A Maria não gosta de ouvir música, explica. E todo o mundo pára perplexo para tal promiscuidade. A verdade é que durante algum tempo, durante um bom período, ouvir música não estava de todo nos planos de Maria. Estava demasiado focada em pensamentos e na organização mental de várias tarefas diárias. Criação de listas que tinha obrigação de fazer e pronto, daí não poderia passar. A música ficou para segundo plano.
Para alimentar a situação, não encontrava no seu tempo de vida, músicas que efetivamente a alegrassem e dessem aquela motivação, como via nos filmes nos anos 1970 e 1980. Na atualidade, encontram-se letras desprovidas de sentimento, atenuando a sexualidade como forma de vida, ritmos que até ficam no ouvido, mas não passam de sons de discoteca e noitadas, e assim ficavam associadas, noites académicas, noites de amigos, noites de copos. Letras que ficam na berra naquele ano, e não passam disso. Quem serão os reis da música atual? Fica complicado decidir e encontrar alguém igualável a Elvis Presley ou Michael Jackson.
A Maria ia ouvindo em saídas, em músicas de fundo, mas por apreciação própria foi esquecendo o gosto.
E a música não fazia mais sentido. Algumas escapavam e, por vezes, Maria recorria ao “antigo”.
Quando o ritmo assim o permitia, e quem compõe sabe que é possível, ouvia para aliviar o espírito, porque na verdade, chorar alivia, lava sentimentos que não se explicam, sentem se, a música lavava.
E assim ficou associada. A momentos tristes e de estadia só.
Com o tempo, e com a incredibilidade de todos, lá foi tentando. Mas os sons não se identificavam com as necessidades do momento, os dias eram tão corridos, tão agitados, que o silêncio era a música que Maria mais queria ouvir. Ouvir os passos, ouvir o vento, os pássaros, até o trânsito . Queria saber o que se passava no mundo e não apenas nas playlists.
Desenrolou diversos momentos a sós, de pensamentos escritos em blocos de notas digitais, de questões presas na sua cabeça e de muita gente, discutiu política sozinha e argumentou ética com Kant.
Mas a música aos poucos passou a fazer sentido, não a atual, essa não. Pouca música da nossa contemporaneidade, se é que esse período ainda fará sentido no nosso século…passou a fazer sentido música que efetivamente berrava vigor e paixão, as pautas suavam amor. Não que a atualidade seja toda igual, mas tudo se enquadra nos mesmos padrões de comercialização. E por comercial, a paixão não era certamente a luta que se vivia antes dos novos anos 20.
Agora, faz sentido quando as chamadas eram ignoradas por se ouvir música nos transportes, quando as mensagens eram desprezadas por mais umas notas no ouvido, afinal a música é uma obrigação para o ser humano estar mais completo.
Recorreu a pesquisas sobre a quantidade de pessoas que não gostavam de música, os porquês, os contras, as explicações, era estranho. Como não ouvir música? Perguntava e questionava-se. Talvez o cansaço, a ocupação, o dia a dia fosse tão barulhento que quanto menos decibéis melhor.
Mas com os estudos, notou que não era nada de invulgar, efetivamente há quem não aprecie de todo música, anedonia musical, chamam os peritos. Mas explicam também, que quem “sofre” de tal condição, não se limita a um período da vida, ou a um género musical, atenção. São pessoas que não suportam de todo qualquer tipo de música. Afinal é possível, há que normalizar. Há que respeitar quando os decibéis saiem de colunas para ouvidos que não apreciam.
E com isto, há toda uma manobra importante para se estudar, pois quem não aprecia música, no fundo, por palavras comuns, deve-se ao facto de, quando recebe as notas musicais no seu cérebro, não as converter em prazer. Apesar de raro, são mais pessoas do que efetivamente se pode pensar!
Afinal há quem não aprecie música.
Assim, Maria apenas percebeu que ouvia um estilo de música que não se identificava e que não a fazia sorrir. O comercial é demasiado vulgar, pensou.