A obra O retrato de Ricardina (1868), de Camilo Castelo Branco (1825-1890), mostra em seu enredo como a sociedade portuguesa no século XIX não dava às mulheres os mesmos direitos dos homens. A trama descreve um período de transição entre o absolutismo e liberalismo, o que ocasionou muitos conflitos. O livro indica aspectos vivenciados por gerações femininas com atitudes e jeitos diferentes do comportamento que era esperado para elas. Algumas delas se submetiam à ordem patriarcal e outras não, ainda que elas sofressem opressão da sociedade. Não era opção fugir dos costumes da época, todavia, elas tentavam encontrar maneiras de reagir ao sistema controlador.

Ricardina é dona de uma primorosa beleza, qualidade que se repete em várias passagens do texto camiliano, além de atestada por outras personagens e pelo próprio narrador. Interessante é que essa imagem de beleza e formosura é focalizada sempre em relação a um mesmo tempo – a adolescência –, de modo a parecer que a personagem vence as intempéries da passagem dos anos, como ressalta o narrador: “Aos trinta e três anos, D. Ricardina Pimentel, formosura inquebrantável a golpes de paixões tantas e tão variadas, esteve a pique de morrer de enfermidade do coração...” .Ou, ainda, como observa a sobrinha Matilde ao ver a tia “tão nova e bonita”, a ponto de não lhe dar mais que 30 anos.

Nesse aspecto, o texto deixa ver os arroubos românticos: se a heroína fosse vítima da morte seria por razões do coração, morte de amor e não de enfermidade física. É essa imagem de Ricardina, a imagem perfeita da mulher amada – bela e formosa – que Bernardo parece querer fixar quando pinta seu retrato, tal como a conheceu: “(...) o pintor, à luz da noite, e nas madrugadas convidativas da inspiração, espelhava o coração na tela, reproduzindo quási sempre as poucas variantes do mesmo motivo... Esta criança, sempre a mesma e inalterável na fidelidade das feições angélicas, era Ricardina”.

Esse retrato pintado, Bernardo levava-o ao peito (note-se o duplo sentido) guardado em medalha de ouro da qual nunca se separou.

Outras escassas caracterizações de Ricardina ao longo do relato apontam para uma personalidade reta e um caráter angelical, entrevistos na “mais doce alma”, na sua “extrema bondade”. Além disso, ela é focalizada por Norberto como o “anjo salvador da sua fidelidade”... ou mesmo denominada santa pelo narrador, para quem a santificação está reservada àqueles que experimentaram grandes agonias e dilacerações emocionais a ponto de desejarem a morte sem, portanto, serem vencidos por ela, como é o caso de Ricardina.

Ricardina representa uma geração feminina que sofria com a opressão da sociedade. Ela escolheu ir para um convento ao invés de se casar com alguém que não queria, fugiu do convento com seu amado, de quem engravidou. Ela foi para o Brasil com uma senhora que lhe ofereceu abrigo, já que não tinha o apoio da família, e sofreu perseguição de seu pai em grande parte do livro. No século XIX as mulheres não tinham o mesmo direito que os homens e, às vezes, o destino delas não era feliz. Nessa primeira fase, as personagens femininas de Camilo mostram a falta de autonomia e a dependência da família e do marido. O fato de que as moças ricas tinham que se submeter ao casamento forçado, arranjado pelo pai, ou do contrário seguir vida religiosa no convento, mostra marcas do absolutismo na época.

Último livro publicado em vida pela autora, em 1816, Emma é considerado o mais criativo de Jane Austen. Nas palavras de Ronald Blythe, é “a mais feliz das histórias de amor, a mais diabolicamente difícil das histórias de detetive e uma enciclopédia incomparável de humor inglês”. A protagonista é apresentada nas primeiras linhas como “bonita, inteligente e rica”. A partir dessas características, Austen desenvolve uma personagem orgulhosa, dona de um humor mordaz, mas, também, bem-intencionada e afetuosa.

Num mundo de brilho, cortesias e humor refinado, em Emma vemos o matrimônio como uma espécie de redenção que lava todas as manchas: ilegitimidade, pobreza, dependência, solidão. Vemos, ainda, mulheres mais escolhidas do que aptas a escolher, à mercê de um mercado matrimonial que vai pesar do seu nascimento à sua aparência e à quantidade de libras que possui. De um único passo crucial, o casamento, dependerá desde um quotidiano razoavelmente feliz até o conforto material de uma mulher.

Isso inclui a protagonista, embora Emma seja privilegiada, em certos aspectos, se comparada às companheiras. É a sua independência, que lhe permite fazer algo tão temerário quanto desdenhar do casamento, resulta de circunstâncias fortuitas: a fortuna da família e um pai que, embora castrador em seu amor egoísta, é complacente com os caprichos da filha. Ainda assim, Emma demonstra estar ciente das limitações que cercam seu sexo.

A falta de uma crítica contundente, nos livros de Jane Austen, ao papel reservado às mulheres, não torna sua obra menos digna de atenção. A autora foi uma espécie de cronista do dia a dia, das preocupações e das agruras de suas contemporâneas.

O que une ambas as heroínas e os seus criadores?

O contexto épocal: século XIX. O papel da mulher nessa mesma sociedade e a função do casamento como solução para qualquer mal familiar; pecado original ou económico...

Retratos de um Feminino racional e emocional, que desafia orgulhos e preconceitos, de um Feminino libertador e agente do seu próprio destino que apontam para um caminho hermenêutico-ético, para a evolução pessoal do sujeito e transformador da própria moral vigente.

Tanto Ricardina quanto Emma, com os seus dilemas, escolhas e reflexões, são representações magistrais de mulheres que desafiam as normas sociais de suas épocas, personagens que continuam a cativar e inspirar leitores ao longo do tempo pela sua complexidade, inteligência e determinação em moldar seus próprios destinos.