Seja qual for o motivo que te levou a acessar esse artigo - curiosidade, respeito, afeto pela cultura japonesa ou até mesmo se você é um foodie aficcionado - espero que essa leitura te encoraje a conhecer um izakaya de perto. E, se você ja o conhece, há de concordar que a experiência se encaixou muito bem com o nosso amor pelos botecos e botequins. Esqueça o sushi e o sashimi, por enquanto - o peixe crú como conhecemos, não costuma ser visto em um izakaya. Tampouco se aproxima do rodízio japonês que os brasileiros estão acostumados.

Mas então, o que é um izakaya?

A tradução literal de Izakaya é “lugar onde se encontra saquê” e é um espaço onde originalmente os donos exibiam os rótulos de seus saquês e os clientes os degustavam (claro!), acompanhado de petiscos e comidas regionais simples e sem frescuras. Nestes ambientes, as conversas regadas a muito álcool amplificavam a experiência de bar e os clientes ficavam por horas, noite a dentro, tornando o izakaya um reduto para não só comer e beber, mas de relacionamento e descontração. Os izakayas se tornaram tão populares e é oficialmente uma parada quase que obrigatória para o happy hour dos trabalhadores japoneses.

Lembro-me de quando estive no Japão e flanei pelos becos de Omoide Yokocho, com bares e izakayas a perder de vista. Durante o dia muitos estavam fechados e a movimentação de pessoas é quase que inexistente porém, à noite, é quando o clima esquenta: os becos e ruelas borbulham de gente e os izakayas se enchem dos que precisam extravazar a pressão do trabalho. As gravatas se afrouxavam ou eram desencorporadas totalmente dos ternos e camisas. Todo o protocolo reservado, a formalidade e até mesmo a timidez, tão caraceterísticos do esteriótipo dos japoneses, simplesmente evaporavam com o bafo da fumaça das cozinhas e dos cigarros.

A trilha sonora era composta de gritos e brindes - Kanpai! (o “saúde” dos japoneses, que significa “beba até secar o copo”) - cantarias, risadas e o tilintar de copos completavam o ambiente. Alguns contavam com karaokês em seus estabelecimentos, ora com pequenas salas reservadas, ora no proprio salão para quem quisesse ver e ouvir as performances musicais.

A única etiqueta era aclamar o cantor ou cantora da vez, aplaudindo ou cantando junto. Foi impossível não me deixar contagiar com aquela atmosfera e até tomei coragem – líquida – de cantar ao microfone. Praticamente retornei aos becos de Yokocho, quase todas as noites que ainda me restavam durante a minha passagem por Tóquio.

A comida era um show a parte. Pude provar os yakitoris, espetinhos que podem ser de carne, porco, frango, peixe e frutos do mar, assados numa pequena grelha à carvão. O Okonomyaki - uma panqueca meio omelete recheada com repolho e coberta com seu molho tipico agridoce, maionese e o katsuobushi, uma conserva seca, defumada e flocada de atum-bonito - era um dos itens mais emblemáticos. Takoyakis (bolinho de polvo), espetinhos de quiabo, edamames no vapor, Nasu Denkaku (beringelas glaceadas com missô, kakuni (barriga de porco braseada) e até mesmo o yakiniku, um churrasco japonês onde você grelha sua propria comida direto na mesa, são protagonistas do cardápio - (assista ao filme Food Luck, de Jimon Terakado, onde um jovem escritor freelance, após a morte de sua mãe, uma proprietaria de um restaurante de Yakiniku, o faz embarcar numa jornada nostálgica de seu bairro natal, visitando diversos resturantes e entrevistando pessoas para entender a construção de sabor e os sentimentos de sua amada mãe com a comida de seu yakiniku).

Já que o izakaya é traduzido como um lugar para beber, a tradição respeita a tradução. Quando o assunto é bebida nos izakayas, os japoneses nao brincam em servico: ficam tão eufóricos quanto crianças num parquinho ou numa loja de brinquedos.

