Somos reconhecidos através do outro, que significa ser atravessados pelo que o outro consegue imprimir de nós. Pelas outras pessoas somos levados a acreditar em tantos fantasmas, figuras, sombras, luz, adjetivos, apelidos, clichês de quem somos, que acabamos por nos mostrar por meio deles. Nos apresentamos ao mundo em função das placas que nos identificam, ou melhor, com as placas que nos deram para carregar, e mesmo quando olhamos no espelho, vemos tão pouco do que realmente somos.

A verdade é que somos um somatório de temperos que dão cheiro, sabor e gosto a qualquer vivência pela qual passamos. Salgados demais ou ardidos de menos, somos um cadinho que se constitui de forma tão especial e única, que mesmo num futuro bem próximo, qualquer cópia certamente perderá a mão e deixará escapar algum mínimo detalhe muito específico que nos diferencie e que nos reconheça.

Ricos que somos em matéria-prima ou modificada, isto é, primitivos ou mais elaborados, sofisticados ou descolados, somos sempre inundados de impulsos desejosos ou necessidades ainda não atendidas. Essas vão se transformando com a nossa impermanência e inquietude de humanos, e, com o passar do tempo, se apresentarão de alguma forma, mas com estética e sentido diferentes.

Por isso, é fundamental entender do que somos constituídos para além da biologia, nervos, ossos e carne, e assim lidar com nossos desejos e necessidades em tempos desconhecidos. Poder se olhar no espelho como porta de entrada para respostas e identificação que estão dentro e não fora de cada um de nós será sempre um bom exercício.

Que o futuro é sinônimo de desconhecimento e pouco controle é verdade, mas não tão virtual e apressado como vem se anunciando. Em salas vazias, não se reconhece o cheiro, muito menos o suor e tão pouco a energia que emana de cada um. Saber o que se quer por trás das telas fechadas é a roleta russa da vez. Muitas vezes, quando fazemos uma reunião virtual, por mais que seja através da tela, não dá o real sentido da pessoa de quando nos deparamos com ela no presencial, que é sempre uma grande surpresa, seja lá o que isso signifique. Mais baixo ou alto, mais agressivo ou leve, quieto ou espalhafatoso, filtrado, editado ou não. Enfim...

Qual é o novo modelo, qual a regra do jogo, qual a bússola a seguir, enfim, perguntas que todos fazemos buscando uma resposta que certamente não virá, e tudo bem também. Sempre encontraremos saídas para os labirintos que a vida nos impõe. Quando tudo parece “esquisito”, cansativo e desequilibrado, é só deixar passar, logo seu olhar e pensamento colocam ordem e enfileiram os problemas de uma forma genuína que você é capaz de resolver todos os enigmas grandiosos do momento anterior. Se dê tempo!

Há de tudo um pouco, desde o jovem absurdamente visionário ao novo que simplifica a vida. Velhos que morreram e velhos que começam a viver, e assim ambos precisarão encontrar as saídas, as ajudas, novas rotas e o seu lugar. Necessidades simples que não foram pensadas e desejos complexos para além do paradigma ou normalidade.

Comida que se planta para colher e comer, comida que se faz com o mais alto requinte gastronômico. Mansões minimalistas e bangalôs cheios de informação e por aí vai. Então chegamos à conclusão de que tudo é polaridade, mas não se trata de nomear as ocorrências, e isso pouco importa, é satisfatório e prazeroso encontrar mais de um caminho.

Mobilidade é pauta de uma fila imensa, as diferenças também engrossaram a sua fila. Gostos, escolhas e desejos têm filas divertidíssimas, mas é relacionamento que de longe tem a fila mais barulhenta, dolorida, pesada, que se enche e se esvazia em segundos. Sempre com conflitos enormes de pessoas querendo passar na frente do outro, aqueles que não querem se demorar, e ainda os que, estando ali, querem aproveitar ao máximo o convívio.

Há muitas filas e passamos de um jeito ou de outro por todas elas. Nos encontramos em algumas e somos transparentes em outras.

O que se quer encontrar quando somos o primeiro da fila, que motivos nos levam a caminhar por ela, e quais sinais damos daquilo que queremos, para além de possuir, ser e pertencer a algo. Será que estamos nos fazendo entender, evidenciamos nossas mais recentes transformações, que nos impelem ao novo e bem possível ainda não idealizado. Sinalizar aquilo do qual não precisamos mais é parte de uma descoberta incrível, pois talvez estejamos entrando em filas desnecessárias, e que por total falta de um olhar diferenciado sobre nós mesmos, ainda nem sequer percebemos que há outras e novas filas nos esperando impacientes.