No presente artigo, proponho-me debruçar sobre a expurgação em MIR – Música de Intervenção Rápida, de Azagaia, pseudónimo de Edson da Luz, rapper moçambicano, falecido a 09 de Março de 2023. Como sobejamente se sabe, Azagaia foi um rapper conhecido por abordar, nas suas músicas, assuntos sociais e/ou políticos de Moçambique, África, e do mundo.

A música em pauta, numa linguagem nua e crua e, principalmente, destemida, denuncia a falta de humanismo por parte da polícia (ou do Estado?), o incumprimento dos Direitos Humanos e o clamor pela justiça num país “considerado” democrático(…)

Ora, se para Evaristo (s/d) “a literatura é o lugar para expurgar a dor do racismo”, o que se pode dizer sobre as outras artes como a música e, concretamente, a em pauta neste artigo?

No pretérito ano de 2013, concretamente no mês de Março, os antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional amotinaram-se no edifício do Conselho de Ministros, para protestar contra o incumprimento das responsabilidades do Estado para com eles (concessão das pensões) e, de imediato, a polícia de elite, a extinta Força de Intervenção Rápida (FIR), foi accionada para intervir, onde os escorraçou, lançou gás lacrimogénio, mesmo sem estes representarem perigo algum.

Em decorrência disto, pela criatividade que caracteriza este artista, para combinar com a designação dos perpetradores destes actos anti-lei, Azagaia lançou a MIR – Música de Intervenção Rápida para a extinta Força de Intervenção Rápida, criticando, sem dó, a polícia, o Estado e/ou governo moçambicano, assim como a então Ministra da Justiça.

Na primeira estrofe da música em pauta, lê-se:

(…) Senhora ministra, cuidado com as palavras
se não fosse o sangue do povo nem sequer governavas
nem falavas em interesse
porque nem sequer haveria Estado
enquanto estudavas Direito, há quem fazia provas de mato
para que fosses conhecida, quantos deles no anonimato
dispostos a dar vida para que pudesses usar um fato?
e agora mandam a Força de Intervenção, né?

A possível indignação que gerou esta afronta expressa pelo sujeito poético e patente na transcrição acima surge porque a então Ministra da Justiça asseverou que “os Direitos Humanos têm que ser sempre respeitados, mas há circunstâncias em que o poder do Estado tem que se sobrepor para acautelar direitos ou valores mais altos” (In Azagaia, 2013).

Em virtude disto, questione-se: que circunstâncias, se, pura e simplesmente, os antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional se serviram do direito à manifestação, que lhes é concedido pela Constituição da República, para manifestarem a sua indignação com relação às pensões que não recebiam?

Aliás, no princípio da última estrofe, o sujeito poético assevera isto, quando diz:

Eu falo em nome da Declaração Universal dos Direitos Humanos
falo em nome da Constituição
que rege os moçambicanos
eu nem sequer sou formado em Direito
mas sei que me manifestar neste país é meu direito

Ainda nesta senda, o sujeito poético endereça duras críticas aos governantes, sobretudo ao partido político no poder, FRELIMO, quando assevera:

Seus mal-agradecidos, não têm coração, né?
raça de políticos, querem confusão, né?
E só confiam nas forças policiais
o povo pede comida e vocês mandam gás lacrimogénio
e depois soltam cães
disparam jactos de água contra os nossos pais e mães
Já vos demos o poder, afinal o que querem mais?
cavar as nossas sepulturas com as nossas próprias pás?

Ora, se para Evaristo (s/d) “a literatura é o lugar para expurgar a dor do racismo”, o que dizer sobre a Música de Intervenção Rápida, que veste a imagem dos combatentes (ou povo?), para expurgar o que lhes corrói?

Por fim, para vincar a expurgação, que acho permear todas as estrofes desta lírica, o sujeito poético, na última estrofe, rebate:

(…) contra polícia violenta, disparo o artigo quarenta
se a lei não representa, eu preparo o oitenta
depois o trinta e cinco, quarenta e oito, quarenta e três
aprendam de uma vez, Estado não são só vocês
ilustres funcionários com interesses partidários (…)

Numa primeira fase, tal como se pode depreender com a transcrição acima, o sujeito poético pretende expurgar a sua aversão à “polícia partidária” (extinta FIR), que, para si, é contra os preceitos constitucionais, que preconizam que a polícia deve ser apartidária, estar ao serviço do povo.

O sujeito poético vai ainda mais longe, quando diz...

(…) perto de exonerá-los por esse tipo de comentários
capaz de provocar uma febre nacional
imaginem se se convocar uma greve geral?
haverá tanta polícia para tanta justiça? Gás lacrimogénio para tanto oxigénio?
haverá tanta água para tanta mágoa?
até quando a ditadura numa nação democrática?

... com o objectivo de expurgar a sua indignação para com a ditadura então (ou até aos dias de hoje?) vivida em Moçambique, apesar de se considerar um país democrático.

Estamos, portanto, diante de uma música de intervenção social que, deveras, expurga, através do sujeito poético, os sentimentos de um povo sofrido, nomeadamente a falta de humanismo por parte da polícia (ou do Estado?), o incumprimento dos Direitos Humanos e o clamor pela justiça num país “considerado” democrático.

Bibliografia

Azagaia (2013), [MIR – Música de Intervenção Rápida].(https://www.youtube.com/watch?v=VtO1uPqnG2Y)
Conceição Evaristo, [A literatura é o lugar para expurgar a dor do racismo].(https://www.brasildefato.com.br/2017/08/12/a-literatura-e-o-lugar-para-expurgar-a-dor-do-racismo-afirma-conceicao-evaristo)