O Western é sem dúvida o gênero genuíno do cinema. Nenhuma outra forma de arte capturou a essência do universo do cowboy melhor do que o cinema. Desde o seu nascimento ele abraçou as histórias de faroeste como proprietárias. Não existe um paralelo na literatura, música, artes plásticas, fotografia, ou outras formas de expressão artística que tenha retratado o período histórico e geográfico específicos de maneira tão massiva e elogiosa. Mas, infelizmente, o gênero sofreu um declínio, especialmente entre as plateias mais jovens.
Horizon, uma Saga Americana - capítulo 1 (2024), concebido, escrito, produzido, dirigido e interpretado por Kevin Costner, é o mais recente filme a prestar um tributo a esse gênero do cinema. De tempos em tempos um faroeste é lançado e toca corações e mentes da plateia. Isso aconteceu mais recentemente (há 30 anos!) com dois filmes extraordinários: Dança com Lobos (Dances with Wolves - 1990) e Os Imperdoáveis (Unforgiven – 1992). Não coincidentemente, ambos ganharam o Oscar de Melhor Filme do Ano em suas respectivas competições. É um sinal de que o gênero ainda encontrava ressonância na indústria do cinema e nas plateias. De lá para cá, a crescente polarização ideológica e os movimentos “politicamente corretos” tornaram esse capítulo da história americana um tanto quanto delicado.
Os Estados Unidos são uma nação jovem, se comparada aos séculos de história dos países europeus, por exemplo. A arte do cinema, embora inventada na França, encontrou na América seu berço onde pode crescer e amadurecer. O cinema tornou-se a arte americana por excelência, e responsável por exportar a sua cultura pelo mundo desde o último século. O mito do cowboy formou gerações em todo o mundo e influenciou hábitos de consumo, moda e estilo de vida.
Desde o início do século XX, as histórias dos heróis e a conquista do oeste americano foram contadas através dos filmes. O realizador Edwin S. Porter criou em 1903 aquele considerado como o primeiro western clássico do cinema: The Great Train Robbery. Um sucesso majestoso que apresentava para as plateias não somente imagens em movimento como entretenimento, o que era comum na época. Esse filme deu início à moderna linguagem do cinema como a conhecemos hoje, e não nos atentamos de que não existia antes de alguém a inventar. A edição, sequências paralelas, movimentos de câmera, por exemplo, foram criados por Porter, o que serviu de inspiração para outro grande realizador, D.W. Griffith, considerado o pai do cinema moderno. Griffith foi além de Porter no aperfeiçoamento da linguagem e narrativa cinematográficas em clássicos com Birth of a Nation (1915) e Intolerance (1916), mas este assunto merece um artigo próprio.
Do final dos anos 1930 aos anos 1960, o faroeste viveu sua era de ouro. Uma produção massiva de filmes, novos astros e realizadores, americanos e de outras nacionalidades surgiram. A TV, nos anos 1960 absorveu muito da produção de faroestes e o gênero teve seus últimos dias de glória.
Dois homens foram os responsáveis por conferir ao gênero o status de Arte, um diretor, cujo nome foi sinônimo de filmes de faroeste, e um ator que personificou como ninguém o cowboy.
O diretor foi John Ford. Embora ele tenha realizado inúmeros filmes de variados gêneros, ele será sempre lembrado e reverenciado por filmes como No Tempo das Diligências (Stagecoach - 1939); A Paixão dos Fortes (My Darling Clementine – 1946); Rastro de Ódio (The Searchers – 1956) este, para mim, o melhor faroeste de todos os tempos; O Homem que matou o Facínora (The Man who shot Liberty Valance - 1962) e A Conquista do Oeste (How the West was Won – 1962). Curiosamente John Ford trabalhou como figurante no filme Birth of a Nation de D.W. Griffith.
O ator foi John Wayne, o eterno cowboy. Em uma carreira de mais de 200 filmes de vários gêneros, Wayne tornou-se uma estrela do cinema com No Tempo das Diligências de John Ford. A parceria com Ford durou décadas e 22 filmes, e consolidou a figura heroica e romântica do cowboy americano. O Último Pistoleiro (The Shootist – 1976), dirigido por Don Siegel, foi seu último filme, em que contracenou com Lauren Bacall e James Stewart. Era a história do duelo do velho pistoleiro contra um câncer, uma batalha que o próprio Wayne perdeu em 1979.
Uma geração depois, Kevin Costner tornou-se um dos grandes astros de Hollywood. Ator, escritor, produtor, diretor, vencedor do Óscar da Academia, e um enorme fã do gênero do faroeste. Não há muitos atores, talvez a exceção de Clint Eastwood que tenha se envolvido em tantas produções de faroeste, como Costner. Mesmo quando o gênero parecia extinto, Silverado, Wyatt Earp, Danças com Lobos, Open Range e mais recentemente a série Yellowstone e, claro, Horizon, uma Saga Americana - capítulo 1.
