importava. Onde estavam essas promessas agora? Perdidas em meio a prazos e metas, consumidas por um ritmo que ela não escolheu, mas ao qual se submeteu.
Levantou-se para beber água. O reflexo no espelho do corredor a encarou. Havia algo estranho ali, algo familiar, mas distante. Reconheceu os olhos cansados, as olheiras fundas, a boca que não sorria havia dias.
Era ela, mas não era.
Sentiu vontade de chorar, mas as lágrimas não vieram. Nem mesmo o alívio do choro era permitido. Apenas a sensação sufocante de que algo dentro dela estava se partindo.
A noite trouxe um silêncio relativo, mas não o descanso que desejava. Ainda havia notificações para responder, tarefas que não poderiam esperar. Sentou-se na cama com o laptop equilibrado nas pernas, tentando terminar mais uma coisa, qualquer coisa, para apagar um item da lista infinita.
Mas o cansaço era maior. Fechou o laptop e o colocou de lado. Olhou ao redor, para o quarto que parecia menor do que nunca. As paredes se fechavam sobre ela, e a sensação de sufocamento aumentava.
Deitou-se no chão, sem forças para lutar contra aquilo que a prendia. O chão era frio, mas acolhedor em sua simplicidade. Não havia expectativa ali, apenas um convite ao nada.
Os olhos se fixaram no teto, vazio e branco. Pela primeira vez em muito tempo, não havia pressão naquele vazio. Era só um espaço.
Pensou em tudo o que havia feito naquele dia. Tudo o que não havia feito. E percebeu que nada disso importava. Não naquele momento. Ali, deitada no chão, sem compromissos ou cobranças, encontrou algo que não sabia que procurava: a ausência de peso.
Fechou os olhos.
E disse em silêncio o próprio nome:
Marina.
Como se o ato de dar nome ao que se é rompesse o algoritmo de sua existência. Marina, um nome carregado de significados dado pela própria vivência. Eu existo, pensou.
O silêncio era absoluto. Nenhum tic-tac do relógio, nenhuma notificação vibrando. Apenas o som da própria respiração, lenta e profunda, como se o corpo finalmente entendesse que podia parar em movimentos de batidas e respirações.
Depois de muito tempo, Marina teve tempo de sonhar.
E sonhou.