Ao longo deste verão, fui tomada por uma onda de transformação que redefiniu a direção dos meus passos e o ritmo do meu dia a dia. Após 26 anos vivendo no mesmo apartamento, senti o chamado para algo novo, uma pulsação interna que já não me deixava permanecer onde eu estava. Essa decisão – a de dizer "sim" a um novo projeto de vida e abraçar a mudança – me convidou a refletir sobre o ritmo imposto pela transformação e sobre a coragem necessária para nos lançarmos a ela.

Enquanto algumas pessoas encontram sentido e segurança vivendo a vida inteira na mesma cidade, no mesmo trabalho e ao lado dos mesmos parceiros, percebo que a minha natureza, apaixonada pela dança e pela terapia dos movimentos, me convida a explorar a mudança. E não é uma questão de ser melhor ou especial; trata-se de reconhecer que minha profissão e minha própria busca me levam a estudar o movimento interno que se reflete no externo. Para mim, o autoconhecimento passa pelo corpo, pelos ritmos e símbolos que expressamos fisicamente e que nos ajudam a decifrar as transformações que se movem dentro de nós.

Movimento: o impulso da vida

Qual é o ritmo da mudança?

O ritmo da mudança é caos: forte, destemido e arrebatador. Ele nos tira da zona de conforto e nos joga fora da rotina segura, onde nossos rituais diários ancoram o corpo e a mente. Nessa transição, eu abri mão da minha vida de solteira, com todas as suas manias e a liberdade de não ter ninguém com quem compartilhar a própria sombra. Mudar de casa foi também um adeus profundo, marcado pela despedida da minha gatinha, minha companheira e anjo da guarda, que se recusou a seguir comigo e deixou este mundo, como se anunciasse a intensidade dessa transformação.

Neste artigo, quero explorar a coragem necessária para ouvir o chamado da mudança, o ritmo que ela impõe em nossas vidas e o poder do movimento como instrumento de autoconhecimento. Desprender e levar: o processo de escolhas e renovações

Me deparei com um dilema profundo: o que desprender e o que levar comigo? Após 28 anos de vivências acumuladas em um único espaço, abri caixas que guardavam memórias, lembranças e emoções. Cada objeto me conduzia a uma história, e cada história, a uma parte de mim que, de alguma forma, ainda estava ali, marcada no meu corpo e nas minhas lembranças. Ao abrir essas caixas, encontrei não só objetos, mas sentimentos que precisavam ser revisitados, alguns para ser curados, outros para ser transformados ou simplesmente deixados para trás.

Esse processo de desprendimento não foi imediato; ele levou alguns meses e passou por momentos de tristeza, alegria, alívio e renovação. A cada caixa, fui fazendo uma seleção cuidadosa do que realmente merecia um espaço na minha nova casa. Foi necessário desapegar, dizer adeus e perdoar histórias passadas. Esse “caminhão” de lembranças, que carregava um apartamento inteiro de memórias, se transformou em lixo, mas também em cura. Descobri que, ao abrir mão de certas partes do passado, estou também me abrindo para uma versão mais leve de mim mesma.

A escolha do que levar para o novo lar se tornou um ato de amor e propósito. Coisas que representam harmonia, beleza, ideias e planos ganharam espaço. Trouxe comigo o que me define verdadeiramente: minha energia, meu ritmo, a dinâmica de vida que me impulsiona. As dores, fracassos e histórias que não puderam ser consertadas ficaram para trás, liberando espaço para que a minha nova casa receba o que me faz bem.

Desprender pode doer no início, mas é também um anúncio de um novo tempo, talvez mais leve e sábio. Estou levando o que me representa: meus cantos, flores, livros e a disposição para renascer em um novo espaço.

Minha Jornada: mudança e metamorfose inspirada na ‘Jornada do Herói’

Ao encarar uma transição tão profunda, busquei um paralelo para compreender melhor minha própria trajetória e dar aos meus clientes uma visão clara do meu processo interno. Foi na Jornada do Herói que encontrei a energia e a resiliência para lidar com esse momento tão intenso de mudança, com toda a potência arquetípica que ele envolve. A mudança de casa após 27 anos, o noivado aos 61 e o nascimento de um novo projeto profissional talvez, não têm nada de incomum por si só, mas, ao mergulhar nesse processo, percebi que ele reflete os estágios da transformação descritos na Jornada do Herói.

