Talvez nunca como hoje, neste acelerado presente/futuro em processo, se colocam em causa tantas questões no domínio da polis… tantas questões e tantos desafios se estendem perante nós, colectiva e individualmente. Por vezes tragédias tais que dificilmente ainda conseguimos minimamente abarcar conscientemente…

Nestes tempos desvairados, loucos para uns, incríveis para outros, acentuam-se paradoxos e sucessivas crises… Mas e não foi sempre assim na história da humanidade? Só que talvez não nos apercebíamos disso com tanta facilidade!

Cada um de nós enfrenta a decalage de formas muito diferentes, subtilmente diferentes… fortemente importantes no dia a dia e no futuro. No entanto é na “bolha” política onde uma observação mais atenta nos leva a maior insatisfação e espanto… com variações frequentemente entre o ridículo e o cómico.

Na pantalha neonizada surgem os mais diversos protagonistas e as mais impávidas, mas não serenas quixotescas personagens de todos os matizes do arco-íris e de todas as variantes do cinzento… Agora, aos olhos de todos, rodopiam actores políticos para todos os gostos e variedades, num spin off entre o glamoroso e o patético. Talvez apenas vivamos tempos de cóleras várias e vaidades cretinizadas ao sabor dos segundos esquivos nos ecrãs.

O que também é bastante curioso é o regresso à teatralogia clássica da comédia de costumes, à narrativa bufa do burlesco para nosso gáudio, enquanto espectadores, e o terror nítido das personagens que protagonizam os nossos espaços políticos mediáticos…

Desde o surgimento dos media que o drama do mundo político perante o escrutínio popular pós queda do Muro, se tem fortemente acicatado e gerado ainda mais drama, mais para os protagonistas do que para nós, meros observadores. De óperas bufas em óperas bufas continuamos a ver os que desesperadamente se acolitam em seitas mais ou menos radicais, mais ou menos fundamentalistas, narcisistas, demagogas, ditatoriais ou o desespero dos mais tradicionais defensores de valores mais liberais e democráticos que tragiversam incrédulos por entre ondas e marés que dificilmente compreendem ou sequer tentam compreender…

O trágicómico de tudo é a derrota das lógicas lineares e a impante vitória do aleatório que aproveita qualquer brisa para tentar sustentar o poder que, infame, escapa aos mais audazes e prolíficos detentores de soluções à la carte e para todos os gostos…

Entre a profissionalização da política e a bolha mediática nada escapa ao feitiço do tempo que escasseia e a desditosa falta de consistência de pensamento ou projecto político dos que pensam que ainda nos regem nos dias correntes.

Depois as consequências só podem ser as que são: do deslumbramento à desilusão já nem os mais ousados escapam ao protesto, ao encolher de ombros ou à zombaria nos novos teatros da expressão das redes algoritmicamente manipuladas e facilmente enviesadas a pedido…

Por certo que estruturas de pensamento anquilosadas e completamente obliteradas pelo evoluir destes oníricos e estonteantes tempos/espaços já não se conseguem reciclar e obter novas capacidades de abordagem das realidade políticas tão díspares e em crescente obsolescência. Daí o mais do mesmo e o surgimento, de novo, dos salvadores das pátrias que até já não existem… das tentativas de retrocesso a tempos antanhas de domínio e controlo mais facilitado do devir político.

Negativismo, dirão, ou tão somente distracção maldizente opinarão… Nem tanto…

Contudo “e pur se muove”… E a mudança é tão profunda e subtil que acaba por se revelar a cada momento e ocasião, desde a catástrofe à celebração de pírricas vitórias que se esvaziam de forma álacre e sedenta de mais episódios e actores de novas narrativas…

E o que é mais preocupante é o popular de interpretes do caos ou eu… tão antigos como o dictat absolutista e dos tempos de trevas medievas…

Será que não têm mais que fazer do que relesmente copiar integral e preguiçosamente sem pejo a narrativa do tudo ou nada, do nós e eles ou da violência fanática e fraticida?

De positivo fica a crescente e inabalável vontade de seguir em frente, de sobreviver aos cacos deixados por tão inteligentes eminências pardas ou mais coloridas que vão surgindo aqui, em qualquer lugar e ao mesmo tempo…

De progressivo fica a sensação de estarem as nossas sociedades em impagável e imparável salto de mudança gigantesca, agora talvez menos estreitamente cíclica e cada vez mais permanente.

Afinal nada de menos expectável ou já anteriormente prospectivado por tantos com menos pressa ou apenas com mais reflexão consolidada pela observação e o estudo da polis…

Apesar de tudo, mesmo aceitando as inúmeras e evitáveis tragédias que nos vão tentando reprimir o passo, o saldo provavelmente é bem positivo e esperançoso.

Saibamos nós continuar a sorrir dos bufões e a toldar-lhes a arrogância do pensamento único e da vaidade narcótica do poder que julgam ter ou manter às custas de todos os que têm mais humildade, tolerância e vontade de fazer.

Mesmo em fim de estio, aceitemos a beleza outonal que nos esfrie a atração e a atrição da velocidade, procure-se entender este caos que aparentemente nos rodeia e nos assusta, desafiemo-nos a novos caminhos bem mais exigentes e produtivos, mesmo sabendo dos escolhos que encontraremos…

E que consigamos o sorriso perante a comédia de costumes que tantos nos tentam impingir, não esquecendo que bem mais importante e urgente é construir pontes para outras margens, estradas que desbravem soluções e construção de futuros no nosso calcorrear quotidiano destes dias de espanto e choque com a novidade do presente em processo permanente…