Sabemos de todos os grandes encantos que Salvador nos apresenta, a história, a cultura, a culinária, seu povo. Por outro lado, às vezes, o visitante, mesmo o soteropolitano, não se dá conta nem reconhece o valor das pequenas belezas, tais como: o vendedor de cafezinho com seu colorido carrinho pela cidade; os vendedores ambulantes nas praias, desde o tradicional picolé Capelinha ao suspeito queijo coalho. Uma em particular sinto uma enorme saudade...

As barracas das festas populares e do Carnaval, com suas mesas e cadeiras de madeira pintadas em mosaicos de cores diferentes que eram instaladas nas ruas. A escolha das cores muitas vezes era referência a cor do Orixá guia do seu proprietário. Não existem mais! Tudo agora é padronizado e isto parece roubar ou ocultar a alma das pessoas que ali trabalham. Outro dia encontrei um desses bancos na instalação de uma exposição no Farol Santander em São Paulo. Transcendi!

Mas, me perdoem meus conterrâneos, este texto não é para falar das pequenas belezas e sim para falar sobre os pequenos (ou grandes) detalhes que me irritam a cada reencontro anual com a minha cidade.

O trânsito

Alguns soteropolitanos parecem não entender que as faixas nas ruas e avenidas são para delimitar o espaço em que os carros devem ser conduzidos e não para conduzir sobre elas. Vemos todo o tempo pessoas conduzindo os seus carros sobre as faixas delimitadoras. Será que acreditam que elas seriam um guia central para condução?!

A seta! Se você quer mudar de faixa, melhor não sinalizar com a seta para a direita ou à esquerda. Parece que no momento que fazemos isto, o motorista ao lado entende como um desafio e começa a dificultar de todas as formas a sua entrada.

Por fim... Iremos sempre nos deparar com alguém dirigindo “costurando” como se fossem pilotos esportivos.

O verde ou a falta dele

Na parte mais antiga da cidade vemos as construções convivendo harmoniosamente com o verde, com as árvores. Nas partes mais novas parece que o concreto virou inimigo total do verde. São erguidos prédios e mais prédios e em seu entorno, muitas vezes, não é plantada uma mísera árvore. O dito novo centro (entorno da Avenida Tancredo Neves) é um desastre paisagístico. Tão distante das arborizadas ruas do Comércio na Cidade Baixa e do Centro na Cidade Alta.

As obras concluídas e inacabadas, como os tão esperados viadutos da Rótula do Abacaxi é outro descaso com o verde. Uma grandiosa monstruosidade que serviu para desafogar o trânsito, mas esqueceu que, além dos veículos trafegando, também existem pessoas (para ser bem claro: seres humanos!) que circulam por ali. O seu entorno ficou completamente largado, totalmente desprovido de tratamento paisagístico, mesmo de simples calçadas. Um total desleixo!

O excesso de música alta

Todos sabemos que Salvador é uma cidade musical, que em cada esquina escutaremos música, presenciaremos um batuque etc. Isto até nos completa ou mesmo nos traz alegria quando por alguma razão não estamos nos melhores dias.

O problema é o excesso! Ruas, shoppings, bares, restaurantes... às vezes a música parece gritar num volume exagerado de decibéis!

Outro dia fui almoçar com minha mãe num restaurante na praia. O restaurante não estava cheio, porém havia uma música num volume “desnecessário”. Demorei para entender que o som vinha do guarda sol de uma das mesas vizinhas e, não do som ambiente do restaurante. Um casal estava sentado nela e o homem, um pouco dominado pelo álcool, se encontrava feliz imaginando que o seu gosto musical era compartilhado por todos ali presentes.

Pensei em solicitar para trocar de mesa. Ir para uma mesa mais distante do dito casal. Desisti imaginando o possível problema que poderia gerar no atendimento do meu pedido. Seguimos ali aguentando a tortura musical. Num dado momento, o sujeito solicitou a conta, pagou, se organizou para ir, balbuciou algo com um grupo numa mesa à frente e se foi. Respirei aliviado até que os poucos segundos de silêncio foram interrompidos.

O grupo da mesa que ele tinha se despedido eram os músicos do restaurante. Então com a sua despedida, voltaram a tocar. Apesar de apresentar um repertório de melhor qualidade, seguia com o mesmo problema: o excesso de volume! Conclui que precisava finalizar o nosso almoço e sair o mais rápido possível daquele ambiente. Nossa sobremesa foi caminhar pelo novo calçadão da Praia do Flamengo. Muito mais aprazível!

Os ambientes em Salvador parecem não entender a necessidade de se diferenciar os decibéis a serem utilizados dependendo do propósito, se música para entreter, dançar, cantar, gritar ou apenas uma música ambiente. Confesso que até eu, como soteropolitano, cometo este erro às vezes.

Mas nada me irrita mais do que a evolução atual do trio elétrico: o irritante, intolerável e inconveniente homem elétrico!

Você está num momento de completa paz na areia da praia ou banhando-se no mar e de repente ele brota carregando suas potentes caixas de som, “distribuindo” músicas do seu gosto musical que acredita piamente ser o gosto de todos que estão por ali. Pior quando resolve parar próximo a você e então será torturado por aquele som ensurdecedor por alguns minutos até que ele se vá ou você desista e vá embora primeiro. Também circula livremente por outras partes da cidade...

Nesses momentos melhor fazer um exercício zen budista, tentar entrar em alfa e recordar das pequenas belezas de Salvador... já já o ambulante do picolé Capelinha passará, comprarei o delicioso picolé de amendoim e, como mágica, o homem elétrico desaparecerá da minha frente (ou da minha mente), principalmente dos meus tímpanos.

Axé!