Os últimos 20 anos tem sido um momento delicado da história do cinema. Por um lado, os lucros dos estúdios nunca foram tão altos, com vários filmes batendo a marca de um bilhão em bilheteria. Os orçamentos também estão extremamente inchados com alguns filmes chegando a custar a incrível cifra de 250 milhões, isso sem incluir gastos com propagandas que podem tranquilamente acrescentar mais 100 milhões a conta.
As franquias também estão cada vez mais longas, Velozes e Furiosos já ultrapassou o décimo filme, Star Wars nunca foi tão presente na cultura pop quanto agora, não só nos cinemas, mas também nos streamings e games, várias sagas clássicas como Indiana Jones e Caça-fantasmas voltaram a ativa.
Mas mesmo com todo esse sucesso, a sensação que grande parte dos fãs, dos críticos e do público sente é que a mágica de Hollywood está se perdendo. Quase todos os grandes lançamentos são sequências, muitas de franquias que se sustentam apenas pela nostalgia, em alguns casos trazendo astros antigos cujas idades não permitem fazer cenas de ação e acabam tendo que dividir os holofotes com jovens estrelas, não raro os personagens novos acabam sofrendo a ojeriza dos fãs que os veem como repetitivos, desnecessários ou simplesmente irritantes. Desde que a década atual começou, várias sagas que antes eram consideradas sucessos garantidos, começaram a fracassar.
No epicentro dessa discussão sobre a decadência do cinema está aquele que tem sido o gênero mais popular desde que o século começou, os filmes de super-herói. Antes dos anos 2000, filmes inspirados em quadrinhos eram obras pequenas, feitas por produtoras sem muita ambição. O resultado quase sempre era deplorável, pois não havia dinheiro suficiente (nem tecnologia) para trazer o mundo de fantasia das revistas para as telas do cinema. As únicas exceções eram os filmes do heróis mais icônicos, Superman nos anos 1970 e Batman no final dos anos 1980, ainda assim ambos os personagens tiveram filmes execrados durante os anos 1990.
Mas com o novo milênio, os estúdios se apaixonaram pelos quadrinhos e praticamente qualquer história podia ser adaptada, mesmo que fosse focado em personagens extremamente obscuros, como Juiz Dredd ou Shang-Chi. Não é difícil entender por que Hollywood gosta tanto de adaptações de heróis. A indústria cada vez mais depende de histórias simples com muitos efeitos especiais e mitologias muito grandes para produzir quantas sequências forem possíveis. Os enormes universos de quadrinhos, que em alguns casos chegam a ter mais de 70 anos de história para adaptar, são o veículo perfeito para usar como base.
Super-heróis são de certa forma os semideuses do mundo moderno. Toda época sempre tem seus heróis, desde figuras como Gilgamesh e Hércules no mundo antigos, passando pelos cavaleiros medievais, o ser humano é fascinado por heroísmo e bravura. O cinema sempre forneceu figuras grandiosas, não necessariamente exemplos de virtude, mas sempre de força determinação e habilidade.
O cinema mudo possuía os ladrões glorificados como Fantômas e Arsène Lupin, à época clássica, os swashbuckler com suas espadas e cowboys com suas pistolas, e os anos 1980 tiveram os heróis “exércitos de um homem só” como Rambo e John Matrix. Os personagens da Marvel são apenas a mais recente numa longa cadeia de grandes feitos que a ficção sempre forneceu para o jovens buscando quem admirar. Mas o excesso de obras de super-heróis tem tornado o gênero cansativo, pois muitos não veem mais graça nesses filmes. Esse tipo de “exaustão” com um gênero é parte normal de qualquer estilo dentro do cinema, filmes noir foram populares nos anos 1940, depois desapareceram, faroestes tiveram destino similar, assim como os filmes de monstros góticos dos anos 1930 e os slasher sobre serial killers dos anos 1980. Todos os gêneros perderam a atenção do público quando foram feitos tantos filmes que todos conseguiram memorizar os clichês e assim prever tudo que ia acontecer antes mesmo de terminar o filme.
Mas o cansaço não é uma sentença de morte do gênero, os noir mesmo depois de se encerrarem, foram sucedidos pelos chamados neo-noir, os slasher após esgotarem todas as oportunidades renasceram nos anos 1990 e quando o público se entediou novamente, voltaram de forma mais tímida nos anos 2000. Mesmo os filmes de monstros góticos, tiveram um novo surto de interesse nos anos 1960. Ou seja, mesmo que o gênero de super-heróis esteja entediante poderia contornar o problema com uma pausa para descansar o formato.
O problema real não está (apenas) no gênero de heróis, e sim antes de tudo na estratégia que Hollywood usa para fazer seus principais lançamentos. Desde que ocorreu a invenção da mídia doméstica com o aparecimento do VHS, não existe mais tanto motivo para o público ir para o cinema, pois pode esperar para assistir ao filme quando estiver disponível para o lar. O tempo tornou tudo ainda mais cômodo para o consumidor, agora não só é ainda mais fácil, primeiro com DVDS e Blu-ray, e agora com streamings, como o intervalo de tempo do lançamento entre o cinema e a mídia doméstica também é menor.
