Steven Spielberg, para mim, o maior realizador do século XX, anunciou um próximo filme. Aos 77 anos de idade, o jovem Spielberg está a todo vapor e promete um filme-evento para o verão de 2026.
Ele está envolvido em mais de 40 projetos como produtor, mas eu queria mesmo é ver a mão do diretor em uma nova história, com o seu talento para encantar e emocionar as plateias. É… temos que esperar, segurar a ansiedade e aguardar o novo filme de Steven Spielberg, e a promessa de uma obra-prima. Quem sabe?
Até ao momento em que escrevo este artigo, não sabemos nada a respeito desse seu novo filme. Apenas que escalou Emily Blunt, uma atriz inglesa de grande versatilidade, que já nos encantou como Mary Poppins, nos assustou com “Um Lugar Silencioso” (A Quite Place), já foi assistente de Miranda Priestly em “O Diabo Veste Prada” (The Devil Wears Prada) e, recentemente interpretou a Kitty, esposa do enigmático Oppenheimer.
Spielberg desenvolve seu projeto no mais absoluto segredo, o que já é uma característica em sua carreira. Tudo o que sabemos pela imprensa é que será um filme de verão, o chamado filme-evento. Este é um gênero que foi praticamente inventado por Steven Spielberg e seu amigo George Lucas, lá nos longínquos anos 70.
No próximo verão, comemoraremos os 50 anos do primeiro grande filme-evento de verão americano, “Tubarão” (Jaws). Dirigido por Spielberg, baseado no livro de Peter Benchley, “Tubarão” causou um frenesi nas plateias de todo o mundo no verão de 75, levou milhões de espectadores às salas de cinema e afastou outros tantos das praias, faturando na época mais de USD 260 milhões. Números impressionante até para os dias de hoje. Nesses 50 anos o filme já faturou quase USD 500 milhões, em ingressos.
É difícil de imaginar, mas “Tubarão” bem poderia ter sido o fim da carreira do promissor realizador de 29 anos. Um filme dificílimo de ser realizado, porque Spielberg bateu firme que só o faria se ele fosse rodado inteiramente em locações, isto é, em mar aberto, e não num tanque no conforto dos estúdios.
O orçamento do filme foi estourado diversas vezes quase levando os executivos a desistirem do projeto e a despedirem Spielberg. Graças aos produtores visionários Richard Zanuck e David Brown, Spielberg teve sua liberdade criativa assegurada até o fim. É impensável nos dias de hoje, no poderoso business que se tornou o cinema (graças em muito a Spielberg), entregar um caminhão de dinheiro para um “garoto” em início de carreira “brincar de fazer cinema”. E ao fim, é isso que os filmes de Spielberg nos parecem: uma grande brincadeira. Nós, os espectadores, brincamos juntos, nos emocionamos, nos angustiamos, sofremos e nos encantamos. Parece-nos que ele se entrega de coração e alma ao realizar um filme, e que se diverte em manipular nossas emoções.
Entretanto, nem tudo são flores. Em “Tubarão”, muitos foram os problemas devido à logística de se filmar no mar o tempo todo. A dificuldade de continuidade de luz entre cenas, muitas vezes só permitia à equipe filmar uma cena por dia. Podemos até perceber no filme algumas “falhas” dessa continuidade, mas que em nada comprometem o desenvolvimento da história e a nossa experiência. O tubarão mecânico criado para o filme, em tempos muito anteriores às imagens geradas por computador, não funcionou como esperavam. Era uma geringonça com engrenagens e braços de ferro, submersa e puxada por um barco muito difícil de ser operada. Virou piada no set de filmagem. Tanto que lhe deram o nome de Bruce, o nome do advogado de Spielberg. Uma piada bem particular!
As dificuldades apenas estimularam a genialidade de Spielberg. Não conseguir mostrar o tubarão, fez com que ele tivesse que criar o suspense com a imaginação do espectador. Bastavam duas notas musicais da trilha de John Wiliams para deixar a plateia simplesmente apavorada. É genial! Foi inovador na época, e copiado até hoje.
Cinquenta anos depois, continuamos a ver e rever esse filme, considerado um clássico e um dos melhores filmes da história, uma espécie de Moby Dick moderno, repleto de aventura, especialmente no terço final em que os três personagens antagônicos partem para a captura do grande tubarão branco. “Tubarão” catapultou Spielberg para a condição de realizador de primeira grandeza, dando-lhe crédito e carta branca para seu projeto seguinte: “Contatos Imediatos do 3º Grau” (Close Encounters of the Third Kind), o próximo filme-evento desse gênio.
O ano é 1977 e Spielberg, então com 31 anos de idade, nos entrega outro filme magistral, que consolida a era dos filmes-evento ou dos “blockbusters”, termo que literalmente traduzimos para “arrasa quarteirões”. Só consigo imaginar que é uma referência às filas que se formavam para as sessões do filme, que davam volta aos quarteirões. Lembro-me perfeitamente das horas que passei na fila para esse filme, no verão de 1977.
Curiosamente, naquela época, os filmes de verão americanos eram propositalmente lançados em 4 de julho, para aproveitarem a bilheteria do feriado americano. Porém, só chegavam ao Brasil no verão, ou seja, em dezembro do mesmo ano. Ficávamos sabendo dos filmes, e da repercussão pela imprensa, mas cultivávamos uma ansiedade por 5 meses até à estreia. Claro, não havia internet, youtube ou coisa parecida. Trailers só víamos nos cinemas, mas muito próximos à estreia do filme. Talvez fosse uma estratégia de marketing, mas imagino que se tratava muito mais de uma limitação de mercado. O resultado eram filas enormes nas primeiras semanas de exibição.
