Em uma pesquisa de conscientização sobre energia e meio ambiente realizada no Japão em 1998 com estudantes entre 15 e 18 anos de idade, mostrou-se que apenas 38% dos estudantes forneceram respostas corretas para um questionário sobre assuntos ligados a energia nuclear1. Para efeito de comparação, um estudo semelhante mostrou que, entre estudantes europeus, o nível de acertos foi de 60%. Um outro levantamento mostrou que apenas 11% dos estudantes tinham contato com a temática de energia nuclear durante as aulas regulares da escola.

Uma investigação detalhada visando a compreensão destes resultados mostrou que uma das suas principais causas foi a atitude passiva por parte dos professores, que omitiam em suas aulas as seções dos livros-texto voltados para a consideração da energia nuclear ou abordavam os assuntos de forma superficial. Entre as justificativas apresentadas, destacava-se a carga horária reduzida para trabalhar os assuntos, o que os levava a priorizar assuntos considerados mais relevantes.

No Brasil, um estudo conduzido por Sorpreso2 e colaboradores, mostrou uma atitude semelhante por parte de professores de física do ensino médio. Muitos professores não se sentiam seguros em transmitir o conhecimento de assuntos que envolviam a energia nuclear. Isto por que a sua compreensão sobre assuntos ligados a energia nuclear e ao seu uso, não eram plenamente compreendidos pelos licenciados. Outros omitiam os assuntos por alegarem não haver tempo suficiente para abordar tais temas, o que os faziam priorizar os temas mais frequentemente abordados nos Exames do Ensino Médio3.

Esta atitude apática por parte dos professores reflete-se não apenas nas atividades desenvolvidas em sala de aula, mas também na qualidade do material didático produzido. Devemos lembrar que são os mesmos professores os autores dos livros de ciências produzidos no Brasil e utilizados nas escolas. Conforme mostrado por Tenório4, que analisou 9 das coleções mais utilizadas na rede pública de ensino no país, a grande maioria dos livros utilizados não atendiam as diretrizes do Ministério da Educação e Cultura, MEC. Entre os problemas apontados, Tenório destacou a ausência de interdisciplinaridade, discussão de conflitos sociais e abordagem histórica. Destacou ainda que muitas coleções apenas citavam alguns assuntos, como aplicações ao cotidiano, por exemplo, sem desenvolver o assunto ou apresentar leituras complementares. Mesmo temas mais tradicionais, como reações nucleares e a estrutura das usinas, foram abordados de forma satisfatória em todas as coleções.

O livro didático tem como função, não apenas complementar o que é transmitido em sala de aula, mas suplementar o estudante em conhecimento, desenvolver a sua iniciativa de aprofundamento por meio da sugestão de leituras e pesquisas adicionais. Livros didáticos de excelente qualidade podem, até mesmo, suprir possíveis déficits de conhecimento por parte dos docentes ou mesmo as deficiências no ensino geradas por uma carga horária reduzida, o que nos dá uma ideia de sua relevância para a qualidade de ensino.

Um dos objetivos do ensino das ciências é capacitar o aluno a compreender não apenas conceitos científicos, mas, principalmente, do impacto social da atividade científica em nossas vidas, permitindo o desenvolvimento de uma postura crítica diante de temas importantes. Entretanto, as abordagens dos livros não permitiriam aos alunos entenderem os aspectos tecnológicos, políticos, econômicos e sociais da ciência nuclear, uma vez que os benefícios e riscos inerentes a energia nuclear, bem como os procedimentos e alternativas para o seu gerenciamento, foram poucos discutidos nas obras analisadas.

