A comunicação humana é algo de grande riqueza, que vai muito além das palavras. Nosso corpo também fala, emite sinais e gestos, mesmo os mais simples e sutis, que podem carregar significados profundos.

Em algumas situações, apenas um levantar de sobrancelhas ou um tamborilar de dedos na mesa pode ter um alcance muito revelador. Outras vezes um piscar de olhos, um coçar de cabeça ou um gesto das mãos pode dar precisas indicações a um observador atento.

Quantos amores começaram sem nenhuma palavra, apenas com um rápido olhar cruzado, quantas inimizades só com um virar de rosto, um dar de ombros ou um dedo em riste. Sinais sutis na comunicação humana podem ser grandes quanto ao impacto nos sentimentos alheios.

Recordo que, certa ocasião, ingressei numa empresa, animado e feliz como qualquer um no primeiro dia de um novo trabalho. Fui então apresentado ao colega com quem dividiria a sala da assessoria de um diretor. Ao apertar minha mão, ele o fez muito brevemente e desviou o olhar. Percebi ali que não me considerava bem-vindo, provavelmente porque até então reinava sozinho na função. Resolvi apenas registrar esta percepção e agir normalmente, sem julgar o livro pela capa. Preferi acreditar que o passar do tempo e o conhecimento mútuo nos permitiria superar qualquer diferença.

Nos primeiros meses conversávamos muito pouco, apenas o essencial, com educação e sem aproximação. Notei que ele costumava ir à sala do diretor logo no início da manhã e decidi optar pelo horário da tarde, para não haver competição.

Passados uns três ou quatro meses as coisas já caminhavam melhor. Ele percebeu que tratávamos de assuntos bem distintos, sem nenhuma interferência. Deve ter notado que seu trabalho não sofreu alterações devido a minha chegada e foi ficando mais tranquilo. Certo dia, pasmem, chegou a sorrir e contar um breve caso ocorrido na hora do almoço. As coisas estavam melhorando.

Até que um dia de manhã, após sair da sala do diretor, estava exaltado:

— Esse sujeito é insuportável!

Surpreendi-me, pois ele nunca havia feito este tipo de comentário.

— O que foi? — indaguei.

— Essa pessoa. É insuportável! — repetiu apontando a porta da sala do diretor.

Calei-me. Não compreendendo o que ocorria achei melhor optar pelo silêncio.

Ele continuou:

— Todo dia é essa estupidez. Que humor de cobra!

— Mas o que houve?

— É todo dia isso! Só grosseria. Eu dou bom dia e ele responde de cabeça baixa, sem tirar os olhos do papel. Quando eu me sento à frente dele, olha irritado e pergunta o que foi, como se eu estivesse incomodando: estou trabalhando! Começo a falar e me interrompe, sempre impaciente. No fim não resolve as coisas direito e às vezes ainda eleva a voz.

Aquilo tudo foi para mim uma surpresa, pois os meus encontros diários com o diretor vinham sendo muito diferentes. O sujeito ria pouco, era firme e rigoroso, mas sempre educado e até gentil.

Concluí que meu colega era desatento a esta linguagem silenciosa, além das palavras. Os sinais estavam ali, evidentes: ele recebia, mas não percebia!

Talvez o mesmo ocorresse com os sinais que ele emitia, como fez quando fomos apresentados. Era um tipo de cegueira que achei melhor abdicar de tentar resolver, até pela pouca intimidade que tínhamos.

Aparentemente ele só prestava atenção ao que ouvia, mas não ao que via. Ora, aquele “bom dia” sem levantar os olhos era um sinal vermelho: ao não respeitar o sinal e seguir adiante, meu colega sofria uma pesada carga de multas decorrentes da infração.

— Já experimentou voltar da porta quando ele estiver lendo? — tentei.

— Não é isso. Ele é grosso mesmo! E eu tenho que resolver os assuntos logo na primeira hora da manhã — insistiu.

Trabalhei ali por mais um ano, vendo aquele drama repetir-se periodicamente. A cegueira era mesmo incorrigível.

Tempos depois, mudei de área e passei a trabalhar sob as ordens de outro diretor. No primeiro dia que conversamos, o novo chefe me orientou:

— A sua área é a de maior prioridade. Pode entrar na minha sala a hora que quiser.

Naquele momento achei que tinha sido uma frase apenas para me dar confiança.

No dia seguinte, pelas quatro da tarde, fui fazer o teste: passei direto pela secretária e abri a porta daquele gabinete tão solicitado. Ele estava escrevendo, de cabeça baixa. Ao perceber o movimento na porta fez uma breve pausa e levantou os olhos: quando me viu, pousou a caneta no ponto em que se encontrava e mandou-me entrar. Aquele largar da caneta me conquistou.

E assim foi todas as vezes que a cena se repetiu.

Nunca mais trabalhei com alguém que fizesse isso. Um gesto mudo e simples, porém mais representativo que quaisquer palavras. Foi um dos melhores períodos da minha vida profissional.

Concluo contando o ocorrido com meu amigo Lourival, que visitava a cidade de Veneza com a família. Numa tarde, foram à famosa ponte de Rialto, construção de muita beleza e intenso comércio. No passeio, este amigo viu uma camisa com um desenho de Leonardo da Vinci e encantou-se com a peça. Aproximou-se, mas o vendedor estava dando atenção a uma senhora que muito perguntava e nada comprava. O tempo foi passando e, como é sabido, paciência de turista é mercadoria escassa.

Atingido o limite da tolerância, Lourival resolveu pegar a peça e estender ao vendedor, esperando que ele fizesse um rápido desvio de atenção da tal senhora para realizar a venda líquida e certa. Ledo engano: o vendedor espalmou a mão em sua direção, em sinal de espera e proferiu algumas palavras em italiano, apontando para a senhora. Aquela palma de mão machucou Lourival. Foi quase um tapa. Ele fez a cara mais feia que conseguiu, largou a camisa no balcão e virou as costas.

Ao retornar sua mulher perguntou:

— Não comprou a camisa?

— Não!

— Por quê? Você queria aquela estampa. Não tinha o seu tamanho?

— Tinha. Mas o vendedor é um estúpido. Vamos embora!

Já tinham caminhado uns 100 metros quando ela, conhecendo bem o marido, propôs:

— Quer que eu vá lá comprar? O vendedor não vai saber que é para você.

Ele aceitou na hora.

Dizem que as palavras podem ferir mais que as ações. E o tom mais que as palavras. Acho que os gestos também.