Alguns dias antes de começar o Rock in Rio (RiR), edição de 2024, descubro que a Cyndi Lauper se apresentaria na segunda semana. Que lástima! Se a minha impaciência com as plataformas de vendas de determinados eventos não fosse tão grande poderia ter comprado ingressos para finalmente assistir a um show da Cyndi, mesmo que com meros (risos!) 40 anos de distanciamento da minha adolescente paixão “cyndiana”. Afinal jovem é o espírito, não o corpo.

Na sexta-feira, 20 de setembro, chego em casa, troco de roupa, pego a minha cerveja, ligo a televisão, sintonizo no Multishow na esperança de ainda encontrá-la e poder assistir a sua performance ao vivo, mesmo que seja através das ondas eletromagnéticas (ou seriam ondas de radiofrequência? Com tanta tecnologia, fico na dúvida sobre qual a onda que a TV utiliza hoje em dia).

Estou com sorte! A Cyndi está um pouco atrasada (acho que estava me esperando! “mais risos”). O show começa e a primeira música (She Bop) vira um prenúncio do que será o seu todo: Puro suco dos anos 80! Ao longo do curto espetáculo, vemos desfilando os principais clássicos do seu emblemático álbum She’s so Unusual e outros clássicos que vieram logo na sequência, ainda na segunda metade dos anos 80.

Mais prazeroso ainda... Todas as canções tocadas preservando os seus arranjos originais, sem nenhuma grande “releitura”. Pareço me transportar no tempo e lembrar daquele show Cyndi Lauper Live in Paris (1987) que assistia na TV no início dos anos 90, creio que na MTV (ou tinha uma fita VHS? A memória me trai). Com a diferença que agora ela não é mais aquela garota espevitada e, sim uma jovem senhora.

No mundo atual em que um filme pode estar simultaneamente no cinema e no streaming, soa um pouco estranho esse longo delay entre a data do show (1987) e o período em que devo ter assistido (início dos anos 90). Pesquiso um pouco mais e me dou conta que o show foi uma premiada produção da HBO e está só iniciou suas atividades no Brasil em 1994. Como a MTV iniciou em 1990, então provavelmente devo ter assistido na MTV (mas seguirei na dúvida se não foi via uma VHS). No Brasil tudo era ainda mais lento naqueles tempos.

Impossível não me pegar imaginando o que teria sido um show da jovem Cyndi no jovem RiR... Talvez uma experiência como a do Queen? Do James Taylor? Ou, como do Guns N’Roses um pouco mais tarde? Aquelas experiências mágicas, momentos icônicos... Vai saber! Ouço ela comentando que parecia ser a única que não havia se apresentado no RiR. O tempo não volta! Mas, a sua presença no RiR nos transporta no tempo.

Um tempo em que as canções ainda pareciam mais “redondas”, mais bem acabadas e não apenas uma sucessão de feats produzidos por zilhões de artistas ao mesmo tempo... muitas daquelas músicas viraram verdadeiros hinos de uma época ou de uma causa.

Não pretendo repetir aqui um roteiro do filme Meia-noite em Paris (2011, Woody Allen). Afinal o filme nos ensina claramente que nenhum tempo é melhor que outro. Mas não resta dúvidas que em alguns momentos recordamos dos anos 80 com uma certa nostalgia. Como se o mundo parecesse mais frutífero e sonhador. Vejamos...

Que triênio fantástico os anos de 1982, 1983 e 1984 para a música pop!

Vimos a explosão da genialidade do Michael Jackson em seu álbum Thriller, se tornando numa fonte inimaginável de influências para a música, a dança, a televisão, o show business. Lembro do frisson provocado pelo lançamento de cada clipe do Michael Jackson. A MTV ainda não tinha chegado por aqui e ficávamos aguardando o lançamento no Fantástico aos domingos.

Vimos o surgimento da Madonna com seu convite para o “Holiday” e todo o seu comportamento provocativo que seria gradativamente construído ao longo dos anos.

Para arrematar, vimos chegar a Cyndi Lauper com a sua estranha e potente voz, acompanhada de um gestual meio desengonçado e livre, descontruindo a perfeição estética das danças do Michael e da Madonna em nossas mentes e corpos (muito bom para os não adeptos das coreografias perfeitas!).

No campo político-social, no Brasil começávamos a sonhar com um país livre da ditadura a partir do Movimento das Diretas Já no final de 1983 e sua explosão em 1984.

O mundo, a partir da segunda metade dos anos 80, parecia que estava se encaminhando para um entendimento mais amplo quando víamos a Perestroika do Mikhail Gorbachev, a Queda do Muro de Berlim... Parece até estranho falar desses eventos num mundo pós Brexit!

Uma tão distinta década de 80, quando tudo e todos pareciam buscar a luz (políticos, intelectuais, artistas, cidadãos...). Tão absurdamente diferente dos atuais dias...

Talvez a comemoração dos 40 anos do RiR, a serem completados efetivamente em janeiro de 1985, também nos proporcione um pouco desta viagem no tempo. Entretanto, a reparação histórica de uma apresentação da Cyndi parece gritar em nossas memórias tudo isto!

Entre meus devaneios sobre os anos 80 e a apreciação do show, também me dou conta da sua incrível capacidade de nos presentear com duas canções hinos: Girls Just Want To Have Fun (adotada pelo movimento feminista) e True Colors (adotada pelo movimento LBTQIA+). Mesmo que não existissem outras canções ou interpretações marcantes suas, ela teria nos alcançado com estas enormes heranças.

A sua voz, apesar de seguir afinada, talvez já não alcance a 3,4 oitavas do passado, mas segue variando entre a voz de uma criança e a de uma cantora de ópera, segue dominando e comandando com intimidade a sua banda, segue sendo uma grande band leader.

O palco ordenado de forma direta e simples, com a cantora e os músicos em destaque e seu nome ao fundo nos recordam que a essência de qualidade não precisa de grandes pirotecnias.

Ademais, percebo que a sua banda é composta com uma combinação entre a maturidade dos veteranos e o sopro dos iniciantes. Como uma ode ao não etarismo, eu vejo a jovem Cyndi Lauper feliz naquele palco!

Os apresentadores informam que entre o final deste ano e o próximo ela fará uma turnê de despedida dos grandes palcos. Quem sabe consigo...