A produção narrativa é livre na essência e na existência ou falta dela… Nos tempos que correm apressados e volúveis, o espaço da criatividade parece cancelado, obnubliado e frequentemente condicionado… E o pior é sê-lo na realidade…

Terríveis tempos os do escriba intermitente…

Tentar exprimir algo nos tempos surfante e eléctricos da escrita a metro, industrializada e condicionada pela urgência vá lá saber-se de quê… implica recuarmos ao silêncio da impossibilidade de, livres os pensamentos, se amordaçar a narração, tornando-a mera funcionalidade quebrada na sua espinha dorsal - a da criatividade…

Estranhos vão sendo de observar os nossos quotidianos cada vez mais extremados do tudo, agora e ao mesmo tempo em que a voragem de tempos tecnológicos, tão frequentemente paradoxais como extenuantes continuam a ser a dura lei das nossa ridículas, porque infimamente curtas existências…

Do diktat editorial do politicamente correcto ao condicionamento político poderá ir uma fracção de segundo… Da ditadura internetiana da vulgaridade comunicativa à solidão vai apenas um curto e álacre passo… e da condicionalidade da expressão à censura ou auto-censura poderemos chegar, num ápice, à ditadura antidemocrática mais generalizada nos tempos que correm lestos por aí… Do extremos dos soundbytes à avalanche comunicacional do sucessivos marketings político comerciais, vale tudo e nada… Do narcisismo fanático à disfuncionalidade acrítica das multidões ululantes, começa a imperar o furioso e agressivo impudor da inumanidade, da barbaridade das guerras ditas culturais…

Tempos difíceis os do escriba intermitente…

Cada vez mais a serenidade ociosa nos é negada, proibida, invejada, vilipendiada ou tão simplesmente cerceada pela imposição do tempus fugit, do mediático memento mori que sucessivamente se transformou no trumpiano e disforme gore ogre do presente…

A calma reflectida, criativa, e por vezes poética, não deixa marcas ou torna-se quase marginal, secando até tantas vezes a vontade de continuar… Qualquer veleidade de desaceleração ou tão somente de dilação no tempo vai-se tornando mirífico sonhar acordado onde, aí sim, a expressividade poética e narrativa ganha primazia e liberdade de expressão real e visível…

Tristes tempos os do escriba intermitente…

Limitado ou condicionado pela já pífia pequenez temporal da vida humana, o ser escrevente desfalece no momento crítico, já não da vontade expressiva, mas ao longo da mesma e quando balbucionadamente se apercebe da volatilidade do espaço tempo que o conduz a esse balbuciar expressivo… E na intranquilidade acrítica e despudoradamente acéfala e sem emoção prevalecente, resvala triste, descoroçoado,tantas vezes para silêncios ocupados com a banalidade dos dias de trevas e nevoeiros vários…

Não ser comunicante, remeter ao silêncio o histórico escravo escriba egípcio, grego ou romano, é bem forma de atalhar a babel em que as tecnologias reinantes dos nossos civilizados dias converteu, hoje, o contexto da criação narrativa…

A crónica dos dias desfalece e é arrastada em favor dos vários discursos de ódio… A retórica da agressão e do insulto prevalece sobre a crónica dos bons costumes, que ora nada valem, por lentos, por esparsos, por divergentes da cacofonia reinante dos porta vozes sinistros, a quem tudo é permitido na insolência persporrente da novilíngua do mainstream dantesco, que promete regressos a grandezas imperiais ou, na realidade, a grotescos czares bárbaros das profundezas mongólicas, (perdoem os pobres e ditos que igualmente são vítimas dos seus feudais senhores)…

Tristes tempos os do escriba intermitente… limitado e constrangido espectador…

Na cacofonia ensurdecedora do já e agora mesmo vivemos como nada mais importasse. Que mesmo a vida importasse para além das guerras destruidoras que vão pululando um pouco por toda a parte Nem mesmo o mais pacato do alienígena em que boolianamente nos vamos tornando se consegue aperceber ou sequer tentar réstia de esperança fugitiva… Uma nesga de esperança e regressar à poesia da narração…

Triste tempos os do escriba intermitente…

Que apenas consegue, dolorosa e esparsamente, coligir sentidas e poucas, pouquíssimas, palavras para expressar a ínfima, mínima dignidade que lhe resta na fúria intempestiva da vida que lhe escorre demasiadamente rápida nas veias, para poder ser vivida nestes tempos de vidas tão intermitentes…

E que do seu silêncio, dos seus silêncios, como de hábito, não reze a história…