Todos os anos milhares de peregrinos movidos pela sua vontade e querer, rumam a Fátima, com o objetivo de lá chegar. A própria peregrinação incorpora elementos distintivos de cada pessoa que se vislumbra a embarcar numa viagem a pé até à cidade de Fátima, onde, em 1917, três pastorinhos afirmaram ter visto aparições da virgem maria, situadas numa zona chamada Cova da Iria. As aparições sucederam-se consecutivamente durante os mais cinco meses seguintes e, portanto, estamos perante uma das maiores peregrinações marianas e com toda a envolvência que dignificamos ao culto de Nossa Senhora de Fátima.
Podemos aferir que o fenómeno pode ser entendido como cultural, visto que nós, os portugueses incorporamos e manifestamos sentimentos e devoções na hora de visitar ou peregrinar até ao santuário. Todo o conjunto de fatores que determinam e convergem para uma ideia de vir a ser peregrino prendem-se com um facto cultural, disseminado pela religião claro está e por toda a história da criação santíssima e do vasto lastro da dimensão explicativa.
Sentimos, desejamos, ansiamos, falamos, choramos e reconciliamos no caminho da fé, seja esta entendida pela sua múltipla aceção no que diz respeito à prática cultural a que nos vamos aqui petitando. O turismo religioso soube e saberá acautelar a sua matéria instintiva, graças sobretudo ao dom gratuito que nos elevamos e que pode concorrer com ele para a prática do bem, com a participação do homem na vida divina, podendo integrar-se uma só vez. Mobilizados num prisma cultural, foi este o motor potenciador para que aqui se possa amadurecer o testemunho enquanto peregrino da fé e conterrâneo de um dos maiores grupos nacionais a rumar todos os anos ao santuário mariano de Fátima.
Retirando múltiplas elações do que se veio a traduzir cada dia, cada hora, cada minuto, com reflexo sobre cada passo dado no momento de convergir e discorrer relativamente ao que no entendimento podemos hierarquizar o convívio, a descoberta, a aventura, o desafio, a fé podendo ser entendida como a confiança, um compromisso, ora como uma crença recheada de virtudes.
Ao longo do trajeto, aquele que a natureza nos brinda, complementada pelo seu meio ambiente oferecendo paisagens únicas, capazes de colocar o peregrino num andamento mais pausado (lento) em paralelo com os signos que se possam vir a avistar nas estradas e nos caminhos nomeadamente na grande rota do Zêzere. Os motivos serão plausíveis na hora de nos questionarmos ao fazermos cinquenta quilómetros num dia e com poucas horas de descanso. De facto, podemos aqui eclodir a promessa de cada pessoa que se difunde por cada instante que possa aparecer menos fortuito ora versus desiderato, permeando sempre a causa ou a justificativa.
Quero aqui salientar o poder de caráter incentivador e protetor dos peregrinos na eximia ajuda em ocasiões mais dificultadas pelo piso acentuado ora por fraqueza (debilidade) de faculdades físicas, motoras ou psicológicas. Acima de tudo a relevância que nos favorece o contexto geográfico, dada a sua pertinência com a sua flora, no decorrer do caminho em forma de trilha, encontramos com algum teor de abundância “serpão”(Thymus pulegioides) planta esta existente em Portugal, com caules prostrados e lenhosos, folhas pequenas de formato oblongo e inflorescências em espiga com pequenas flores purpúreas, sendo utilizada para fins medicinais e como condimento, também conhecida por erva-ursa, serpil, serpilho, tomilho-cabeçudo, entre outros nomes dependendo da região onde se aflora.
Notórias são as semelhanças e aproximações aquando nos deparamos com a ligação à erva aromática que é colocada no brulhão confecionado em Vales do Rio. Ao longo da peregrinação pude descortinar algumas reflexões com as quais me fui declinando, aproximando e familiarizando de considerações que doravante passearei a elencar. Marcado por uma experiência profundamente significativa para muitas pessoas, proporcionando um ensejo para momentos de reflexão espiritual e conexão com a fé. Para alguns, é uma jornada única na vida, enquanto para outros, é uma prática anual ou regular de devoção, reiterada pela via cultural.
O que pode mover uma pessoa ir a pé? Ou o que move um peregrino? São diversas as razões ou tentativas de explicação para justificar comportamentos e atitudes na hora de tentar definir a moção que nos entoa e difunde para uma devoção religiosa como a peregrinação a pé transpondo uma forma de expressar a sua devoção numa oportunidade de se aproximar espiritualmente de Deus ou da divindade em que acreditam. Outros podem escolher percorrer longas distâncias a pé como uma forma de penitência ou expiação de pecados. Colocam uma oportunidade de se purificar espiritualmente e de procurar perdão junto da missão e do objetivo que os mobiliza, podendo aqui conter sólidas fasquias de catarses noutras instâncias.
Noutros casos, os peregrinos fazem uma promessa, passando por cumprir essa aspiração como forma de demonstrar gratidão e devoção. A procura de significados para muitos peregrinos representa uma devassa por sentidos e propósitos de vida. A peregrinação como uma oportunidade de se desligar das preocupações do mundo cotidiano, refletindo sobre questões mais profundas e encontrando clareza em relação aos seus valores e crenças.
A peregrinação a pé é uma experiência única que envolve desafios sobre as faculdades físicas quanto psicológicas. Para alguns peregrinos, a peregrinação a pé significa uma oportunidade de testar ou colocar à prova os seus limites físicos e de superar obstáculos, ao mesmo tempo em que fortalecem e robustecem a sua fé. Resultante de uma osmose cultural entre peregrinos e nossa senhora, podemos ainda absorver a característica sagrada que nos aparece aqui como algo em que não se pode tocar, ou seja, não pertence a ninguém, isto é dizer que que não pode ser introduzido, o sagrado assimila-se, existe, portanto, uma assimilação. É visto um sentido aprofundado da dimensão humana, acentuada com a resultante do símbolo ou atributo.
Sobre o nosso posicionamento na paisagem, ela terá vários ângulos e raios sobre o que se pode redigir sobre o critério assimilado. As ordens de conhecimento fé/razão postulam a crença na acreditação unívoca e unilateral, no impacto esperado, deturpado ou enviesado, e na subversão (deturpação) a que nos propomos, perfazendo a religação de berço a que nos conduziu sobre um vínculo cultural que lhe está adjacente.
O culto peregrino pode ser entendido como uma religação pressupondo uma dotada variação e profusão de significados na estratificação diferenciada de amplos sentidos, aos quais lhe quisermos mensurar compondo no ponto de vista: Crença existencial motivada numa força superior; Convicção de vida humana dependente do divino-objeto; Obrigação e reconciliação sagrada; Desígnio ou intento por respeito e dedicação absoluta; Cerimónia de veneração da divindade congratulando o ritual ou liturgia; Sistema de conjuntos apetrechados de valores, símbolos e doutrinas sobre um plácito ou comprometimento de cada ser.