Com a proximidade das festas inicia-se, também, a temporada de filmes natalinos para serem disfrutados em família. Eu, particularmente, gosto muito desses momentos: as crianças rindo gostoso, o cheirinho de pipoca quentinha, a sensação de que as tardes de domingo deveriam ser uma constante em nossas vidas.
Tentamos iniciar a nossa temporada assistindo os lançamentos, hoje tão acessíveis graças à inúmeras plataformas de streaming que nos facilitam a magia do cinema. Senti uma pontinha de nostalgia: como era distinto na minha infância...
O elegido da vez foi Natal em 8 Bits1, afinal, este filme atendia nosso critério de seleção: era uma novidade. Por meio de um diálogo entre um pai, na casa dos 40-50 anos, e sua filha, ao redor dos 12 anos, o filme inicia com uma conversa sobre o presente de Natal desejado pela menina. Vocês teriam alguma ideia sobre qual seria esse presente hoje? Acertou quem pensou nos celulares, esses pequenos grandes génios da tecnologia atual.
Rapidamente pensei: que atual esse filme!
Afinal, a grande discussão da maternidade nos dias de hoje parece estar relacionada ao uso e/ou abuso dos aparelhos celulares por crianças e adolescentes.
Por um lado, estamos repletos de evidências de que o uso dos aparelhos smartphones, e seus diversos aplicativos, podem desencadear diversos problemas de saúde física e mental2. Encontramos manuais e mais manuais educativos para pais, mães e familiares visando ensiná-los a como orientar e supervisionar seus filhos em relação ao uso desses equipamentos. Por outro, existem evidências que sinalizam o uso pouco frequente como um recurso que pode facilitar o desenvolvimento de habilidades de comunicação3 e de conteúdos específicos, como os relacionados à aprendizagem de novos idiomas, dentre outros. Entretanto, a argumentação do filme ia mais adiante! Ou melhor, voltava à década de 1980.
Ri, sozinha, alto e forte, quando o pai comentou com a filha sobre como todos nós, crianças e/ou adolescentes, usávamos capacetes para andar de bicicleta naquela época. Seguindo um diálogo repleto de comparações entre as infâncias atuais e as nossas, cujas as informações eram intencionalmente modificadas com a intenção de “ensinar” a filha o que seria adequado, e não contar como de fato fazíamos, o filme segue leve e alegre, e surpreende ao contar a história sobre como o pai ganhou o seu primeiro aparelho de videogame. Ah... a nostalgia apareceu forte durante essa tarde de domingo.
Sem a pretensão de dar spoiler, para mim, o mais interessante foi o modo como o filme retratou a cruzada que havia na época contra esses blocos mágicos que hipnotizavam as crianças e podiam causar vários problemas: violência física e verbal entre as crianças e adolescentes, transtornos de saúde física e mental. Algo bem atual, não?
Desde aquela época, começaram a surgir evidências sobre os malefícios ou os benefícios dos videogames. Tal qual nosso atual debate, o uso moderado parecia ser a chave para obter os benefícios daqueles blocos mágicos. Alguma semelhança com a atual realidade, penso eu, “não” é mera coincidência!
Graças a esse filme, passei uma tarde muito agradável com minha família, e percebi como não podemos negar o avanço das tecnologias. A história de nossa civilização foi construída em uma espiral, cuja a evolução parece ser cíclica, de modo que, na chegada do novo, muitos de nós, já mais maduros, parecem amedrontar-se. Talvez porque o desconhecido cause medo. Talvez porque o novo nos lembre que estamos envelhecendo. Talvez porque a nostalgia nos prenda ao que já vivemos, ao qual julgamos mais valioso e qualitativamente superior.
Em meio a tantos “talvez”, que não pretendo aqui elucidar, fato é que a tecnologia seguirá avançando, quer queira eu ou não. Assim, julgo ser melhor retirar as vendas e enxergar as possibilidades que o novo pode possibilitar. No entanto, sendo coerente comigo mesma, e com outros textos por mim já escritos, há que se buscar a moderação e o bom-senso também quanto ao uso dos smartphones. Também, porque há uma vastidão de outros distratores que podem sugar nosso bem-estar: tablets e videogames, para citar alguns exemplos, também requerem uso moderado e supervisão de um adulto responsável. Redes sociais não são recomendadas antes dos 16 anos.
Com bom-senso, digo rapidamente a qualquer criança que me pedisse um celular de presente, um grande e sonoro: não. Afinal, para que ela necessitaria de um se está sempre acompanhada de um adulto responsável? Para um adolescente, quem sabe? A depender das circunstâncias pode ser útil, desde que um adulto se faça responsável e supervisione a frequência de uso e os conteúdos acessados.
Agora, quiçá o ápice do filme seja o final, o momento em que o pai revela como conseguiu o seu primeiro videogame. Não vou aqui revelar, mas penso que esse ponto pode ser um dos diferenciais mais fortes entre as gerações da década de 80 e as atuais. Almejar, esperar, esforçar-se para conseguir e, então, valorizar o êxito!
Que neste Natal nossas crianças e adolescentes possam ganhar, mesmo que por algumas horas, o presente natalino mais valioso que há: nossa presença. Que sejamos inteiros e estejamos presentes nos momentos em que vivenciamos junto aos nossos queridos.
Notas
1 Natal em 8 Bits (2021). Direção: Michael Dowse. Estados Unidos: Warner Bros. Disponível em Max.
2 Tecnologia e Educação: Ciências, computação (des)plugada e pensamento computacional na educação de crianças de 4 a 10 anos. Cadernos CEDES [online]. 2023, vol. 43, no. 120, pp. 2-4 [viewed 19 June 2023].
3 Casanova, Daniela Couto Guerreiro; Azzi, Roberta Gurgel, Neto, Rogerio Gomes; Vinha, Telma Pilleggi; Tognetta, Luciene Regina Paulino (2019). Interação social na escola: internet e autoeficácia. TSC em Foco, 7, p. 6 16.