O cardápio de bebidas pode ser vasto em rótulos ou mesmo mais conservadores na oferta. As cervejas são comuns no cotidiano de um bar japonês entretanto, não para por aí. Encontra-se também o Sochu ou Shochu (um destilado de arroz), o Umeshu que é um licor à base de de uma ameixa japonesa que na verdade é um damasco e que pode ser fermentada (umeboshi) e servida como um picles (Tsukemono) em diversos pratos. E obviamente o saquê é o carro chefe e costuma ser alocado em peças de cerâmica lindíssimas chamadas tokkuri para então serem servidos em copos menores conhecidos como ochoko. O ritual de servir o saquê começa por colocar um copo dentro de uma caixinha ou masu e deixar a bebida transbordar pelo recipiente, de maneira bem generosa. - o que me causou um certo espanto pois é difícil conceber que cultura tão apegada à ordem e à estética, permitisse transbordar a bebida tão displiscentemente, o que torna quase impossível beber sem derramá-lo. Além da bebida servida sem misérias, a generosidade tambem tem outros rituais. Lá, aprendi que não se deve jamais encher o próprio copo quando se está em grupo - um amigo, colega, até me que deve fazê-lo por você, e vice-versa.

Contar com um amigo pode ser fundamental após uma noite num izakaya. É comum encontrar pelas ruas e praças, nos metrôs e trens, muitas pessoas que exageram na dose, e acabaram dormindo à vontade em público. Qualquer lugar é bem vindo para uma boa noite de sono e ressaca para os beberrões. Esses “apagões” em público não passaram desapercebidos e uma rede de bares em Tóquio até lançou uma campanha de conscientização para envergonhar os que passam além da conta, expondo a foto de alguns “bêbados” dormindo em locais públicos os marcando com uma fita adesiva com a hashtag “nomisugi” (“bebeu demais”, em japonês). Veja neste link da matéria.

Outra característica peculiar do izakaya é o seu ambiente. Alguns mais simples e intimistas, que acomodam não mais que meia dúzia de pessoas, outros mais decorados exibindo centenas de rótulos de saquês, com mesas e tatames mais espaçosos que podem acomodar até 30 passantes. O izakaya não escapa da atualidade mais “gourmetizada”. Jovens chefes costumam se lançar em izakayas para mostrar os seus dotes culinários, assinando releituras dos clássicos dos botecos japoneses, para quem sabe um dia até conquistar uma estrela Michelin ou outros títulos e reconhecimentos.

E é justamente esse ambiente que caiu no gosto dos brasileiros, especialmente na região sudeste. Em São Paulo, os mais famosos são o Izakaya Toki, Matsu, Minato, Taka Daru e o Hirá, todos eles localizados no bairro de Pinheiros. Contudo se você busca izakayas mais tradicionais e informais, pode contar com o Izakaya Issa, no bairro da Liberdade comandado pela Dona Margarida Haraguchi. Além do comando matriarcal, o Issa tambem conta com uma equipe predominantemente de mulheres. Há aqueles que têm tudo isso e mais um pouco em seu repertório, como o karaokê, outra paixão em comum dos brasileros e japoneses.

O Izakaya Donchan, nos Jardins, permite até que você compre e guarde a sua garrafa de saquê para sua próxima visita, caso não consiga dar conta de terminá-la. O Donchan oferta garrafas de todos os tipos e regiões, das pequenas até aquelas que mais parecem espumantes dos pódiuns de fórmula um em seu tamanho. Se você é bem desinibido, pode cantar no karaokê com todos as pessoas presentes e o ambiente proporciona uma grande confraternização. O próprio staff do bar pode pegar o microfone e acompanhá-lo na canção. Outra opção com uma comida excepcional e salas privativas de karaokê é o Ikedaya Bar, em Santana, zona norte da capital.