A incapacidade dos professores em produzir conteúdo de qualidade e de ministrarem aulas de bom nível acerca da produção e aplicações da energia nuclear está diretamente relacionada com a sua formação acadêmica deficiente no nível da graduação. Neste ponto, vala fazermos uma observação que consideramos pertinente para a compreensão deste problema. Uma comparação entre os currículos das habilitações bacharelado e licenciaturas mostra uma diferença de conteúdo e de nível extremamente significativa. Disciplinas onde os conteúdos de Física Moderna e Contemporânea são abordados praticamente não existem para os cursos de licenciatura. Esta diferença dificulta a continuidade em nível de pós-graduação dos licenciados, além de suprimir de sua formação tais conteúdos5.

Diante do quadro apresentado, podemos pensar que se torna urgente uma modificação na grade curricular dos cursos de licenciatura em nível superior a fim de fornecer aos futuros professores uma preparação mais condizente com as suas responsabilidades. Mas aqui, há uma palavra de cautela. Embora reconheça que é preciso uma adequação curricular, é preciso ter a consciência de que os resultados somente serão colhidos no longo prazo. Além do mais, a simples inclusão de determinado assunto nas ementas das disciplinas não garante que o tema será abordado e, mais ainda, de forma satisfatória. Olhando para as experiências internacionais bem-sucedidas, podemos extrair lições de como atenuar as dificuldades pertinentes ao ensino das as Ciências e Tecnologias Nucleares, NST’s - Nuclear Science and Tecnology de forma mais rápida com a qualidade exigida.

Em um projeto desenvolvido pela Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA6) em parceria com países do orientais, a saber, Malásia, Indonésia, Filipinas e Emirados Árabes Unidos, treinou 15 professores destes países em como desenvolver uma cultura nuclear, desde a produção de conteúdos e materiais didáticos, até atividades mais amplas como propostas de alterações curriculares e elaborações de museus do conhecimento nuclear. Ao voltarem para seus respectivos países, estes professores treinaram um total de outros 1364 docentes e estes transmitiram seus conhecimentos a um universo de 24717 estudantes.

Os resultados alcançados nos fornecem um indicativo de caminho a seguir para o aprimoramento do ensino das Ciências Nucleares no Brasil e em outros países. Por exemplo, universidades podem criar, como projetos de extensão universitária, oficinas de treinamento e cursos de verão voltados para docentes de ensino médio e fundamental, de diversas áreas como física, química, geografia, biologia. Nestas oficinas, os professores seriam ensinados sobre os diversos aspectos e usos da física nuclear, sendo habilitados para dar aulas mais significativas e produzir materiais didáticos de melhor qualidade. Uma iniciativa simples poderia causar profundos impactos em nosso ensino e na formação de profissionais voltados para as NST’s. Além do mais, poderíamos notar, como mostrado no exemplo internacional citado acima, os resultados ainda no curto prazo. Em artigos futuros, iremos apresentar alguns exemplos de aplicações da energia nuclear e seus impactos na sociedade.

Notas

1 Hirose, M., Tsuruta, T., & Shibata, T. (1999). Current status and future directions of nuclear education in elementary and secondary education: several measures for revitalization. Journal of nuclear science and technology, 36(3), 219-222.
2 Sorpreso, T.P. e M.J.P.M. Almeida (2010). Discursos de licenciandos em Física sobre a questão nuclear no Ensino Médio: foco na abordagem histórica. Ciência e Educação, 16, 1, 37-60.
3 3. No Brasil, muitas universidades utilizam as notas obtidas pelos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM, como forma de acesso ao ensino superior.
4 Tenório, A., Quintana, L. S., Nunes, W. V., & Tenório, T. (2015). Análise de conteúdos de física nuclear em livros escolares brasileiros. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 14(2). 5 É importante ressaltar que a maioria das referências analisadas consideravam apenas professores de Física. No entanto, a temática da energia nuclear é multidisciplinar e, portanto, para sua plena compreensão, deveria ser abordada em outras disciplinas como geografia, química, biologia e sociologia
6 Sabharwal, S., & Gerardo-Abaya, J. (2019). Fostering Nuclear Science in Schools through Innovative Approaches: IAEA Perspectives. Radiation Environment and Medicine, 8(1), 26-32.