Você tem o hábito de ouvir música? Aposto que sim, ainda mais agora que podemos montar nossa lista de canções favoritas pelo Spotify.

Mas, e quanto ao estilo musical que você mais ouve? Reparou se há alguma música triste, que se destaca das demais? Acredite ou não, ouvir canções melancólicas podem te fazer bem, e não te “colocar para baixo”. É o que diz um estudo publicado no jornal PLOS ONE que sugere que ouvir música triste pode trazer efeitos benéficos à saúde, como por exemplo, auxiliar na regulação das emoções e humor negativos.

Eu particularmente gosto de músicas com tons melancólicos como The Cure e The Smiths, bem como sons com tons mais sombrios como Metal Sinfônico. No passado, minha mãe costumava questionar o porquê de eu me sentir atraída por músicas tão tristes, se a tristeza é algo que “não faz bem”. E não é que anos depois a mesma pergunta foi objeto de estudo e virou um artigo científico? Bora explorar, então.

Uma das sensações prazerosas observadas em ouvintes de “músicas tristes” é a sensação de alívio e de contemplação do belo, que o tom melancólico proporciona. De fato, essas são características que sinto na pele, por exemplo, quando ouço There Is a Light That Never Goes Out do The Smiths. É como se o vento soprasse em meus ouvidos as mais lindas notas musicais, e transformasse tudo ao meu redor. De repente me sinto leve, e capaz de abraçar todas as pessoas que já se foram. A saudade bate, e aquece meu coração.

Assim é a melodia melancólica: ela nos leva e nos eleva a “lugares altos” e nos faz refletir sobre pessoas, lugares e memórias com profundidade e riqueza de detalhes. Sob esse viés, a tristeza evocada pela música proporciona aspectos bastante gratificantes. Aspectos esses que fizeram o filósofo Jerrold Levinson (especialista em filosofia da arte) investigar mais a fundo. Segundo publicado no PLOS ONE, Levinson propôs a existência de alguns tipos de recompensa, que explicariam a atração por músicas tristes:

  1. Expressão de apreensão: as respostas melancólicas eliciadas por músicas tristes, facilitam a nossa compreensão e apreciação por obras musicais. É como se ficássemos com o gosto mais refinado e sensível à melodia e a mensagem que a canção carrega consigo.

  2. Teoria da catarse musical: aqui o tom emocional da música triste permite que os ouvintes "lavem a alma" e descarreguem suas emoções mais facilmente.

  3. Saborear e compreender o sentimento: os tons musicais mais sombrios permitem que a pessoa avalie e sinta a tristeza com mais clareza. Além disso, transmite ao ouvinte que ele é capaz de sentir emoções mais intensas de maneira tranquila e equilibrada.

  4. Resolução emocional, expressividade e vínculo emocional: músicas tristes estimulam seus ouvintes a pensarem e refletir sobre suas próprias emoções, levando-os a ter domínio e controle sobre o que sentem. Por serem mais viscerais, estimulam a imaginação a ponto de fazer com que o ouvinte “viva cada estrofe da música”. Também cria um sentimento de vínculo emocional em que o apreciador musical passa a empatizar com a mensagem musical que o compositor apresenta.

O papel do humor e da personalidade na música triste

Como entender a relação entre personalidade e música triste? Um estudo feito por Vuoskoski da Universidade da Finlândia e colaboradores, pediram a um grupo de cento e quarenta e oito participantes que ouvissem trechos de música, a fim de avaliarem suas respostas emocionais. De todos os trechos de música ouvidas, a tristeza foi a resposta emocional mais marcante. Também foi observado que pessoas com uma personalidade voltada à abertura a experiência e empatia foram associadas à predileção por músicas tristes.

Isso se deve ao fato de pessoas com este traço serem mais intensas ao apreciar esteticamente a música, além de apresentarem um envolvimento empático maior.

Outro fator que também influencia na predileção por músicas tristes é o estado de ânimo ou humor. Pesquisadores de Toronto realizaram um estudo em que foi constatado que o gosto por músicas tristes aumentava em ouvintes que apresentavam um humor rebaixado. Isto ocorre porque pessoas melancólicas tendem a prestar mais atenção no ritmo lento e menor das músicas tristes; ao passo que sujeitos mais alegres se sentem atraídos por ritmos mais rápidos nas músicas. É como se o ritmo lento (de uma música triste) fosse uma caminhada, e o modo rápido (em músicas animadas) fosse uma corrida.

