Ler é construir sentidos a partir de informações contidas na superfície do texto. É preciso ressaltar que o sentido dos textos não está apenas na superfície. Nos textos verbais, as palavras funcionam como input para a construção do sentido. Em outros termos: os sentidos vão além das palavras expressas na superfície.
Na ato da leitura, agregam-se conhecimentos de várias ordens além do linguístico, tais como o conhecimento enciclopédico e o interacional. Essa é razão pela qual leitores diferentes constroem sentidos diferentes para um mesmo texto e um mesmo leitor também constrói sentidos diferentes para um mesmo texto quando faz uma releitura. Outro fato deve ser ainda lembrado: o autor não coloca no texto todas as informações, pois há saberes que considera compartilhados e que, portanto, não precisam ser explicitados, pois espera que o leitor infira esses saberes.
Muitos dos problemas de leitura decorrem do que se convencionou chamar de literalismo. Literalismo, como o nome indica, significa leitura literal. Nesse tipo de leitura, o leitor atém-se exclusivamente àquilo que está escrito no texto e deixa de perceber sentidos que estão no texto, mas não explicitados. Isso ocorre porque muitos leitores acreditam que o sentido dos textos é dado apenas pelo componente verbal, isto é, pelas palavras usadas no texto e pela forma como estão combinadas. É fato que o sentido decorre das palavras e da forma como estão relacionadas nos textos, no entanto as palavras podem estar sendo usadas em sentido diverso do literal.
Na construção de sentido de textos verbais, o leitor tem de levar em conta não só os componentes semânticos, o significado das palavras, e o sintático, a forma como estão combinadas, mas também o componente pragmático.
O componente semântico é dado pela relação das palavras com o mundo, para aquilo que as palavras apontam. Saber que a palavra triângulo designa uma figura geométrica que possui três ângulos é um conhecimento que diz respeito à semântica. Ocorre que nem sempre as palavras estão empregadas em sentido próprio, o chamado sentido denotativo. Quando alguém diz que está vivendo um triângulo amoroso, a palavra triângulo não designa evidentemente uma figura geométrica de três ângulos, ou seja, o sentido em que está empregada não é o denotativo, mas o conotativo, aquilo que ela sugere em decorrência de uma semelhança.
Quando, nos versos de conhecido samba, Paulinho da Viola diz “Foi um rio que passou em minha vida”, a palavra rio, evidente não está empregada em sentido denotativo, mas conotativo. Cabe ao leitor, “descobrir” esse sentido sobreposto ao sentido original.
Há casos ainda em que se diz uma coisa para significar o contrário do que se expressa. É o que ocorre quando alguém diz, por exemplo, seu desempenho foi ótimo para dizer que o desempenho foi péssimo. O que parece ser um elogio é na verdade uma crítica. Na passagem do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em que o narrador se referindo à sua primeira namorada diz “Marcela amou-me durante onze meses e quinze contos de réis”, há um sentido implicado que vai além das palavras expressas, qual seja, que Marcela era altamente interesseira.
Há conteúdos não explicitados no texto, mas que estão pressupostos. Nesses casos, há alguma pista linguística no texto que permite inferir esse conteúdo pressuposto. Numa frase como Ivan parou de fumar, está pressuposto que Ivan fumava anteriormente. A pista que leva ao conteúdo pressuposto é o verbo parar: se ele parou de fumar, está pressuposto que ele fumava anteriormente.
O componente sintático diz respeito à combinação das palavras. Mesmas palavras combinadas de formas diferentes produzem sentidos diferentes. Compare: O caçador matou o tigre e O tigre matou o caçador. As palavras são exatamente as mesmas, mas o sentido é completamente diferente. Na primeira, quem exerceu a ação de matar foi o caçador. Na segunda, quem exerceu a ação de matar foi o tigre e o caçador é quem morreu.
Adjetivos caracterizam substantivos, mas, dependendo da posição que ocupam, antes ou depois do substantivo, acarretam mudança de sentido: um alto funcionário é diferente de um funcionário alto; um grande homem é diferente de um homem grande, um carro novo é diferente de um novo carro.
O componente pragmático diz respeito à relação das palavras com seus usuários. Nesse caso, o sentido é dado pela situação comunicativa. Imagine a seguinte situação: o funcionário chega muito atrasado para um reunião com a diretoria da empresa e, ao entrar na sala, diz simplesmente: o trânsito hoje está horrível. Evidentemente, essa pessoa não quer informar aos demais as condições do trânsito naquela manhã, mas simplesmente apresentar suas desculpas pelo atraso.
Placas sinalizadores de tráfego, para serem legíveis, economizam palavras. Uma placa numa rodovia com os dizeres “Pare fora da pista”, evidentemente não comporta uma leitura literal. O que a placa diz está além do que está escrito. O conhecimento de mundo que motoristas usuários de rodovias têm os leva a ler a placa assim: “Em caso de pane no veículo, pare fora da pista” ou “Em situação de emergência, pare fora da pista”.
Concluindo, a leitura de textos verbais implica perceber sentidos do texto que não estão explicitados por palavras.