O exagero está na raiz dos nossos pecados. A nossa tendência de trocar o comportamento comedido pelo desmedido, escorregando para além de limites razoáveis, pode ser a mola que nos impele aos desvios, vícios e, consequentemente, aos sofrimentos.
Não desejo teorizar e muito menos teologizar, mas os sete pecados capitais parecem trazer em si a marca do exagero. Afinal, o que é a gula senão o exagero da alimentação, a luxúria o exagero do sexo, a ira o exagero da contrariedade e a preguiça o exagero do repouso? Não seria a avareza o exagero do apego aos bens materiais? A soberba um exagero do apreço por si mesmo e a inveja um exagero da admiração pelo outro? Até nem sei se são sete pecados ou se é apenas um...
Arrisco a dizer que o exagero parece ser uma ponte muito convidativa, bela e atraente, pois tendemos a percorrê-la com muita frequência. Só que sempre num sentido único, pois o retorno aos limites, a volta à moderação, ao ponto de equilíbrio, apresenta-se sempre como um caminho muito mais difícil e acidentado, que exige esforço e disciplina. É quase como deslizar numa prancha do alto de uma duna até embaixo desfrutando da velocidade e do vento no rosto e depois ter que subir de volta, a pé, na areia inclinada, fofa e quente.
Não conheço as razões desta nossa tendência a exagerar, mas é certo que grande parte das vezes, dependendo da intensidade, acentua os nossos defeitos e embaça as nossas qualidades.
Sim, o exagero pode ser também destruidor de virtudes. Vem-me à memória um colega de empresa, muito preparado e inteligente, com uma oratória clara e articulada, mas que, ao apresentar suas opiniões, estendia-se em ênfases e ilustrações, citava exemplos, referia situações semelhantes, analisava hipóteses e arvorava-se em comparações, de tal modo que ocupava tempo em demasia, esgotando a tolerância dos ouvintes e desmerecendo suas argumentações. Com o tempo, deixou de ser convidado a participar das reuniões e inconformado foi ao diretor:
— Por que não sou mais chamado para debater os assuntos? — questionou, revelando tristeza e inconformismo.
— Posso ser sincero?
— Claro!
— Vou resumir assim: você, em menos de um minuto, mata o passarinho de forma precisa e eficaz. Mas depois, passa horas arrancando as peninhas, as patinhas, o bico... O passarinho já morreu! Ninguém precisa nem aguenta esta abundância de explanações. Como diz o filósofo, quem exagera o argumento prejudica a causa!
Mesmo assim, no tempo em que fiquei na empresa aquele colega continuou acorrentado ao excesso que travava sua evolução profissional.
Relembro também uma passagem numa academia de yoga que frequentei em certa fase da vida. Era uma nova turma, com apenas sete ou oito alunos. A professora, já madura, conduzia muito bem o nosso aprendizado, demonstrando conteúdo e traquejo. Ao final de cada aula sempre havia um momento para comentários e uma das alunas revelava sua empolgação, propagando uma completa mudança de vida e dizendo-se maravilhada com a prática. Ali pela terceira ou quarta aula, atrasei-me na hora de ir embora e todos já haviam saído quando encontrei a professora perto da porta e comentei:
— Aquela menina está adorando. Você deve estar contente com este resultado em tão pouco tempo.
— Uma escada se sobe degrau por degrau — disse ela, do alto de sua experiência.
Na hora não entendi, mas de fato, após mais umas três aulas a menina desapareceu para nunca mais retornar. Caiu da escada. Eram trovoadas sem chuva. O excesso de entusiasmo resvalou para o vazio. Até mesmo nas coisas mais belas a sombra do exagero apaga o brilho. Para não cansar o leitor e acabar também eu pecando pelo excesso, passo a relatar o terceiro e derradeiro caso.
Uma de minhas irmãs foi morar em um condomínio de casas e convidou-me para uma visita de fim de semana. No sábado, para melhor aproveitar a beleza da tarde amena e agradável, resolvemos dar um passeio a pé, nas ruas internas. À medida que andávamos, ela foi contando histórias dos vizinhos, da construção das casas e outras curiosidades dos moradores. O tempo foi passando e a noite caindo quando notei uma casa que destoava das demais, apresentando certo descuido, jardim com mato, varanda com folhas e quase todos os cômodos apagados, ou seja, poucos sinais de vida.
— E esta casa? Mora alguém? — perguntei.
— Mora uma pessoa sozinha.
— Numa casa deste tamanho?
— Pois é. A mulher o abandonou. Um belo dia deixou um bilhete e nunca mais apareceu.
— E ele permaneceu na casa?
— Sim. Ele acha que a mulher vai voltar. Toda vez que toca o interfone ele corre para atender e pergunta ao porteiro se é ela.
— Mas quando ela foi embora?
— Há dez anos...
Aquele caso me impressionou.
Tudo tem uma dose: até no amor, o mais belo dos sentimentos, é preciso limites.