O poeta brasileiro Alexandre Melo lançou, em 2014, Desflor, seu primeiro livro de poemas, pela editora paulistana Patuá. Em 2022, publicou As formas claras, seu segundo livro de versos, pela editora Isto edições.
No volume mais recente, os versos guardam algo do olhar místico sobre as coisas, num tom que se mantém presente ao longo do livro. Numa mistura, ao lado da busca pelo transcendente, tem lugar a sedução de outros corpos. Ao apreender a alteridade, o eu lírico revela um modo específico de perceber o mundo e de se misturar à paisagem, a partir de uma voz poética forte e ao mesmo tempo sutil.
Além disso, como apreendem cenas do cotidiano, ler os versos de Alexandre é semelhante, muitas vezes, ao ato de tomar uma xícara de café, acompanhada do silêncio e dos segredos do mundo, como aparece no poema “Afago” – “A mãe faz café no fim da tarde/ Para o filho que foi passar as férias de dezembro/ [...] E entre frases entrecortadas/ Resgatam o mundo/ Embora às vezes mudos”1.
O poeta também é professor, pesquisador e crítico de poesia. Docente adjunto, em nível de Graduação e de Pós-Graduação, na Universidade Federal de Sergipe (UFS), orienta trabalhos de mestrado e de doutorado e atua como editor chefe da revista Travessias interativas. É doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), instituição em que se tornou mestre, na mesma área. Além disso, realizou dois estágios de Pós-doutorado, na Universidade Federal de Goiás (UFG) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
Publicou vários artigos e capítulos de livro, assim como o volume O arabesco, a ampulheta e o veleiro: Orides Fontela, Alexei Bueno e Marco Lucchesi na lírica brasileira contemporânea.
Conversei com Alexandre Melo sobre As formas claras, em uma pequena entrevista, disposta a seguir.
Nos poemas de As formas claras, o eu lírico percebe a natureza, muitas vezes, por meio da contemplação. Como se dá a apreensão poética da paisagem?
A natureza possui as mais variadas formas simbólicas que nos são possíveis de apreender, seja no discurso poético propriamente dito, seja nas falas mais despretensiosas do cotidiano; possui corpo, voz, sensações. É da natureza da poesia essa canalização, esse cruzamento da experiência subjetiva com o mundo natural; é como se a natureza pudesse, com suas formas, dizer o que no poeta é movimento interno.
Fui percebendo que essa relação intrínseca entre o sujeito lírico e a natureza me acompanhava já nas minhas primeiras produções líricas, o que é perceptível no meu primeiro livro de poemas (Desflor, 2014), mas que se aprofundou no último (As formas claras, 2022). A paisagem chega até mim como linguagem de múltiplas combinações; suas cores e seus traços revelam muito de minhas perspectivas, de minhas intuições e percepções, que só podem ser ditas poeticamente. Penso que a paisagem seja como um livro que nos revela, que nos traduz.
As imagens da luz e das formas claras percorrem seu livro. De que maneira a ideia de claridade une os poemas?
Tenho uma propensão para o poema curto, enxuto, conciso. Há, nisso, certa busca pela clareza, pelo essencial, por algo primordial, isento das complexidades (dos objetos e dos conflitos) e dos excessos da linguagem (no sentido da sintaxe reiterativa e dos versos prolongados). Dessa forma, penso que o livro carrega algum sentido do próprio fazer-poético e de sua relação (filosófica) com a apreensão do ser.
Certamente, a imposição de uma claridade latente nos transes do mundo natural carrega ainda um sentido místico, que me é caro; mas não do místico enquanto fuga do mundo, mas enquanto iluminação presente na própria experiência contingente. Sinto que há um movimento incessante de busca pela claridade das coisas, como se pela poesia fosse possível alcançar a clareira que flui das formas do mundo, ou, podemos pensar, como se as coisas pudessem, pela palavra poética, manifestar seu brilho.
Há, em alguns poemas, uma sensualidade sutil. Há também momentos em que os versos se voltam para o místico e o religioso. Como esses temas se ligam, no livro?
Conforme eu dizia na questão anterior, o místico é aspecto central na minha poesia. Não é exatamente uma novidade que a experiência erótica se irmana da experiência mística, há toda uma tradição lírica que atesta tal relação. No meu caso em particular, o tangenciamento do corpo faz parte desse dialogismo com a natureza, tendo em vista que toda a carga sensorial do corpo é manifestação da natureza em suas múltiplas linguagens.
Eu me comunico, em alguns poemas, com o corpo aquecido sob a luz do sol, com as formas nuas do corpo do outro em sua expressão mais genuína, com o prazer decorrente do contato entre os corpos... Há uma busca por esta natureza íntima, onde a própria fala soa como excesso. Acho que é neste ponto que a claridade se encontra com o erótico.
Não há julgamento, quase não há reflexão; há um sentido original que impulsiona as formas físicas (e os versos) a manifestarem sua tendência natural, o que consequentemente me leva às formas mais livres do verso. A sensualidade sutil a que você se refere é como um caminho de volta, de retorno aos sentidos que alimentam toda uma estrutura.
Poderia citar um dos poemas do livro?
Acho que o poema abaixo é emblemático no conjunto da obra, pois incorpora essa projeção (até mesmo sobreposição) das formas claras sobre o mundo:
Formas Claras Noturnas
A noite também produz as suas formas claras:
Há os lampejos espalhados pelo céu de estrelas
Há o brilho prateado como um dorso
Sobre o mar de lua refletido
E os pirilampos entre o vulto das árvores
São clarins passeando
Pelo negrume dos fantasmasAté mesmo a neblina
Descida no espaço invisível
Sobre as serras e as cidades
Produz a sua forma clara
Notas
1 Melo, Alexandre. As formas claras. Porto Alegre: Isso edições, 2022, p. 50.