A resposta de Hollywood a esses desafios foi criar filmes cada vez maiores, focando em atingir todos os públicos disponíveis, com grandes efeitos e orçamentos para torná-los muito chamativos. Esse formato de filme foi chamado na época de blockbuster e ainda que tenha sido uma grande inovação - alguns consideraram uma salvação para o cinema - muitos cineastas ficaram desesperados com sua chegada, vendo neles um estilo que infantilizava o público e diminuía a liberdade dos artistas.
Por mais que o blockbuster fosse um estilo de filme extremamente atraente - suas quase 5 décadas de sucesso provam isso - a grande quantidade de dinheiro necessária para a produção significava que os cineastas não teriam permissão para ousar ou ser autênticos, os executivos não permitiriam riscos com tanto em jogo. A necessidade de alcançar todos os públicos também obrigava que a histórias fossem bem simples, afinal algo muito elaborado poderia não ser do agrado de alguns.
Mais do que isso, o blockbuster é um buraco negro, tem sempre que ser maior e mais caro, os filmes têm orçamentos maiores e maiores. Portanto, os públicos que têm que ser alcançados são também cada vez maiores, não bastam apenas as plateias da América do Norte, agora os mercados globais são importantes para garantir o lucro, muitos filmes já são feitos pensando no ingressos na China. E agora alguns começam também a olhar para os fãs da América latina e África, como os filmes recentes com personagens de origem no terceiro mundo.
E quanto mais o formato do blockbuster cresce, mais suas limitações ficam evidentes, os filmes precisam já começar com uma base de fãs dedicados, por isso é quase impossível iniciar uma franquia nova, ou uma obra independente hoje em dia. Apenas adaptações de sucessos dos livros ou games podem aparecer. O restante tem que ser, obrigatoriamente, sequências. Os produtores querem novas histórias dentro do mesmo universo, não podem inovar para não correr risco, grande parte das novas aventuras apenas repetem o que já tinha aparecido nas obras antigas, o que contribui para criar a sensação de que estão fazendo o mesmo filme há anos ou mesmo décadas.
Mesmo nas series de televisão está se tornando fácil repetir os efeitos especiais deslumbrantes que sempre atraíram os fãs para o cinema. Os filmes parecem estar perdendo sua relevância. Na verdade, os efeitos estão começando a se tornar mais entediantes do que realmente interessantes, já que tudo hoje em dia pode ser feito digitalmente, muitas vezes atores trabalham apenas em frente a fundos verdes. Se todo cenário é construído com computação gráfica, nada nele acaba sendo particularmente chamativo, então o que era para ser um mundo de fantasia fascinante soa como uma simples fase de um game ou episódio de um anime.
O exagero da fuga da realidade representado pelos filmes de super-heróis também atrapalha. Como tudo é possível dentro dos universos dos quadrinhos, nada tem realmente consequências definitivas, pois qualquer coisa pode ser desfeita ou substituída. Assim, mesmo momentos marcantes não têm muito peso dramático visto que podem não significar nenhuma evolução dos personagens nos próximos filmes. É como se, por tudo ser possível nos filmes, nada realmente fosse interessante o suficiente para ser explorado.
Qual seria a solução para o problema dos cinemas? Como em toda crise, identificar os defeitos é mais fácil do que os corrigir. Alguns, como o renomado diretor Steven Spielberg, defendem voltar a realizar filmes pequenos e mais artísticos como foi em épocas anteriores. De fato, o recente filme de super-herói experimental Coringa foi uma surpresa mesmo para os executivos que não contavam com tamanho sucesso. Mas a situação atual dificilmente seria resolvida apenas dessa forma.
Filmes pequenos poderiam não ser o bastante para convencer as plateias a saírem de casa, preferindo esperar a obra chegar aos streamings, além de que poderia ser difícil para Hollywood manter sua superioridade sobre as outras indústrias cinematográficas sem recorrer aos grandes orçamentos. Afinal, o motivo pelo qual ninguém acreditar que filmes japoneses ou europeus são rivais para os americanos é justamente a quantidade de dinheiro envolvido nas suas produções, que deixa as demais obras muito atrás de suas equivalentes americanas.
Alguns mais pessimistas acreditam que o próprio cinema está com os dias contados. Essa é uma previsão difícil de averiguar, já que mídias antigas como o rádio sobreviveram à chegada das novas, apesar do tamanho do estrago causado pela competição. Entretanto, não são realizadas mais adaptações de clássicos ou seriados para o radioteatro como era popular no começo do século XX, pois os filmes e séries de televisão atuais são muito mais interessantes para o grande público. Talvez o mesmo aconteça com o cinema. É possível que sobreviva, mas como coadjuvante de mídias mais jovens e atrativas. O futuro é difícil de prever devido as muitas variáveis presentes. Mas suas primeiras consequências estão começando a aparecer independente do que ainda vai se tornar realidade.