O Cinema é considerado a grande arte do Século XX. É a arte que mais representa as transformações brutais que a sociedade viveu em 100 anos. O cinema é literatura, música, pintura, tudo junto. Ele só foi possível pela curiosidade e inovação de artistas e cientistas que proporcionaram a tecnologia necessária para a sua existência.

Bem, já estamos na segunda década do século XXI e o que vemos hoje é uma arte cinematográfica muito mais forte e presente no nosso dia a dia. Os meios de reprodução evoluíram, ou melhor dizendo, diversificaram-se, e permitem hoje que vejamos filmes na tela grande de uma sala de cinema ou, na telinha de um celular.

Curioso é pensar que estamos num movimento oposto à evolução da forma de vermos imagens em movimento ao longo da história. Digo imagens em movimento porque hoje, o TikTok ou o Instagram nos entregam imagens em movimento, e não filmes. Naturalmente que a tecnologia nos permite imagens muito mais sofisticadas do que aqueles primeiros experimentos óticos que simulavam movimento, na primeira metade do século XIX, como o Praxinoscópio ou o Zootropo, entre outros. Este último inclusive daria nome à produtora de cinema de um dos grandes realizadores do cinema atual, Francis Ford Coppola, a empresa chamada “American Zoetrope”. Naquela época as imagens em movimento eram vistas de forma individual, em pequenos aparelhos mecânicos. Passaram-se décadas para que o cinema se tornasse uma experiência coletiva.

Só em 1895, com os irmãos Lumière, marcamos o início do Cinema como o conhecemos hoje, com a invenção do cinematógrafo, uma máquina de filmar e projetar filmes. Desta forma, o primeiro filme documentado, marco zero do Cinema, foi o curta A Saída da Fábrica Lumière em Lyon (“La Sortie de l'usine Lumière à Lyon”), que retratava a simples saída dos operários da fábrica dos Lumière, projetado no Grand Café, em Paris, em 28 de dezembro de 1895. A reação das primeiras plateias era de espanto e susto.

A ilusão cinematográfica estava muito mais próxima dos espetáculos de magia, muito comuns na época. O cinema, até hoje, tem esse componente mágico. O filme A Chegada do Trem à Estação (“L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat”) dos irmãos Lumière, também de 1895, e de apenas 42 segundos, provocou pânico na plateia, que acreditou que o trem era verdadeiro e sairia da tela para cima deles.

Um mágico de ofício, Georges Méliès, ficou louco ao ver essa projeção, adquiriu o equipamento dos irmãos Lumière e passou a produzir filmes de fantasia. Seu filme mais famoso é Viagem à Lua (“Le voyage dans la Lune”) de 1902. A cena icônica desse filme é a nave espacial em forma de projétil atingindo o olho da Lua. Méliès é considerado o pai dos efeitos visuais no cinema, e criador do gênero de “science-fiction”. Infelizmente ele não foi reconhecido à época. Sua história foi retratada no filme A Invenção de Hugo Cabret (“Hugo”) de Martins Scorsese de 2012.

O cinema nasceu na França, mas os americanos desenvolveram a linguagem, a sintaxe cinematográfica como nós conhecemos hoje. Os planos, as sequências, a montagem e o estilo de interpretação que estamos acostumados a ver nos produtos audiovisuais são fruto do desenvolvimento tecnológico e artístico criado pelos americanos.

Os Estados Unidos dominam o cinema mundial, comercialmente e artisticamente, desde o início do século passado, quando perceberam como fazer dinheiro com aquela novidade de imagens em movimento, que gerava uma enorme curiosidade nas pessoas. Isso permitiu a eles criarem uma indústria poderosa ao seu redor.

Há décadas que os filmes vêm nos emocionando com suas histórias, imagens e sons. O cinema é uma arte fruto do desenvolvimento tecnológico, mas os filmes que marcam a história e ficam na lembrança coletiva dependem de algo mais. Da empatia, de criarem uma conexão emocional com o seu espectador. Não é o que a arte se propõe? Casablanca, Cidadão Kane, Psicose, 2001, Star Wars, Amarcord, Jules e Jim, Ran, A Doce Vida, Cinema Paradiso não são fruto apenas de uma tecnologia. Eles e muitos outros têm uma alma que transcende seu tempo.