Esse arquétipo é poderoso por sua universalidade; ele nos convida a explorar os ciclos de transformação que cada um de nós enfrenta ao longo da vida. Na Jornada do Herói, enfrentamos desafios, resistências e superações que nos levam, inevitavelmente, a uma metamorfose. Essa estrutura – um mapa universal que orienta heróis e visionários – é o que tem me inspirado a trilhar esse novo caminho com coragem e abertura.

A ‘Jornada do Herói’ na vida cotidiana: o retorno com o elixir

Quando se recusa ouvir o chamado da mudança?

Essa mudança foi anunciada de forma abrupta, poucos dias após meu retorno de férias com minha filha. Fui recebida por um cenário inesperado de caos: os voluntários que faziam parte do meu time, pessoas em quem confiava para manter a harmonia do ambiente, acabaram se desentendendo, criando uma onda de confusão e emoções negativas. Minha casa, que até então era o nosso templo – um espaço de amor, paz e harmonia – havia se transformado em um verdadeiro tsunami emocional. Confortável? Nem de longe. Mas, no fundo, eu compreendia o que estava acontecendo: essa era a força do universo agindo, talvez para me fazer enxergar o que eu vinha adiando.

Aprendi que, quando negligenciamos certas decisões, o universo pode intervir e tomá-las por nós. Foi assim que essa mudança aconteceu, quase como uma mensagem: eu precisava deixar o conhecido para explorar um novo caminho, repleto de possibilidades de crescimento e transformação. Agora, ao olhar para trás, posso ver com orgulho a onda que surfei, mesmo com algumas quedas. Cada tropeço e cada acerto fazem parte de uma jornada que agora reconheço como essencial.

Esse momento também me fez entender mais profundamente a Jornada do Herói e o quanto ela se conecta com a vida cotidiana. Enfrentar os desafios com coragem e propósito permite que vejamos cada mudança como uma oportunidade de metamorfose. Na Jornada do Herói, o protagonista passa por provas e retorna transformado, trazendo consigo um elixir – a sabedoria adquirida ao longo do caminho. Não há como ser o mesmo após essa travessia, e essa jornada representa uma oportunidade de expansão para além do que imaginamos ser possível.

Hoje, ao escrever este artigo de um lugar tão vitorioso, sinto que carrego comigo esse elixir: a experiência de ter enfrentado a tempestade e de ter saído dela mais consciente, mais forte e renovada. A cada novo desafio, somos convidados a renovar nossa visão de vida, a explorar nosso potencial e a abraçar a aventura com coração e determinação. Como heróis e visionários, a jornada nos leva de volta ao mundo – prontos para inspirar, transformar e compartilhar o que aprendemos.

The Hero’s Journey […] the birth of a new person with new self-knowledge and self-awareness can be extremely liberating.

(Julie Willans)

Essa estrutura – um mapa universal que orienta heróis e visionários – é o que tem me inspirado a trilhar esse novo caminho com coragem e abertura.

Sou da área de dança, e longe de ser escritora, mas arrisco algumas palavras para compartilhar pensamentos que me tocam profundamente. A dança me ensinou a apreciar as dinâmicas, os ritmos e os encontros que dão forma à nossa existência. Convido você a olhar com atenção para o mapa da mudança com arquétipos, que traz reflexões sobre as fases da vida e os papéis que assumimos ao longo dela.

Mais encantador ainda é se comunicar através dos símbolos da mudança. Eles falam de transformação, renovação e ciclos, assim como a dança fala sem precisar de palavras. Cada símbolo carrega um movimento, uma essência que ressoa com quem somos e com quem estamos nos tornando.

Assim, deixo este convite: que possamos perceber as mudanças e seus símbolos como partes de uma grande coreografia, onde cada passo, cada pausa, cada giro nos leva a novos caminhos e possibilidades. Afinal, a vida é, também, uma dança.

Os símbolos da mudança são poesia visual, e prestar atenção a eles, é reconhecer que a vida pulsa com significados profundos. Assim como na dança, o mapa da mudança e seus arquétipos nos mostram que cada fase tem seu movimento único, suas pausas e acelerações, formando uma coreografia contínua da transformação.

Grata por este diálogo. Que seus passos continuem a desenhar caminhos repletos de mudanças significativas e símbolos vivos.