Dessa forma, é possível observar que tanto a personalidade como o humor são importantes na predileção por um gosto musical. No caso das músicas tristes, também foi questionado o quanto situações específicas influenciam na escolha em ouvir tons melancólicos. Para facilitar a pesquisa, algumas categorias foram determinadas, a saber:

  • Sofrimento emocional: nesta situação as pessoas buscam músicas tristes como forma de obter consolo em situações difíceis da vida, como: perda de um ente querido, término de um relacionamento etc. Aqui a música tem um papel terapêutico, pois busca melhorar o humor e reflete o estado de espírito do ouvinte.

  • Aspecto social: neste sentido a apreciação de músicas mais melancólicas ocorre quando as pessoas se sentem sozinhas, em busca de acolhimento. É como se a música consolasse o ouvinte, e ele se sentisse compreendido e socialmente aceito.

  • Memória: o papel da música triste neste contexto, é o de resgatar memórias, mas principalmente o de relembrar daqueles que já se foram.

  • Relaxamento: neste caso, a música melancólica tem a função de baixar o estado de agitação ou excitação de uma pessoa, auxiliando-a a atingir uma sensação de bem-estar. Isso ocorre porque ao ouvir uma música triste, a pessoa geralmente cai em momentos de choro, liberando hormônios como ocitocina (hormônio do amor) e endorfinas (hormônios produzidos ao praticar exercícios físicos). Assim, os hormônios contidos na lágrima, produzem uma espécie de “analgésico natural’, capazes de diminuir dores emocionas e gerar alívio para o ouvinte.

  • Cognição e Introspeção: por ser mais tranquila e promover uma maior reflexão, a música triste pode auxiliar nos processos criativos e melhorar o foco durante as atividades laborais e/ou de estudo. Além disso, canções melancólicas também são ideais como música ambiente por propiciar uma sensação de calma ou contemplação.

Curiosamente, a pesquisa também indicou a nostalgia (76%) como a emoção mais experienciada ao ouvir música triste, ficando atrás da tristeza com 44,9% das indicações. Tranquilidade (57,5%), ternura (51,6%) e admiração (38,3%) também foram sentimentos experienciados pelos ouvintes. Estas informações são de grande valia, pois a nostalgia tem um papel muito importante na recuperação de memórias.

A música triste na vida cotidiana

Como foi constatado, são várias as situações e sentimentos experienciados por uma pessoa ao apreciar uma música triste. Mais do que apreciá-la, a escolha de sons melancólicos nos dá pistas acerca do papel emocional que eles têm na vida do ouvinte, como regular o humor e dar conforto emocional. É sabido também que a busca por este estilo musical é maior entre as pessoas com algum tipo de desconforto emocional, buscando na música triste uma forma de obter compreensão e empatia.

Um outro achado importante salientado pelo artigo é a contribuição da música triste para fins terapêuticos, como no caso da musicoterapia. Uma abordagem dentro da musicoterapia denominada Guided Imagery and Music (GIM), emprega música clássica com relaxamento e conversa guiada, a fim de acessar imagens mentais dos pacientes que possam ser trabalhadas em processos emocionais. Os resultados demonstraram que a tristeza evocada pela música clássica, melhorava a qualidade (e a riqueza de detalhes) dessas imagens, demonstrando assim que sons melancólicos são os mais adequados para a terapia com GIM.

É importante salientar também a importância do uso terapêutico da música triste para indivíduos emocionalmente instáveis, visto que ela atua na regulação do humor. Diagnosticada com transtorno de personalidade borderline, posso dizer que faço uso constantemente da música triste (além de medicação e psicoterapia) como ferramenta terapêutica para alívio das minhas crises e controle da impulsividade. É como ter uma dor de cabeça e tomar o analgésico certo para o incômodo.

O paradoxo da tristeza prazerosa evocado pela música triste ocorre pelo fato de os sons melancólicos provocarem nos ouvintes o que os estudiosos denominaram como: “recompensa da empatia”. Se trata de um estado em que a pessoa sente uma forte conexão com a música, como se a letra da canção estivesse falando com ela naquele momento. Conforme questionado no começo deste artigo, êis o porquê de a música triste trazer tantos benefícios e gerar tamanho bem-estar.

Assim, a vida não é só um repertório de músicas alegres. Então, que tal dar uma chance para melodias mais profundas, como a música triste? Eu te garanto que a experiencia pode ser ainda mais intensa e inesquecível...