O nome Riyoko Ikeda pode até ser desconhecido para alguns, mas sua obra-prima Versailles no Bara, ou traduzindo para o português, Rosa de Versailles, é uma das maiores obras de mangá de todos os tempos.
A obra trata do período da Revolução Francesa e do reinado de Maria Antonieta com seu marido Luís XVI. Além de Maria Antonieta, a obra tem como protagonista a personagem Oscar François de Jarjayes, uma militar nobre que trabalha para Maria Antonieta em Versailles.
As duas servem como protagonistas da obra (cada uma sendo “a rosa” do título em diferentes pontos da história) e têm como objeto de afeição o conde Axel von Fersen. Mas, mais do que apenas um triângulo amoroso bobo e uma história de amor datada, Rosa de Versailles é uma obra-prima que mostra todos os desdobramentos do período e de seus personagens.
A maioria dos personagens da obra é baseada em pessoas reais, com Oscar e alguns outros poucos personagens sendo criações originais da autora. Riyoko lida com suas personagens de forma magnânima, se aprofundando em mostrá-las como seres humanos falíveis e não apenas como estereótipos de nobres, pobres e realeza.
Maria Antonieta é uma protagonista fascinante na obra, pois, ao contrário de sua representação em outras mídias, em Rosa de Versailles ela é representada primeiro em sua infância como uma criança inocente e mimada. Depois, se torna Delfina na França com 14 anos e tem que lidar com todas as responsabilidades de seu cargo, passando pelo seu descobrimento do primeiro amor pelo conde Fersen, sua vida adulta e a situação da França até sua morte na guilhotina.
Já Oscar foi uma inovação para a época em que a obra foi lançada, em 1972, ao se ter uma mulher sendo criada como se fosse um homem, se vestindo e agindo como um homem, mas tendo os dilemas de ter sido criada assim, ao também se apaixonar por Fersen e desejar ter sido criada como uma mulher.
Oscar é a personagem que mais muda durante a obra, primeiro sendo uma militar focada em sua missão de proteger Maria Antonieta e honrar sua família, para depois que se apaixona por Fersen, tem contato com pessoas contrárias à monarquia e os nobres e começa a repensar todo o sistema político da França ao ver a miséria em que as pessoas vivem. Ela se torna partidária das ideias de Rousseau e apoia a revolução na França.
Apesar de acabarem em lados opostos e apaixonadas pelo mesmo homem, Oscar e Maria Antonieta em nenhum momento da obra são tratadas como inimigas ou rivais. Muito pelo contrário, Riyoko trata a relação das duas com uma sensibilidade imensa, nunca deixando de mostrar o amor e carinho que Maria Antonieta tem por Oscar e nem o respeito e admiração que Oscar tem por Maria Antonieta.
A relação delas é tão forte que Oscar nem cogita disputar o amor de Fersen, pois além de saber que ele só tem olhos para Maria Antonieta, Oscar considera sua relação com a rainha muito mais importante que o seu amor por Fersen. Este é outro ponto em que a obra se mostra muito à frente de seu tempo. As “rivais” do triângulo amoroso em nenhum momento colocam o amor delas em primeiro lugar. Maria Antonieta abdica do amor de Fersen por causa de suas responsabilidades como rainha, e Oscar abdica do amor de Fersen por saber dos sentimentos dele e por sua relação com a rainha.
Outro ponto importante a destacar é o fato de a obra tratar da homossexualidade (em específico da lesbianidade) de maneira natural para a época. Por Oscar se vestir e se portar como homem, muitas personagens femininas se apaixonam por ela, e a autora, ao invés de rechaçar os sentimentos com o motivo de “Oscar é apenas uma mulher vestida de homem”, se aprofunda na psique dessas personagens apaixonadas por Oscar e mostra que esses sentimentos são mais profundos.
Não apenas suas protagonistas, mas grande parte das personagens da obra são aprofundadas em maior ou menor grau, fazendo com que até mesmo personagens controversos como Robespierre se tornem intrigantes na obra. O próprio Luís XVI, considerado como um rei covarde na vida real, é mostrado como um monarca que na verdade era introvertido e quieto, mas cumpria com suas obrigações.
A autora mostra também como ele e Maria Antonieta acabaram sendo manipulados por nobres e pelo clero e acabaram sendo os bodes expiatórios quando a situação da França chegou a um ponto crítico. Este também é outro ponto fantástico da obra de Riyoko Ikeda: a autora em nenhum momento coloca um ou outro lado como o vilão ou mocinho da história; ela apenas mostra os personagens reagindo de forma humana às situações em que foram colocados.
A obra teve sua continuação intitulada Eiko no Napoleon – Eroika, ou traduzindo, Heroique – A Glória de Napoleão, que tem como fundo o período napoleônico e seu protagonista é Napoleão. Contudo, a obra passou longe de ter o mesmo prestígio que Rosa de Versailles conseguiu com o público.
Não apenas para apaixonados por história e/ou pela França, Rosa de Versailles é uma obra que deve ser lida por todos, seja pela história intrigante, sejam pelos personagens ou pelo aprofundamento humano na obra. Riyoko Ikeda criou uma obra atemporal.