Quem não se lembra de alguma vez ter escutado a própria mãe dizendo “olha como sua irmã cumprimenta bem as pessoas, por que você não faz igual a ela?”, por exemplo. As comparações entre irmãos, primos, colegas de escola e vizinhos são antigas e, acredito, devem ter contribuído para o desenvolvimento de inúmeras gerações humanas, com aspectos positivos e negativos também. Quem nunca se sentiu um pouco desvalorizado quando um parente ou professor, por exemplo, nos comparava com algum de nossos colegas que faziam determinada tarefa melhor do que a gente?

Vários pesquisadores dedicaram seus esforços a entender os efeitos das comparações sociais. Alguns têm destacado a positiva contribuição da comparação social para o fortalecimento da autoconfiança e para a aprendizagem de novos conhecimentos ou comportamentos, desde que a comparação seja realizada a partir de modelos com características semelhantes à pessoa1. Um estudo 2 sobre a avaliação do desempenho identificou que quanto mais êxito uma pessoa similar ao participante da pesquisa apresentava, mais insatisfeito essa pessoa se percebia com o próprio desempenho. Outro estudo3 identificou que pessoas com tendências à depressão tendem a se desvalorizar ainda mais frente ao sucesso das pessoas com as quais se compara. Esse efeito negativo das comparações sociais é mais intenso nas mulheres4.

Para Bandura5, o ideal seria cada pessoa comparar-se consigo mesma, evitando, assim, os efeitos da comparação social. A autoanálise sobre a própria performance de acordo com referenciais pessoais de progresso, poderia contribuir para se identificar o próprio nível inicial e o quanto há progredido ao longo da execução da tarefa e/ou comportamento. Assim, autoavaliando a própria performance, dada pessoa poderia traçar metas e desafios pessoais, que poderiam estimular um autodesenvolvimento sem os malefícios das comparações sociais. No entanto, segundo esse autor, é complicado se manter isento das comparações sociais quando estamos inseridos em sistemas individualistas que, de uma ou outra maneira, incentivam a competições entre as pessoas, dado que o pódio tem poucas vagas.

Curioso talvez seja o fato de que esses estudos brevemente aqui comentados foram realizados antes do advento das redes sociais. Atualmente, a cada sessão iniciada em nossas redes sociais obtemos um sem-fim de modelos. Estes podem até estar relacionados com temáticas que nos interessam, mas usualmente são integrantes de contextos muito mais amplos do que os tradicionalmente utilizados como fontes de comparações sociais. Antes, nos comparávamos com nossos vizinhos, que também estudavam na mesma escola que nós; nos comparavámos com os amigos das atividades extracurriculares, familiares e conhecidos.

Agora, com as redes sociais, a vastidão de modelos é complexa e preocupante. Boatos são transformados em fatos; opiniões em verdades. Aquela menina que mora na cidadezinha longínqua pode comparar-se com a menina que, apesar da mesma idade, mora em uma metrópole de outro país, com condições contextuais, históricas e sociais tão distintas das suas. Além do que, na maior parte das vezes, o exposto não é o ocorrido, mas sim o idealizado e produzido com o intuito de ser postado.

Como o leitor pôde observar, segundo os estudos anteriormente citados, as comparações sociais, para serem positivas, necessitam ser cuidadosamente realizadas com modelos semelhantes a cada um de nós. Do contrário, efeitos negativos, como a depressão constatada nos estudos mencionados poderia ocorrer.

A comparação social negativa tem crescido. Cresceram também os números de diagnosticados com depressão, ansiedade, entre tantos outros problemas que afetam a saúde mental (e física) de tantas pessoas. Diminuíram as idades dos que sofrem: antes crianças eram felizes e brincavam; hoje passam horas mesmerizando em frente às telas e se deprimem cada vez mais novas.

Concordo que a frase anterior está muito radical. Sei que antes havia crianças, jovens e adultos que sofriam por diversos outros problemas, como a violência doméstica, sem citar outros tantos. No entanto, a violência doméstica, a violência social e os demais infortúnios aos quais as pessoas eram submetidas continuam existindo, somados agora às intermináveis horas passadas de modo quase inertes frente às telas, que são pobremente utilizadas.

As telas poderiam ser fontes de conhecimento. Há uma vastidão de páginas web que disponibilizam informações confiáveis, conhecimentos científicos comprovados, histórias e contos. Não se trata de uma caça às bruxas, a internet contribuiu positivamente para inúmeras questões do cotidiano e poderia sim ser um recurso que favorecesse o desenvolvimento humano, reflexivo e agente. Há estudos6 que evidenciam, por exemplo, que o uso da internet para realizar leitura e jogos com moderação pode contribuir para o fortalecimento da autoeficácia social e para o sentimento de pertencimento a um grupo.

Mas a palavra-chave aqui é moderação. Tornar-se dependente das redes sociais pode ser mais fácil do que se imagina, dado que estas estão liberadas e nas palmas de nossas mãos.

Nestes tempos de redes sociais, realizarmos uma autocomparação, como recomendado por Bandura, parece ainda mais desafiador. Como olhar para nossa trajetória pessoal e profissional atualmente e nos avaliarmos de acordo com padrões pessoais de desenvolvimento? Como valorizar nossas contribuições para a sociedade considerando “apenas” o que realizamos quando trabalhávamos em uma dada organização? Não contribuímos para mudar o mundo, não fizemos nada que merecesse ser reportado nas mídias da época. Nos desvalorizamos? Avaliamos nossas trajetórias como se fossem em vão? Nos deprimimos?

Esquecemos de reconhecer que somos uma peça essencial em um contexto coletivo, em que cada qual, exercendo seu papel no aqui e no agora, é fundamental para o desenvolvimento de todos os atores envolvidos. Somos peças fundamentais para a transformação de uma ou mais pessoas, não porque realizamos grandes ações, mas porque tivemos, uma e outra vez, a oportunidade de escutar e sermos escutados; de conter e sermos contidos; de abraçar e sermos abraçados. Por meio das relações pessoais vamos nos (des)construindo, tentando entender que cada qual é como é, e tudo bem. Tudo bem ser quem se é! Afinal, essa constatação é a única verdade que, penso, deveria ser universal.

Referências

1 Pajares, F. e Urdan, T. (2006). Self-efficacy beliefs of adolescents. Information Age Publishing.
2 Simon (1979) apud Bandura, A. (2023). Social Cognitive Theory: an agentic perspective on human nature. Wiley.
3 Ciminero e Steingarten (1979) apud Bandura, A. (2023). Social Cognitive Theory: an agentic perspective on human nature. Wiley.
4 Garber, Hollon e Silverman (1979) apud Bandura, A. (2023). Social Cognitive Theory: an agentic perspective on human nature. Wiley.
5 Bandura, A. (2023). Social Cognitive Theory: an agentic perspective on human nature. Wiley.
6 Casanova, Daniela Couto Guerreiro; Azzi, Roberta Gurgel, Neto, Rogerio Gomes; Vinha, Telma Pilleggi; Tognetta, Luciene Regina Paulino (2019). Interação social na escola: internet e autoeficácia. TSC em Foco, 7, p. 6 16.