Paris, 18 de agosto de 1572.
Palácio do Louvre.
Sala de Cariátide.
O príncipe, Henrique de Navarra (1553-1610), protestante, contrai matrimônio com a princesa católica Marguerite de Valois (1553-1615), futura rainha Margot. O propósito – arquitetado pela então rainha Catherine de Médici (1519-1589), mãe de Marguerite – era pôr fim a quinze anos intermitentes de guerras religiosas através de um matrimônio de reconciliação da maioria católica à minoria protestante.
As ruas da capital do reino francês jamais haviam visto tamanha diversidade religiosa. O frontispício da Catedral de Notre-Dame de Paris nunca tinha recebido tantos protestantes num dia só. Entre os convivas, fazia-se destacar o almirante Gaspard de Coligny (1519-1972), chefe de guerra e homem de confiança do rei Charles (1550-1574), filho da rainha Catherine com o falecido rei Henrique II (1519-1559).
A proximidade de Coligny ao monarca atiçava o ciúme e, certo, a ira da rainha e da nobreza católica. Eram correntes rumores e ameaças – inclusive de assassinato – contra ele. Especialmente após o 18 de agosto, quando hostilização e intimidação nesse sentido só aumentaram. Mas o ambiente era de congraçamento.
No dia 22 de agosto, pelas 11 horas da manhã, Coligny deixa o Louvre pela saída ao leste rumo à sua caminhada matinal de hábito. Sem tardar, apanha a rua de Poullies. Por onde flana absorto e despreocupado. Pelas tantas escuta um estampido. Depois outro. Demora um pouco, mas apreende serem de arma de fogo. Quem sabe, de Arcabuz. E, adiante, realiza ter sido ele próprio o objeto daqueles tiros. Sorte que seus algozes erraram o alvo. Os tiros passaram de raspão. Feriram-no sem matá-lo. Um alívio. Momentâneo, mas alívio.
Malgrado experiente, ele não suporta e entra em agonia. Da mesma sorte que a cidade inteira.
As novas desse atentado frustrado tomaram às rápidas Paris. A identidade de seu autor era desconhecida do grande público. Mas sua intenção, era inequívoca: matar Coligny e eliminar mais um protestante.
O mandante presumido desse feito foi logo localizado. Tratava-se de Henrique 1º (1550-1588), duc de Guise e inimigo declarado de Coligny.
Daquele dia 22 ao 23, a rainha Catherine se encontrou às pressas às escondidas com o duc de Guise. O rei Charles já sabia de tudo. Para limitar eventuais represálias do rei ao duc, a rainha forjou ao rei que os protestantes estavam chocados, furiosos e dispostos a pegar em armas para vingar mais esse “crime de religião”. O rei, temeroso e inconstante, demandou então o que fazer. Sua mãe não titubeou em incentivá-lo a eliminar Coligny e uma e outra liderança protestante.
Mesmo contrariado, ele anui ao plano da rainha. Mas, para além de uma e outra liderança, conclama o extermínio de todos os protestantes para, assim, inibir contratempos.
Na tarde daquele dia 23 de agosto de 1572, por ordem real, todos os portões de Paris foram fechados e todos os protestantes, impedidos de sair ou entrar na cidade.
Era um sábado, véspera dia de intenções ao apóstolo São Bartolomeu.
A alvorada do domingo, 24, estava ainda longe de iniciar quando os sinos da igreja Saint Germain começaram atipicamente a soar. Era o sinal. Sicários mercenários e voluntários tomaram as ruas de Paris, e de todo o reino, com o objetivo cego e voraz de eliminar protestantes.
O primeiro a conhecer a sede dessa insana insanidade fora o almirante Coligny. Em seguida, todos os demais protestantes localizados.
Crianças e idosos. Homens e mulheres. Jovens e adultos.
Muitos foram mutilados e desfigurados. Alguns foram decapitados e esquartejados. Outros, concomitantemente, violentados e defenestrados.
Sangue inocente lavou as ruas da França e banhou de sangue o rio Sena na capital.
Mais de três mil pessoas perderam a vida em Paris em poucas horas. Mais de trinta mil tiveram o mesmo fim em todo o reino ao longo daquele dia.
O pátio do Louvre virou espaço de restos humanos. As suas paredes passaram a eternas testemunhas da sanha de horrores que pintou com sangue aquele século e aquele continente já tão sombrios.
A rainha Catherine de Médici repudiou o massacre cujo objetivo original, segundo ela, era simplesmente neutralizar eventual ofensiva protestante contra os católicos do reino. O rei Charles entrou em arrependimento profundo. Não tardou a perder a razão, entrar em martírio e transpirar gotas de sangue.