Ainda adolescente me apaixonei por ela! O ano era 1983 e ela estreava nos cinemas com o filme Inocência (dirigido por Walter Lima Jr.). Desde esta sua estreia no cinema nacional me pareceu que ali surgia uma nova musa (ou a minha). Uma musa diferente! Não apresentava a beleza tradicional, sensual e brejeira brasileira como a musa anterior, a grande Sônia Braga. Parecia uma musa meio nerd, não obstante possuísse uma discreta e ingênua sensualidade. Apesar da maioria dos meus amigos não entenderem o que eu via.
Nos anos 80 o cinema nacional parecia produzir mais. Na sequência, em 1985, a vejo em A Marvada Carne (André Klotzel). Uma deliciosa comédia caipira, onde sua personagem passa o filme em busca de um marido e, em paralelo apresenta uma crônica social sobre a migração do campo para a cidade.
Atenção! Estes dois filmes constam da lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos elaborada pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) em 2015. Só o fato de uma jovem atriz ter participado de filmes desta seleta lista já seria um grande feito, mas a atriz ao longo dos anos nos entregou mais.
Então chega Eu sei que vou te amar (Arnaldo Jabor) em 1986 e a Fernanda com apenas 20 anos ganha o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes! Aos meus 17 anos, o filme me pareceu arrebatador. Aquela experiência teatro-cinema-literatura do Jabor, defendida de forma extraordinária por Fernanda e Thales Pan Chacon se apresentava apaixonante. Assisti inúmeras vezes a este filme, além de ler o livro e anos mais tarde presentear a minha namorada que por fim viraria minha esposa.
Muito tempo depois descobri numa entrevista da Sônia Braga que ela teria sido a atriz inicialmente imaginada para fazer este filme. Entretanto, depois o Jabor resolveu escalar atores mais jovens e, por ironia do destino, ela foi uma das juradas de Cannes naquele ano.
Em 1996, num filme que mostrava a migração dos jovens brasileiros para outros países como um dos efeitos colaterais da crise econômica brasileira dos anos 1980/1990, a vejo numa personagem em Terra Estrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas). Particularmente adoro fotografia em preto e branco e neste filme, além da sua beleza, se mostrou perfeita para retratar a angústia, falta de rumo e oportunidades que muitos jovens desta época experimentaram.
Ah! Assisti com uma grande amiga que dormia quase toda a sessão em meu ombro e eu a acordava dizendo que a sua cabeça pesava muito. Isto terminou virando uma eterna brincadeira entre nós. Este filme também está na lista dos 100 melhores filmes brasileiros da Abraccine.
A cena final traz a sua personagem cantando Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão). Outro dia descobri uma entrevista em que a Fernanda relata a sua experiência desconectada cantando a mesma música no programa Altas Horas (Serginho Groisman). Enquanto ela interpretava a canção ao estilo da Gal Costa, o Rappa tocava na versão deles. Hilário! Busquem por Fernanda Torres cantando Vapor Barato no Altas Horas.
Claro que entre essas décadas a vi brilhar em grandes programas de humor na televisão aberta, como a personagem Vani de Os Normais (2001-2003) ou a Fátima de Tapas e Beijos (2011-2015). A vi em algumas peças teatrais e deixei de ver algumas outras, como a Casa dos Budas Ditosos (adaptação do livro do João Ubaldo Ribeiro), talvez a que mais me arrependo de não ter conseguido assistir.
Mas, o mais importante, sempre tive a nítida sensação que a câmera do cinema parece captar por completo toda a sua plenitude de atriz, parece que ali vemos (ou temos a oportunidade de melhor alcançar) cada nuance, cada palavra e expressão corporal possível das suas personagens. Como se a sua atuação e sua imagem encontrasse no cinema o seu melhor veículo. Talvez seja isto ser uma estrela de cinema.
E assim a vemos agora na telona interpretando Eunice Paiva em Ainda Estou Aqui (Walter Salles). O filme é arrebatador, inquietante, daquele tipo de filme que seguimos pensando nos dias seguintes. Não sei quantos prêmios mais a Fernanda ganhará com este filme ou mesmo quantos prêmios este filme ganhará. Nas palavras dela:
O filme já é um acontecimento para a gente. Ele já está no mundo, já é uma porta de entrada para o mundo... Então, assim, o Oscar é muito importante por várias questões, mas também não é a medida de tudo.
Estar numa campanha ao Oscar seria algo inédito para ela? Não! “O que é isso, companheiro?” (Bruno Barreto) de 1997, concorrendo a melhor filme estrangeiro, já a tinha levado para a cerimônia do Oscar. Tenho uma certeza desde meados dos anos 80: a Fernanda Torres é uma das grandes estrelas do cinema nacional e mundial! Se o Brasil tivesse uma indústria sólida do cinema isto já estaria claro há muito tempo!