A lista não para, e apesar de não saber ao certo quantos Izakayas temos em São Paulo hoje, é inegável o cresscimento no numero de bares temáticos japoneses nos últimos dez anos. No livro de Jo Takahashi, Por dentro dos botecos japoneses (Editora Melhoramentos), em 2014, haviam apenas dez izakayas em São Paulo, segundo o produtor cultural. É possivel dizer que o izakaya nippo-brasileiro vá em direção oposta no caminho que os rodízios de comida japonesas tomaram. O emblemático e banalizado sistema de rodízio ressignificou tão bem o sushi e sashimi ao nosso all you can eat, que hoje, segundo a Aregala (Associação de Restauradores Gastronômicos das Américas) temos mais de 3000 restaurantes japoneses somente no Brasil, marjoritariamente nesse sistema de rodízio.

Quando falamos em quantidade de bares, o Japão “samba na cara dos brasileiros”. Segundo o Ministério da Saúde e do Trabalho japonês, há cerca de 1,5 milhão de Izakayas no Japão, versus os 213 mil bares no Brasil, - este último segundo levantamento feito pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). É sete vezes o número tupiniquim. Se levarmos em consideração o tamanho territorial brasileiro e o número de habitantes, o Brasil é 22 vezes maior que o Japão em território e com 90 milhões de habitantes a mais que o Japão. Contudo, os japoneses com seus 125 milhões de habitantes têm um bar izakaya para cada 100 habitantes e no Brasil a escala é de 1 bar para cada 1000 habitantes. Somente num aspecto os números se equivalem - a maioria dos izakayas no Japão e bares no Brasil é administrada por pequenas famílias e microempreendedores.

Se o izakaya tem tudo que o brasileiro gosta no boteco - comida e bebida boa, ambiente descontraído, por quê ainda não se tornou tão popular como os restaurantes de rodízio?

Certamente a resposta, diferentemente como é no Japão, está no valor. A grande desvantagem do hype do Izakaya em São Paulo é a disparidade de preços. Um okonomyaki em Pinheiros pode custar 60 reais, três vezes mais do que custaria num Izakaya em Tóquio ou Osaka. A bebida também obedece essa regra. Fica difícil convencer aquele que aprecia seu litrão e uma porção de pasteizinhos, com preços como este. Enquanto uma panqueca de repolho ou uma porção de karaguê (frango frito) pode ser cobrada mais de 58 reais, um rodízio japonês popular pode acabar custando o mesmo valor - e ainda acompanha a sobremesa. Não se aflija pois é possível encontrar preços mais amigáveis.

Se você ficou curioso em saber como é um Izakaya no Japão, não deixe de assistir o drama Midnight Dinner – Tokyo Stories (Netflix). Na série, clientes de um restaurante japonês encontram conexões profundas entre si a partir do interesse pelos pratos do restaurante. A série é baseada em um mangá vencedor do Prêmio Shogakukan retratada com muita fidelidade – por meio da ficção - as características de um izakaya. Recomendo também o curta-documental “Izakaya Begin – Japanology”, no Youtube, e o episódio “Osaka” da série não ficcional Street Food – Asia, onde você irá se apaixonar pela história do Izakaya Toyo e a simpatia do chef Toyomitsu, o “lança-chamas”, que mantém o Izakaya do mesmo modo desde 1992. O nome lança-chamas dá-se graças ao uso de um maçarico industrial para flambar um dos pratos mais requisitados, a bochecha de atum. O Izakaya Toyo é provavlemente um dos poucos que tem peixe crú no seu menu, fugindo à regra.

Se esse texto aguçou o seu desejo e o encorajou a buscar um Izakaya próximo a você para conhecê-lo bem de perto, lembre-se que costuma ser um estabelecimento de pequeno porte e que o habitual é servir apenas petiscos ou pequenas porções e bebidas mas com muita variedade para sair de barriga cheia. Sobretudo, o Izakaya é um ambiente de interação e relacionamento. Leve os amigos ou colegas, beba, cante, ria, converse, coma e não deixe de repetir essa sequência. Será muito difícil você não se encantar com a atmosfera de um boteco típico japonês.

Apenas não beba demais a ponto de dormir na rua.