O pós-modernismo, um movimento filosófico e cultural que ganhou força no século XX, tem gerado um impacto profundo em diversas áreas do conhecimento, inclusive na ciência. Essa corrente de pensamento questiona os pressupostos da modernidade, como a confiança inabalável no progresso, na objetividade científica e na ideia de uma verdade universal. A ciência, outrora vista como um dos pilares fundamentais da racionalidade e do avanço humano, passou a ser alvo de críticas vindas de diversos campos intelectuais, influenciando a maneira como compreendemos e confiamos nela.

Este texto se propõe a refletir sobre o impacto do pós-modernismo na confiança na ciência, explorando como esse movimento filosófico desconstruiu o conceito de objetividade científica, colocou em dúvida a neutralidade do conhecimento e, por fim, sugeriu uma visão mais plural e contingente da verdade.

O conceito de objetividade e a crítica pós-moderna

A ciência moderna, especialmente após o Iluminismo, consolidou-se como um método eficaz para se alcançar o conhecimento objetivo sobre o mundo. A objetividade científica, fundada na observação, experimentação e na repetibilidade dos resultados, é um dos pilares dessa visão de mundo. Cientistas como Isaac Newton, com suas leis do movimento e da gravitação universal, acreditavam estar desvendando as leis imutáveis da natureza. Na visão moderna, a ciência é capaz de transcender as particularidades humanas e revelar verdades universais.

No entanto, o pós-modernismo, particularmente com os trabalhos de filósofos como Michel Foucault, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard, questionou essa noção de verdade objetiva. Eles argumentam que o conhecimento científico não pode ser completamente separado dos contextos sociais, políticos e históricos nos quais é produzido. Para Foucault, por exemplo, o conhecimento está sempre entrelaçado com o poder; aquilo que consideramos “verdade” reflete as relações de poder existentes em uma sociedade. Assim, a ciência deixa de ser vista como uma atividade neutra e desinteressada, passando a ser entendida como uma prática situada em contextos históricos e culturais específicos.

Essa crítica abala a confiança na ciência enquanto única e verdadeira forma de conhecimento. Se o conhecimento científico está sempre influenciado por fatores externos, como ideologias e interesses políticos, até que ponto podemos confiar nele como um meio imparcial para compreender o mundo?

O relativismo epistemológico e o pluralismo de verdades

Outro ponto central do pós-modernismo é o relativismo epistemológico — a ideia de que não existe uma única verdade absoluta ou uma forma de conhecimento que seja superior a outras. Lyotard, em A Condição Pós-Moderna, discute o declínio das grandes narrativas, ou metanarrativas, como o progresso e a razão, que caracterizavam o pensamento moderno. Essas narrativas, segundo ele, são substituídas por uma multiplicidade de pequenos relatos, cada um com sua própria validade.

Esse pluralismo epistemológico sugere que a ciência é apenas uma entre várias formas de conhecimento, como os saberes tradicionais, religiosos ou filosóficos, que também podem ser válidos em seus próprios contextos. Ao relativizar a verdade científica, o pós-modernismo desafia a hegemonia da ciência como o único caminho para o conhecimento.

Essa perspectiva também tem implicações para a confiança pública na ciência. Quando a ciência é colocada no mesmo nível de outras formas de saber, a legitimidade dos consensos científicos pode ser enfraquecida. Isso é evidente em debates contemporâneos sobre questões como as mudanças climáticas e a eficácia de vacinas, nos quais grupos céticos, frequentemente influenciados por visões relativistas, questionam o consenso científico e promovem suas próprias narrativas alternativas.

A crítica ao progresso científico

Outro pilar da modernidade que o pós-modernismo contesta é a crença no progresso contínuo e ininterrupto. A ciência moderna, especialmente a partir da Revolução Industrial, foi associada ao progresso material e social. A ideia de que o avanço científico levaria inevitavelmente à melhoria das condições humanas permeou o pensamento ocidental durante séculos.

No entanto, eventos do século XX, com as duas guerras mundiais, o uso da bomba atômica e as catástrofes ambientais provocadas pela industrialização, começaram a abalar essa confiança no progresso científico. O pós-modernismo reflete essa desilusão, sugerindo que a ciência não é uma força inerentemente benéfica e que o progresso tecnológico pode ter consequências negativas imprevistas. Para pensadores como Derrida e Baudrillard, o progresso é uma narrativa que disfarça o potencial destrutivo das tecnologias modernas e as desigualdades que elas podem perpetuar.

