Coreia do Sul é o país com a maior taxa de suciício entre os países ricos, e o bullying é um problema recorrente.
É impossível que nos últimos meses você não tenha entrado no universo dos Doramas, ou conheça alguém que tenha sido puxado por essas séries. Em qualquer roda de conversa quando a pergunta é: o que você está assistindo nesse momento? Pode ter certeza de que alguém vai dizer: Dorama. A força dessas obras cinematográficas asiáticas veio com tanta força que fez o com que a Academia Brasileira de Letras (ABL) adicionasse o termo no dicionário com a seguinte definição: obra audiovisual de ficção em formato de série, produzida no leste e sudeste da Ásia, de gêneros e temas diversos, em geral com elenco local e no idioma do país de origem.
Dorama significa drama em japonês e se popularizou pela diversidade de gêneros e temas retratados nas produções a partir da sua criação no Japão em 1950. Com o tempo, ele foi se popularizando entre os países asiáticos e adquirindo características e marcas culturais próprias de cada território. A ABL explica que para identificar o país de origem, também são usadas denominações específicas, como, por exemplo, os estrangeirismos da língua inglesa J-drama, para doramas japoneses, K-drama para os coreanos e C-drama para os chineses.
Assim como tudo na vida, cada pessoas tem uma razão que faz com que ela se sinta atraída por essas séries, mas, na minha opinião, mesmo em meio a quantidade de produtos que existe - há uma plataforma só com Dorama - é a leveza e o clichê das histórias que faz com que a gente fique encantado. Pode passar o tempo que for, mas aquele velho caso da pessoa rica que se apaixona pela pobre e a família é contra o relacionamento, mas eles lutam para continuarem juntos, sempre faz os olhos brilhantes e faz com que a gente se imagine nessa fantasia que, na vida real, certamente deve acontecer um caso em milhões. Também existem outras produções que vão além do romance, como o Round 6, que atraiu milhões de espectadores no mundo inteiro.
Mas, apesar dessa leveza e encanto que os K-drama têm, que muitas vezes pode fazer com que a gente feche os olhos para determinados acontecimentos enquanto torcemos para que o casal principal fique junto, quando você assiste vários, vai sendo impossível ‘passar pano’ para algumas situações e a gente vai percebendo algumas similaridades, como a grande presença do bullying, principalmente no ambiente escolar. Seja com uma pessoa de classe inferior, superior, mais bonita, mais velha, todos os personagens, dos mais diversos tipos, estão propícios a passar por essa situação.
Esses acontecimentos dos K-drama remontam a um cenário real na Coreia do Sul, tanto que a série ‘The Glory’ centra-se em uma mulher em busca de vingança contra seus ex-abusadores. Ela é baseada em fatos reais. Nos últimos 20 anos, as denúncias de abuso físico e psicológico em instituições de ensino sul-coreanos aumentaram. A gravidade da situação é tão grande que em fevereiro o governo, sob pressão para resolver a questão, anunciou que os registros de bullying dos alunos seriam incluídos nas suas candidaturas à universidade. Porém, enquanto a iniciativa pode trazer melhoras para o bullying entre alunos, ela também gera um outro tipo de agressão e intimidação, dos pais com os professores, que os pressionam para apagarem os erros dos seus filhos
Esse tipo de agressão é tão sério que, no Brasil, o Senado Federal do Brasil aprovou no final de dezembro de 2023 um o projeto de lei 4.224/21, que criminaliza as práticas de bullying e cyberbullying. Isso porque esse tipo de ato contra alguém pode levar a um outro problema que também é um recorrente na Coreia do Sul, o suicídio. O país tem a maior taxa de suciício entre os países ricos, onde aproximadamente 36 pessoas se matam a cada dia. Estatísticas do governo da Coreia do Sul apontam que 13.352 pessoas tiraram a vida em 2021. Como mostra uma reportagem da BBC, o suicídio é a principal causa de morte entre sul-coreanos com idades entre 10 e 39 anos. Mais de duas em cada cinco mortes (43,7%) entre adolescentes são por suicídio. Este número sobe para 56,8% entre aqueles na faixa dos 20 anos e depois cai para 40,6% entre aqueles na faixa dos 30. O país tem uma taxa de 23,6 mortes por suicídio por 100 mil pessoas, mais que o dobro da média das 38 nações que formam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 11,1 mortes.
Esses problemas vistos, na maioria das vezes, estão associados a alta pressão a qual as pessoas vivem. É uma sociedade que vive a base da competitividade o tempo inteiro, desde a escola, em que os alunos lutam para serem os melhores, até a fase adulta, em que precisam ter sucesso pessoal, o que está associado a termos de dinheiro e status social. Quando se considera os padrões estéticos, então, é um fato a mais que afeta completamente a saúde mental dos cidadãos, fazendo com que eles tomem decisões extremas sobre suas vidas. Em dezembro de 2023, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) mostrou que os países asiáticos ocupam as primeiras posições. O Brasil está entre os piores. Contudo, pela primeira vez, ele também realizou uma pesquisa sobre a felicidade dos estudantes, utilizando nove aspectos que incluem seu compromisso com a escola, seu bem-estar material, cultural e psicológico, além de sua abertura à diversidade.
Este estudo mostrou que em Singapura, Macau e Taiwan, com os melhores resultados em matemática, “muitos alunos relataram ter um grande medo do fracasso e participação limitada em atividades extracurriculares, como esportes”. Já em países como Espanha e Peru, com notas mais baixas no Pisa, os pesquisadores encontraram frequentemente “níveis mais baixos de ansiedade e um maior foco nos esportes” entre os entrevistados.
Séries e filmes em geral sempre trazem traços de seus países de origem. Alguns são visíveis logo de cara, enquanto outros necessitam de um pouco mais de atenção para que possamos entender. Essas obras cinematográficas são ótimas para nos distrair dos problemas e fazer a gente passar o tempo, além de nos apoiarmos na ficção para desfrutar de uma realidade, que, provavelmente nunca vamos ter. Porém, não podemos nos basear em tudo o que acontece e pensar que aquela é uma realidade perfeita, porque um episódio não representa nem um terço da realidade que as pessoas vivem em seus países. O que nos leva à questão de que, idealizar ser ou ter um filho extremamente inteligente, é legal e pode ser o desejo de alguns, mas, é preciso pensar: qual foi o preço para se chegar até ali? Ou trazendo para uma frase constantemente falada: “Qual é o preço do sucesso?”.