Costner acredita na tradição do cinema americano que formou gerações de realizadores e storytellers através dos filmes de faroeste. Horizon é o cinema no seu melhor. Clássico como A Conquista do Oeste, mas revolucionário na sua forma, na sua narrativa e na sua comercialização.
Um filme que tem a palavra saga em seu título sugere uma história de proporções épicas. É o que o filme entrega. Concebido como uma série de 4 filmes, de 3 horas de duração cada, com dezenas de personagens, tramas interconectadas, Horizon propõe a recriação do universo dos Estados Unidos do final do século XIX, sob vária perspectivas: colonizadores em busca de terras, enfrentado um território hostil; nativos americanos defendendo sua terra, sua comida e sua cultura; mercenários em busca de fortuna, militares tentando impor ordem em meio a conflitos, todos eles passando por momentos transformadores da história americana, como a guerra civil, a corrida do ouro, o progresso e suas inevitáveis consequências.
Horizon é uma obra-prima cinematográfica. Ele pega um gênero genuíno do cinema e o transforma. É um filme para a tela grande, com uma fotografia surpreendente, edição de som, direção de arte, trilha sonora, direção e atuações impecáveis. Todos os elementos de um produto cinematográfico foram meticulosamente afinados de uma maneira muito sofisticada. É uma história muito complexa para ser contada, mas há uma fluidez que impressiona.
O filme não é apenas um presente para os amantes do gênero faroeste, mas deve ser apreciado como um espetáculo, uma grande ópera, com sequências de tirar o fôlego. É um filme importante que recria a história da formação de uma nação, nem sempre erguida sobre objetivos nobres, e pessoas decentes. Costner nos mostra com uma dureza e realismo as consequências que fizeram a América o que ela é hoje.
É um faroeste diferente, sem mocinhos e bandidos bem definidos. Todos os personagens são fruto dos seus atos, do ambiente onde eles estão, das oportunidades e oportunismos. Isso faz de Horizon uma história tão realista e até suja, mas claro, onde encontramos a esperança e a poesia, nas imagens de um cenário exuberante ou nos olhares e lapsos de esperança em meio a tanta dureza e hostilidade.
Os primeiros 2 filmes, ou capítulos foram filmados simultaneamente e seriam lançados nos cinemas estrategicamente com um intervalor de dois meses. O terceiro capítulo estaria em pré-produção, e o quarto numa fase de captação de recursos.
Infelizmente o resultados das bilheterias do capítulo 1 não foram o que os produtores esperavam. Com um orçamento reportado de USD 50 milhões (a quem diga que custou o dobro), o filme arrecadou somente USD 38 milhões em todo o mundo. Isso comprometeu completamente a produção dos capítulos seguintes. O segundo capítulo, aparentemente finalizado, nem chegou aos cinemas por falta de distribuidores interessados. É uma pena!
Kevin Costner é um daqueles ícones que percebe o cinema como arte, antes de ser um business. Um homem que coloca seu próprio dinheiro em projetos que ele acredita. Com Horizon não foi diferente. Coincidentemente, em 2024 dois gigantescos realizadores arriscaram suas próprias fortunas em projetos pessoais. Costner em Horizon e Francis Ford Coppola em Megalopolis. Ambos os diretores bancaram seus filmes com dinheiro próprio e, infelizmente, não tiveram bons resultados como negócios.
A um jornalista, Coppola disse: “Não é uma tarefa fácil achar investidores que coloquem dinheiro num produto arriscado e de tal magnitude, um filme cujo gênero não é o que as plateias estão acostumadas. Um filme sem super-heróis, efeitos visuais de outro mundo, sem potencial para franquias ou venda de itens de merchandising”. De fato, as crianças hoje não querem brincar de cowboys e índios. Elas preferem sabres de luz, espaçonaves, uma espécie de paradoxo de Toy Story.
Até o momento em que escrevo este artigo, sabemos que a Netflix adquiriu os direitos de Horizon, garantiu a conclusão dos capítulos restantes, e lançará a saga como uma série em breve. Em paralelo, o capítulo 1 já está disponível em alguns streamings e canais a cabo.
Eu espero que possamos assistir aos próximos 3 capítulos, mesmo que não seja numa grande sala de cinema, infelizmente. Mas, até o momento, eu guardarei esse filme na minha lista dos melhores do ano e de sempre. Espero que essa série inspire uma discussão e visão de um período tão marcante da história, e que se traduza em uma nova geração de filmes, realizadores e amante do gênero.