Às vezes sugiro aos meus amigos assistirmos a um show do Jão, Tiago Iorc, Francisco El Hombre, AnaVitória, MC Tha... Então, alguém comenta “vamos ver algo do nosso tempo”, como Titãs, Blitz, Paula Toller, Frejat, Paralamas, Nando Reis...
Tenho uma certa dificuldade em aceitar esta expressão, mesmo que seja apenas como um vício de linguagem. Fico com a sensação que as pessoas acreditam que “o nosso tempo” se restrinja a adolescência e juventude!
Amo profundamente quando em 1983 a Blitz estourou com as suas canções irreverentes e sua postura teatral e colorida! Foi um grande marco de transição de gerações na música pop ou popular brasileira! Até então praticamente consumíamos os artistas herdados da geração dos nossos pais. A partir dela chegaram o Barão Vermelho, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens (o nome inicial da banda), Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Titãs... Quem desta época não se lembra deste convite:
Alô alô ativo ouvinte
Você que está ligado na minha
Na sua na nossa rádio Atividade...
(Blitz)
Apesar do desbunde que a Tropicália introduziu na MPB com sua mescla de sons, instrumentos, do folclórico, do tradicional, do antigo e do novo, nos parecia haver naquela geração uma preocupação muito grande com o intelectual, a preocupação que a música representasse algo, normalmente político ou de costumes. Uma postura natural para os jovens que viveram a revolução da contracultura dos anos 60 e os duros anos da ditadura brasileira, porém já com menos eco para a nossa geração. Não que não amássemos as canções feitas por eles, mas ansiávamos, talvez até sem saber, por algo que nos representasse, algo mais leve, mais dançante, sem compromissos, algo não panfletário, apenas música.
No meu seguinte encanto, minha mãe odiava me ver ouvindo e cantando sem parar:
...Fixação
Seus olhos no retrato
Fixação
Minha assombração
Fixação
Fantasmas no meu quarto
Fixação
I want to be alone
(Kid Abelha)
O final da música parecia eterno, repetindo zilhões de vezes “Fixação / Fixação / Fixação...”
Como não se apaixonar pela primeira edição do Rock in Rio? Em janeiro de 1985 ficava até tarde da noite para assistir a transmissão pela TV e me encantar com o Cazuza gritando no Barão Vermelho:
...Pro dia nascer feliz
É pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir
Pro dia nascer feliz...
(Barão Vermelho)
Mas, ao vivo e em cores, bastante cores, a Blitz foi o primeiro show que assisti, quase um ano antes do Rock in Rio, em fevereiro de 1984, no Festival de Verão de Arembepe. Nenhuma decepção, a Blitz entregava tudo aquilo que víamos pela TV: banda, interpretação, cores, irreverência.
Neste mesmo festival, assisti também ao show do Gilberto Gil e, claro, me encantei, reconheci nele meus pais e tios e, principalmente, me reconheci também em suas canções. Neste festival ele apresentou uma inédita:
... Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei
Transformai as velhas formas do viver
Ensinai-me, ó, pai, o que eu ainda não sei
Mãe Senhora do Perpétuo, socorrei...
(Gilberto Gil)
Nada mais representativo, né?
Intermédio soteropolitano I: Em paralelo à explosão do rock nacional dos anos 80, a Axé Music (ainda não se chamava assim) emitia os seus primeiros acordes de grande sucesso nacional através de Fricote do Luiz Caldas em 1985, introduzindo assim uma música ainda mais dançante. Devido à letra, está canção atualmente está ‘cancelada’.
Mas, voltando à geração do Gil...
Estava de veraneio quando recebi a notícia da morte da Elis Regina, então com quase treze anos. Voltando da praia, encontro a minha avó na porta da casa com a informação que acabara de escutar na rádio. Naquele dia descobri que poderia chorar por alguém que nem conhecia pessoalmente. A Elis Regina era uma artista de interpretações únicas e definitivas para as canções. Dúvida? Qual a voz que lhe vem à cabeça quando escuta o trecho abaixo?
... Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais...
