Uma certa vez, um gênio despertou no meio de uma fria madrugada de inverno com uma ideia tão incrível que precisava sair do papel. No dia seguinte, ele apresentou o projeto para sua equipe, todos concordaram com o potencial e logo deram início aos trabalhos. Parece o começo de algum texto emocionado do LinkedIn, mas foi exatamente assim que o programador inglês Peter Molyneux iniciou o desenvolvimento de The Movies, game de simulação lançado em 2005, onde o jogador controlava um estúdio de cinema.
A equipe da Lionhead Studios levou cerca de 4 anos para finalizar o jogo, que tem como principal característica o nível de detalhamento no gerenciamento de um estúdio. The Movies era quase como uma mistura de Sim City com The Sims, onde além de atender as demandas de progresso na infraestrutura do estúdio, o usuário também precisava solucionar as necessidades de seus atores e equipe, com direito a insatisfações com figurino, membro do elenco etc. Ele permitia colocar o estúdio onde você bem entender, utilizar grama ou cimento no chão do terreno, comprar trailers para seus atores e muito mais.
Aliás, a personalização é um pilar crucial para que o jogo mereça a atenção. Através de uma ferramenta externa, inclusa na instalação do game, o jogador era capaz de modelar um personagem para inserir em suas produções. Desse modo, os usuários poderiam adicionar eles mesmos aos filmes ou até mesmo ter grandes nomes como Julia Roberts e Meryl Streep integrando um elenco.
O mais fascinante em The Movies, sem dúvidas, era a possibilidade de ver a gravação do filme e poder configurar as cenas de uma forma totalmente aberta, assim sendo possível escolher o ângulo e enquadramento da câmera, as expressões dos atores, além de poder adicionar objetos de cena. E como se essa gama de funções fosse suficiente, o simulador integrava um editor de vídeo, onde o usuário conseguia adicionar efeitos especiais, letterings, trilha sonora, além de poder conectar o microfone ao computador e gravar dublagens para os personagens.
Os filmes podiam ser exportados para o computador e publicados no site do game, onde existia um ranking das produções mais assistidas e até mesmo uma espécie de premiação foi organizada para eleger os melhores. Foi assim que, no final de 2005, um curta chamado The French Democracy acabou chamando a atenção da imprensa por debater a questão do racismo na França.
O game também contava com um forte aspecto cultural e histórico, já que o jogo poderia ser iniciado a partir de uma década específica. Assim, ao longo do tempo e investimento no desenvolvimento do estúdio, havia um aprofundamento na história do cinema, acompanhando toda a evolução de equipamentos, técnicas e vestuário.
The Movies foi finalista no prêmio PC Gamer US na categoria melhor jogo de estratégia, em 2005, e conquistou o BAFTA de melhor jogo de simulação, em 2006. Ele ainda ganhou uma expansão chamada Stun & Effects, voltada para a adição de efeitos especiais e dublês aos filmes. Porém, sua vendagem foi bem aquém do esperado.
E por que dedicar um artigo para exaltar um jogo que fracassou? A resposta é simples: Precisamos afastar o mito de que apenas o sucesso é capaz de construir um legado positivo e deixar alguma lição ao mundo.
The Movies estabeleceu um nível tão alto de jogabilidade para quem curte jogos deste nicho, que até o momento não foi superado. Em 2020, foi lançado o Filmmaker Tycoon, que tem como base uma jogabilidade bastante parecida com The Movies, mas que não alcançou êxito devido a quantidade de críticas sobre sua primeira versão, que não incluía nem mesmo a opção de pausar o game. Para este ano, está previsto o lançamento de Blockbuster Inc., que também possui características muito semelhantes ao game da Lionhead Studios e promete ser tão customizável quanto.
Ainda sobre legado, podemos dizer que o game antecipou até mesmo uma tendência utilizada em vídeos de canais no YouTube como GutoTV e RaoTV, que criaram séries e paródias utilizando a estrutura de títulos como The Sims e GTA que conquistaram milhões de visualizações na plataforma. Então, creio que essa foi mais uma daquelas ideias certas no momento errado.
Em uma entrevista para a NBC, na época, Peter Molyneux disse que a ideia do The Movies era transformar jogadores em aspirantes a cineasta. Na época em que descobri esse jogo, por volta de 2008, já era uma experiência fantástica para um menino de 12 anos apaixonado por audiovisual encontrar um simulador de cinema que não fosse baseado em texto, como alguns outros títulos que cheguei a experimentar naquele período. Adicionar cenários, os setores responsáveis pela etapa de pré-produção, produção e pós, e principalmente construir os filmes, foi incrível, pois me ajudou a captar um pouco mais da dimensão do que era produzir um filme e como construir uma narrativa.
Posso dizer, com toda clareza, que se o jogo não foi um sucesso de vendas, sem dúvidas cumpriu seu papel na inspiração da minha carreira.