Muitas outras cinematografias como a francesa, a italiana, a sueca, ou a japonesa foram marcantes no primeiro centenário dessa arte. Os Estados Unidos, contudo, investiram muito na produção e distribuição de filmes, de forma a manter sua hegemonia mundial também no campo cultural.

Nós habituamo-nos com o formato, com a duração do filme, o estilo visual, com as trilhas sonoras, com interpretações naturalistas, com o ritmo do filme americano. E, tão importante quanto tudo isso, com o ritual da ida ao cinema, da sala escura, da pipoca e do refrigerante (americanos).

A tecnologia chegou a um ponto fantástico, onde mundo e seres são criados em computadores, onde até rejuvenescemos atores digitalmente. Mas também a tecnologia criou meios de exibição de filmes. A magia da sala escura não corresponde mais à única maneira pela qual consumimos filmes. A duração do filme também foi quebrada. O espectador tem o poder de pará-lo, retroceder, ver em capítulos, em dias diferentes, no conforto da sua sala, numa tela grande com som espacial.

A revolução começo lá na década de 80 com a massificação do “home vídeo”, do VHS e das locadoras de filmes. Quem não se lembra de correr à locadora no sábado de manhã e alugar os filmes do fim de semana, chamar os amigos e “maratonar”? Aqueles filmes chatos, assistíamos em velocidade aumentada. E não podíamos nos esquecer de rebobinar as fitas antes de devolvê-las na segunda-feira.

As grandes salas de cinema sofreram também, não só pelos novos hábitos, mas com a especulação imobiliária, os altos custos de manutenção e com a necessidade de adaptação para a constante evolução tecnológica. Teatros de mil ou dois mil lugares foram sendo extintos como dinossauros de uma era de ouro. Os cinemas de shoppings com dezenas de salas de 200 ou 300 lugares passaram a ser um padrão. Os filmes eram exibidos durante meses numa sala grande para justificarem o investimento. Hoje é raro ter um filme por mais de duas ou três semanas em cartaz. Se ele não faz sucesso no lançamento, é condenado ao rápido esquecimento.

O lar passou a ser o filão das distribuidoras de filmes. O controle começava a mudar para as mãos do espectador. O passo seguinte foi a TV a cabo, com canais dedicados exclusivamente a filmes e séries. Mas o mundo ainda não era perfeito, porque ainda éramos escravos de uma grade de programação. Isso durou até chegarmos aos serviços de streaming. A Netflix é uma das maiores revoluções da história do cinema, tão importante quanto a introdução da cor e do som nos filmes. O que se altera aqui é a distribuição e a experiência de consumo.

A Netflix não só distribui, mas também produz. Ela necessita vorazmente de conteúdo para alimentar o seu catálogo e conquistar e reter seus assinantes. Séries como “House of Cards” ou “Stranger Things” foram apostas arriscadas da Netflix no campo da produção cinematográfica. Ela já se consolidou como uma empresa produtora importante no cenário mundial. Hoje, grandes realizadores produzem filmes magníficos diretamente para a plataforma, como Martin Scorsese (“O Irlandês”, “Assassinos da lua das flores”), Jane Campion (“O ataque dos cães”), Fernando Meirelles (“Os dois papas”) e Alfonso Cuarón (“Roma”).

A Netflix vem a contribuir também para o acesso a cinematografias de outros países e culturas. Produções espanholas, italianas, alemãs, turcas, sul-coreanas enchem o catálogo desta plataforma, com filmes e séries de altíssima qualidade técnica e artística.

É espantoso percebermos que a evolução na forma de ver filmes e de consumir os produtos audiovisuais tenha influenciado a própria produção, as temáticas e os formatos. Sem dúvida que o acesso ao cinema mudou. É difícil hoje estabelecer uma fronteira entre cinema, televisão, streaming, séries. Temos tudo ao nosso alcance, sem sair de casa. As TVs cresceram em tamanho e deram um salto de qualidade, o que nos permite ter o nosso próprio cinema em casa.

Será esse o futuro da forma de vermos filmes? Poderemos um dia substituir a magia da sala escura? Sinceramente, espero que não.