(Belchior)
Mas as minhas primeiras memórias musicais não são do Gil nem da Elis. Vêm da Rita Lee com “Esse tal de Roque Enrow” e do Caetano Veloso com “A filha da Chiquita Bacana”, com toda transgressão, zoeira e alegria que estas canções traziam. Tinha entre seis e oito anos, não seriam estas canções também do meu tempo?
... Ela não fala comigo, doutor
Quando ele está por perto
É um menino tão sabido, doutor
Ele quer modificar o mundo
Esse tal de Roque Enrow...
(Rita Lee)
Ou o meu tempo seria apenas quando começo a me afirmar na adolescência e juventude?
Esta é a sensação que tenho toda vez que alguém da minha idade comenta “canção ou artista do nosso tempo”. Me parecem reféns daquele momento de grandes descobertas da adolescência, sem perceber ou sem querer aceitar que as descobertas ocorrem ao longo de toda a vida. Me fazem me concentrar na estrofe da canção “Triste pra sempre” do Jão:
... Eu era melhor no passado
Do que eu sou no presente
Tenho medo de ser só isso
Minha vida daqui pra frente
Porra eu não quero ser triste pra sempre... (Jão)
Segui me apaixonando por tantos artistas... Guns N’Roses, Alanis Morissette, Elza Soares, Cássia Eller, Marisa Monte, Margareth Menezes, Chico Science e Nação Zumbi, Janis Joplin, Red Hot Chili Peppers, Pitty, Shakira, Nina Simone, Amy Winehouse, Bob Dylan, Vanessa da Mata, David Garrett, Baiana System... como diria Lulu Santos “num indo e vindo infinito”.
Há uns anos, depois de um tempo hibernando concentrado nas canções infantis, retornei para um grande festival de música através do meu filho adolescente à época, o Lollapalooza, para despertar com o show de efeitos sonoros e visuais proporcionados pela música eletrônica do Calvin Harris:
I need a little space in my mind
I need that little hope I can find
I need a little, I need a little faith
Is that too Much to ask for...?
(Faith - Calvin Harris)
Estamos na era dos DJs e suas músicas eletrônicas e tenho certeza que o efeito que elas provocam nesta geração é semelhante ao que o rock provocava em nossa geração e na dos nossos pais.
Em janeiro de 2001 tive o meu primeiro contato com um show de música eletrônica, quando finalmente realizei o sonho de ir ao Rock in Rio. Nesta edição foi montada uma tenda para a música eletrônica (Tenda Eletro). A maioria dos nossos amigos não apreciavam ir neste espaço, mas minha esposa e eu dávamos umas fugidas para aproveitar aquela vibração da tenda, aquela pulsação de música e luzes em sintonia.
Aliás, se eu pensar bem, acho que meu primeiro contato com a música eletrônica foi ouvindo Cindy Lauper na canção “Girls Just Want to have fun”. Será?! Ironia!? Não conseguíamos entender e acreditar que aquela voz pudesse existir! Parecia eletrônica!
Intermédio soteropolitano II: A música eletrônica me faz lembrar do Trio Techno da Daniela Mercury e me traz a recordação de que por pouco não presenciei o evento que marcou a sua explosão no país em 1992. Estava num treinamento em São Paulo e aproveitei um dia para passear pela cidade. No metrô me deparei com dezenas de adolescentes aflitos e barulhentos. Não entendi o que estava acontecendo. À noite assistindo ao jornal me dei conta: Daniela Mercury havia parado a Avenida Paulista com um show no vão do MASP!
A cor dessa cidade sou eu
O canto dessa cidade é meu...
(Tote Gira / Daniela Mercury)
Regressando ao passado presente, ando aqui ansioso para assistir a um show da Luedji Luna, da Duda Beat, Tulipa Ruiz, João Gomes, Twenty one pilots, 2Cellos, Xênia França, Rodrigo Alarcon, afinal...
… Mira la vida abriéndose camino
Mira la vida diciendo que si
Mira la vida abriéndose camino
Mira la vida diciendo que si… (Mira la vida - Julieta Venegas)
Meu tempo é tudo que vivi até hoje, tudo que vivo hoje, tudo que viverei até o meu último hoje! O depois não sei. Melhor pensar e dizer:
Estou no meu tempo...