Com 6 temporadas, 2 filmes e um revival que está indo para sua terceira temporada, Sex and the City é um marco na mídia e na história da televisão. O seriado contando a história de quatro mulheres solteiras em Nova York atraiu uma legião de fãs, ganhou prêmios e se tornou um marco ao ser um seriado voltado para as mulheres, que falava de sexo e não tinha medo de discutir assuntos considerados tabus na época.
Com o passar das décadas, algumas situações e falas no seriado acabaram envelhecendo mal de acordo com alguns fãs e da nova geração que começou a assistir o seriado, mas será que o seriado que envelheceu mal mesmo ou nós como sociedade que evoluímos?
O termo “envelhecer mal” geralmente é usado, em relação a seriados, filmes e afins, para se referir a falas, situações, personagens e outras coisas que nos dias atuais não seriam mais aceitas, contudo precisa-se entender que nenhuma peça de mídia “envelhece mal”, o que ocorre é a evolução natural de pensamentos e comportamentos que acontece em uma sociedade saudável.
Na maioria das vezes, os seriados e filmes são uma amostra de como eram situações, pensamentos e preconceitos de uma época. Não é possível analisar, por exemplo, um filme gravado nos anos 1990 com a mesma ótica que temos hoje em dia.
Como exemplo podemos pegar dois episódios de Sex and the City que são amplamente criticados por serem “errados” e com visões preconceituosas. O primeiro é “Boy, Girl, Boy, Girl...” e o segundo é “No Ifs, Ands, or Butts”, ambos na terceira temporada e ambos do ano 2000. O primeiro é criticado pela visão “preconceituosa” sobre bissexualidade e transsexualidade e o segundo por um suposto “racismo reverso” do roteiro, contudo é preciso levar em conta não apenas o ano dos episódios, mas também a situação política e social dos EUA na época.
No primeiro caso, o episódio foi praticamente um dos primeiros a falar sobre bissexualidade e transsexualidade em um seriado assistido por milhares de pessoas e de forma tão aberta. Além disso, certas falas no episódio que são criticadíssimas eram a própria visão que as pessoas na época tinham sobre esses assuntos.
A personagem Carrie (Sarah Jessica Parker) ao dizer que o homem bissexual estava só a um passo de virar gay não estava sendo preconceituosa sobre a bissexualidade, mas sim reproduzindo o pensamento comum das pessoas sobre o assunto na época. Além disso, a própria personagem diz ser de uma geração diferente da de seu namorado no episódio (que é quase 10 anos mais novo que Carrie) e pergunta se essa seria a evolução natural dos relacionamentos e se ela própria estaria apta a fazer parte dessa evolução.
A discussão desse tema pode parecer mal escrita e preconceituosa para a visão atual da sociedade, mas para uma sociedade do ano 2000, a discussão sobre bissexualidade foi uma tremenda quebra de barreiras e colocou dois assuntos considerados extremamente tabus na boca e na televisão de milhares de pessoas.
Já o segundo episódio e o suposto “racismo reverso”, a personagem Samantha (Kim Catrall) começa a sair com o irmão de uma amiga delas, entretando, a amiga, uma mulher negra, não quer o seu irmão namorando uma mulher branca. Para entender os contextos desse episódio precisa-se voltar alguns anos no tempo e na história político-social dos EUA.
Até 1989, os EUA se encontravam em meio a uma guerra fria com a União Soviética e com a eleição de Ronald Regan nos anos 1980, o país sofreu uma regressão em relação aos direitos civis de mulheres, negros e homossexuais. Regan queria implantar a volta “dos antigos bons costumes americanos” da década de 1950 e com isso seu principal alvo de ataque eram as minorias que “estavam desvirtuando a sociedade e o pais”.
Essa mentalidade acabou por criar uma espécie de guerra fria no próprio país entre os negros e os brancos. Seriados, músicas, bairros, etc. começaram novamente a serem divididos entre brancos e negros, como é possível notar principalmente nos seriados com elencos majoritariamente brancos ou negros. Apesar de Bill Clinton ter sido eleito logo depois, o estrago já estava feito e a discriminação ainda continuava.
Durante o governo de Clinton ocorreu o escândalo com Monica Lewisky, o seu Impeachment e, com a eleição de George W. Bush Jr. como presidente dos EUA, o país novamente passou a ter um presidente com ideias conservadoras em seu governo.
Voltando ao seriado, conhecendo esse contexto extremamente simplificado dos EUA na época, os acontecimentos do episódio acabam fazendo muito mais sentido aos telespectadores. O fato da amiga de Samantha não querer que seu irmão namore com uma branca se deve à mentalidade que ainda ocorria na época (não de forma tão explicita) da divisão entre “nós e eles” e não a uma suposta tentativa de mostrar um “racismo reverso”.
Assim como no primeiro episódio citado no texto, o segundo episódio nada mais era do que uma demonstração de como era a mentalidade geral das pessoas na época. Outros seriados como, por exemplo Fresh Prince of Bell-Air (Um Maluco no Pedaço), também trataram desse assunto na época.
Foi só com a eleição (e reeleição) de Barack Obama que essa “guerra fria” começou a diminuir, que os seriados começaram a ser realmente mais diversificados e esses assuntos mais normalizados.
Como dito anteriormente, nenhuma peça de mídia “envelhece mal” e Sex and the City continua sendo um legado histórico na televisão. Sim, as ideias mudaram e a sociedade felizmente evoluiu, mas isso não tira a importância que o seriado tem ainda hoje. Se em algumas partes algumas ideias continuam datadas, em outras elas continuam atuais e ressoando com os telespectadores e é exatamente por isso que Sex and the City continuará sendo um marco para as gerações que virão.