“Contatos Imediatos” foi um sucesso de bilheteria arrebatador em todo o mundo. mas não pode ser analisado simplesmente pela sua vertente comercial. É um filme muito pessoal de Spielberg. O tema central são as relações e contatos. Relações familiares, casamento, filhos, separações, numa história de sci-fi, que mistura aventura, thriller, suspense e vidas pessoais. Ele narra o primeiro contato de 3º grau dos humanos com seres alienígenas, sob a ótica de três personagens: um pai de família, que vê sua vida virar do avesso após o contato que teve com OVNIs; uma mãe em desespero após seu filho ser raptado por aliens e o cientista francês Lacombe, especialista em contatos extraterrestres em busca de evidências dos contatos, este interpretado pelo grande realizador francês François Truffaut.
Com um ritmo e suspense quase hitchcockiano, as vidas desses três personagens irão se cruzar até um desfecho apoteótico, embalado por uma das melhores trilhas sonoras do cinema, criada por John Williams, numa sequência final de tirar o fôlego. É um Spielberg da mais alta qualidade. Um de seus melhores trabalhos. Esse filme seria o embrião para outra história de Spielberg que por muitos é considerado seu melhor filme: “E.T. O Extraterrestre”.
O imenso sucesso de “Contatos Imediatos” naquele verão de 1977 seria parcialmente ofuscado por um outro filme-evento que mudaria para sempre o cinema: “Star Wars” do grande amigo e parceiro criativo de Spielberg, George Lucas. Ambos os filmes foram produzidos na mesma época, ambos revolucionaram os efeitos especiais visuais e sonoros no cinema e ambos estão considerados entre os melhores filmes de ficção científica de sempre.
Antes da estreia dos dois filmes nem Spielberg, nem Lucas estavam certos do sucesso de seus filmes. Spielberg achava que “Star Wars” seria um campeão de bilheteria, enquanto Lucas tinha a certeza de que “Contatos Imediatos” seria um enorme sucesso. No impasse, eles decidiram que cada um deles daria 2,5% da receita de seus filmes um para o outro. Dessa forma, diminuiria o impacto no caso de um fracasso de um deles. Bem, “Contatos Imediatos” faturou mais de USD 300 milhões, e “Star Wars”, mais de USD 700 milhões. Será que algum deles se arrependeu do acordo?
Criou-se também uma rixa entre as equipes de “Contatos Imediatos” e “Star Wars” naquele ano. Os realizadores eram e são muito amigos, mas disputavam as bilheterias como rivais. Na temporada de premiações da academia, os dois filmes disputaram as estatuetas palmo a palmo. “Contatos imediatos” foi indicado em 9 categorias e levou 2 Óscares, enquanto"* Star Wars*" disputou 11 estatuetas e levou 7, incluindo a trilha sonora também composta pelo mestre John Williams.
Naturalmente que a competição é muito importante para a indústria do cinema americano. Os prêmios são argumentos de venda dos filmes, e eram fundamentais quando o mercado era composto praticamente por distribuidores internacionais, redes de TV e o, na época, incipiente mercado de home vídeo. Contudo eles pouco ou nada refletem a qualidade dos filmes. A criatividade, o talento e a capacidade de contar uma história e emocionar plateias é o que realmente conta.
Nem mesmo Steven Spielberg é infalível. Seu projeto seguinte, a comédia “1941 – Uma guerra muito louca” foi um fracasso de público e crítica. O que prova que nem sempre um orçamento polpudo, grandes estrelas e um diretor e ascensão são a fórmula certeira de sucesso. O filme fez com que Spielberg desse um passo atrás e focasse naquele gênero que ele fazia como ninguém – o filme de aventura.
Em 1981, em parceria com George Lucas, este como produtor e Spielberg como realizador, chegou às telas do mundo todo o delicioso “Caçadores da Arca Perdida” (Raiders of the Lost Ark), o filme-evento daquele verão, que também se tornou um clássico do cinema e ícone da cultura pop ao introduzir o personagem de Indiana Jones. É um filme que homenageia os seriados de aventuras dos anos 30, uma paixão de George Lucas.
Desde 1975 os verões nunca foram mais os mesmos para a indústria e para o público do cinema. A cada ano Hollywood vem guardando seus potenciais sucessos comerciais e filmes para o público jovem para lançamento no verão. Tem sido assim com os filmes de aventuras, ação, super-heróis, ficando os filmes “sérios” para o fim do ano, visando a temporada de premiações.
Spielberg vem seguindo essa receita desde então. Os filmes-evento estão no cerne da carreira desse realizador. Obras como “E.T.”, “Jurassic Park”, e a franquia Indiana Jones deram a Spielberg a reputação de o mais bem-sucedido realizador da história. Isso permitiu a ele também aventurar-se em histórias mais sérias, como “A Lista de Schindler” (Schindler List), “A Cor Púrpura” (The Color Purple), “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan), e mais intimistas como o recente autobiográfico “Os Fabelmans” (The Fabelmans).
Spielberg é um realizador à moda antiga, que criou um estilo de direção muito característico, facilmente reconhecível, mantendo uma narrativa bem tradicional, a linearidade, estrutura de 3 atos, planos longos bem elaborados. Ele também é um dos poucos que ainda filma em película e não digital, e valoriza a projeção.
É um alento para os amantes do cinema que ainda haja realizadores empenhados em valorizar seus filmes para a exibição em uma sala escura, a proporcionar a experiência máxima para o espectador. Spielberg é um deles, graças a Deus!
Quanto a mim... eu continuarei a frequentar as salas de cinema, pelo prazer da experiência e pelo respeito aos realizadores e criadores dessa arte. Aguardarei ansiosamente o verão de 2026 e o novo filme-evento “directed by Steven Spielberg”. Com os acordes de John Williams, eu espero.