O ceticismo pós-moderno em relação ao progresso tem um impacto direto sobre a confiança na ciência. A crença de que a ciência pode resolver todos os problemas da humanidade é substituída por uma visão mais cautelosa e, em alguns casos, pessimista. A crise climática, por exemplo, não é apenas uma falha política, mas também uma evidência dos limites da ciência e da tecnologia para resolver os problemas que elas mesmas ajudaram a criar.

Ciência, sociedade e poder: Foucault e a relação entre saber e controle

Michel Foucault, um dos mais influentes pensadores pós-modernos, oferece uma crítica importante à ciência ao examinar a relação entre conhecimento e poder. Em suas análises, Foucault argumenta que a produção de conhecimento científico não é um empreendimento neutro, mas está sempre ligada a estruturas de poder que definem o que é considerado verdadeiro ou falso em determinados contextos históricos. A medicina, a psiquiatria e a biologia, segundo Foucault, foram usadas como ferramentas de controle social, classificando e regulando comportamentos desviantes.

Essa perspectiva levanta questionamentos sobre a confiança na ciência enquanto instituição imparcial. Se o conhecimento científico pode ser manipulado para atender aos interesses de determinadas elites ou ideologias, até que ponto ele pode ser confiável? Além disso, a crítica de Foucault desafia a visão positivista da ciência como algo que opera à parte das dinâmicas de poder e dominação. Em vez disso, a ciência é vista como uma prática que, em muitos casos, serve para reforçar essas dinâmicas.

A influência do pós-modernismo nos debates contemporâneos sobre ciência

Nos debates contemporâneos, a influência do pós-modernismo na confiança na ciência é evidente em questões como a saúde pública, mudanças climáticas e teorias da conspiração. O ceticismo gerado pelas críticas pós-modernas abriu espaço para uma multiplicidade de interpretações sobre fatos científicos, alimentando movimentos que desconfiam de vacinas ou negam a existência do aquecimento global.

Esses movimentos muitas vezes se apoiam em narrativas alternativas que questionam o consenso científico, usando o relativismo epistemológico para justificar suas posições. Embora essas interpretações não sejam diretamente derivadas do pensamento pós-moderno, elas refletem o clima de desconfiança e pluralidade de verdades promovido por ele.

Por outro lado, defensores da ciência argumentam que o pós-modernismo, ao relativizar o conhecimento científico, corre o risco de minar a base de tomada de decisões políticas informadas por evidências. A crise da Covid-19, por exemplo, mostrou os perigos de um público cético em relação à ciência, com implicações diretas para a saúde e o bem-estar de milhões de pessoas.

O papel da ciência na era do Big Data e da Inteligência Artificial

Apesar das críticas pós-modernas, o avanço da ciência não cessou, e, de fato, áreas como o Big Data e a inteligência artificial (IA) trouxeram novas dimensões para o debate sobre confiança na ciência. Esses campos representam um novo estágio da ciência aplicada, no qual os dados e os algoritmos desempenham um papel fundamental na tomada de decisões em várias áreas, desde saúde pública até mercados financeiros.

No entanto, o desenvolvimento dessas tecnologias também levanta questões éticas e epistemológicas que ecoam as críticas pós-modernas. Por exemplo, os algoritmos de IA, embora altamente eficientes, não são isentos de preconceitos, e o uso de dados massivos levanta questões sobre a privacidade e a transparência dos métodos científicos.

Assim, o pós-modernismo, embora tenha trazido à tona preocupações legítimas sobre a neutralidade e a objetividade da ciência, também encontrou novos desafios no contexto das inovações tecnológicas. A confiança na ciência, portanto, precisa ser constantemente renegociada à luz desses novos desenvolvimentos.

Conclusão: ciência em uma era de incertezas

O pós-modernismo fez uma crítica poderosa à ciência, desconstruindo suas pretensões de objetividade e universalidade. As noções de verdade plural, conhecimento situado e a relação entre saber e poder abalaram a confiança antes inabalável que a modernidade depositava na ciência. No entanto, essa crítica não deve ser vista como um convite ao ceticismo absoluto, mas sim como um alerta para os limites do conhecimento científico e para a necessidade de constante revisão e aperfeiçoamento.

O avanço científico não se dá em um vácuo, mas está inserido em contextos sociais e históricos complexos. Reconhecer esses contextos nos permite uma visão mais matizada da ciência, na qual ela continua sendo uma ferramenta essencial para a compreensão do mundo, mas uma ferramenta que deve ser usada com cautela e reflexão.

O desafio para a ciência contemporânea, especialmente na era da IA e do Big Data, é encontrar um equilíbrio entre a confiança em seus métodos e a consciência de suas limitações, navegando por um mundo cada vez mais influenciado pelas ideias pós-modernas de relativismo e pluralidade.