Nos últimos anos, termos como “economia cultural”, “economia criativa” e “mercado cultural” têm se tornado cada vez mais presentes em balanços econômicos. Estes conceitos referem-se à economia constituída a partir de bens e atividades culturais, sejam elas em formas tangíveis ou intangíveis. Embora existam pequenas nuances em torno dos significados de cada uma destas expressões, é preciso ter claro, inicialmente, a crescente relevância dessas economias e as implicações destes modelos na sociedade brasileira.
A economia criativa, com suas raízes profundamente ligadas à elaboração de projetos de governança, tem emergido como um segmento dinâmico e altamente lucrativo. Desde o artesanato tradicional até os setores de alta tecnologia, como a indústria de softwares, a criatividade e a expressão artística têm se tornado motores essenciais do crescimento econômico. Isso é evidenciado não apenas pela geração de patentes e propriedades intelectuais, mas também pela criação de empregos e uma “economia do conhecimento”.
A cultura tem potencial para agregar valor a outros setores da economia, como turismo, educação e eventos. Festivais de música e cinema exemplificam perfeitamente essa sinergia ao atrais turistas e gerar receitas para rede hoteleira, bares, restaurantes e pequenos negócios.
No entanto, para que esse segmento prospere, é fundamental que se façam investimentos na valorização da cultura e na promoção desses serviços em escala nacional e internacional. Tanto os subsídios públicos como os privados desempenham um papel fundamental nesse processo, permitindo que projetos culturais floresçam e que artistas e empreendedores criativos tenham o suporte necessário para gerar valor.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o mercado cultural gera uma renda anual de US$ 2,25 bilhões e sustenta aproximadamente 30 milhões de empregos em todo o mundo. Este setor é reconhecido como um dos mais dinâmicos, representando 3% do PIB mundial. Projeções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam uma perspectiva de crescimento de até 20% nos próximos anos, evidenciando sua importância econômica e potencial para contribuir ainda mais para o desenvolvimento global.
Conforme matéria publicada por Juca Ferreira1, em 1996, os produtos culturais, como filmes, música, programas de televisão, livros, revistas e softwares tornaram-se, pela primeira vez, o maior produto de exportação dos Estados Unidos, superando todas as outras indústrias, incluindo automóveis, agricultura, indústria aerospacial e de defesa.
Outros dados, dessa vez publicados pela International Intellectual Property Alliance, indicam que, entre os anos de 1977 e 1996, as indústrias criativas cresceram três vezes mais rápido que a média dos demais setores. Dados mais recentes, dos anos de 2016 e 2017, dão conta de que o setor cultural continuava a crescer acima da média, com aumentos de 5,3% em 2016 e 3,6% em 2017, enquanto a economia somada por outros setores cresceu 2,9% e 1,6%, respectivamente.
A situação do mercado criativo na América do Sul é caracterizada por um grande contraste. Enquanto a região possui uma riqueza cultural ampla e uma expressão criativa significativa em vários setores, a falta de políticas estratégicas de Estado e a ausência de cooperação regional efetiva representam obstáculos para o desenvolvimento de uma economia cultural robusta.
A formulação e implementação de uma macroestratégia regional são urgentes para promover uma integração profunda entre os latinos. Enquanto países do norte global tem sido os maiores beneficiários desse tipo de cultura, os países integrantes do Mercosul tiveram um percentual inferior a 3% do PIB relacionados a economia criativas.
No Brasil, o debate em torno da economia criativa começou a ganhar força a partir de 2004, após a XI Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento. Embora ainda haja espaço para um debate mais amplo e qualificado, a crescente atenção dada à economia criativa reflete o amadurecimento de uma parcela significativa da sociedade e do governo. Mesmo que timidamente, esse interesse tem se traduzido em políticas públicas voltadas para o fomento econômico e sustentável do setor.
A Lei Rouanet, constante vítima de fake news, é um importante mecanismo de facilitação da circulação de dinheiro na economia criativa. Criada em 1991, a lei permite que empresas e cidadãos destinem parte do seu Imposto de Renda para projetos culturais previamente aprovados pelo Ministério da Cultura. Esse incentivo fiscal tem um papel fundamental na viabilização de uma vasta gama de inciativas culturais, bem como na circulação e na redistribuição de renda.
A Constituição Federal de 1988, por exemplo, destaca o desenvolvimento como um direito fundamental e elege a diminuição das desigualdades como um dos objetivos principais da República, tratando a cultura como parte integrante desses elementos. Por essa razão, a economia criativa é um dos pontos chave para a eficácia dos projetos de desenvolvimento, especialmente se levarmos em conta os contextos regionais.
O Instituto Itaú Cultural divulgou recentemente um Raio-X do mercado criativo no Brasil. De acordo com a publicação, o setor criativo representou, em 2023, 3,11% do PIB nacional, superando a indústria automotiva (2,50%) e ficando ligeiramente atrás da construção civil (4,60%). Outro ponto a ser mencionado dá conta que, entre os anos de 2012 e 2020, enquanto as indústrias automotiva e da construção diminuíram sua participação na economia brasileira, o setor cultural registrou crescimento.
Além de sua riqueza intrínseca, o setor da cultura desempenha um papel vital na economia nacional, empregando aproximadamente 7% da força de trabalho registrada. Este número, no entanto, poderia ser ainda maior, não fosse a prevalente informalidade que caracteriza esse setor. O relatório do Itaú Cultural mostra ainda que entre o primeiro e o segundo trimestre de 2023, o setor aumentou 3% o número de empregos, criando 188 mil postos de trabalho.
Outro aspecto significativo a se considerar é o diferencial salarial dos trabalhadores culturais em comparação aos de outros setores da economia. Segundo dados do IBGE de 2019, o salário médio dos profissionais da cultura é o equivalente a quase 4 salários-mínimos, soma que representar algo em torno de 24% a mais em relação à média geral.
Destaca-se também o nível de formação dos trabalhadores do setor da cultura. Em 2017, 33% dos que atuavam na área da cultura possuíam 11 anos ou mais de estudo, contrastando com os demais setores, onde prevalece uma maior proporção de funcionários sem nível superior, cerca de 78%, segundo dados do IBGE.
Nos últimos 10 anos, os gastos públicos destinados à cultura somaram um total de R$72,1 bilhões, considerando todas as instâncias governamentais. No âmbito federal, uma análise detalhada mostra oscilações significativas ao longo deste período. Entre 2013 e 2018, por exemplo, os investimentos aumentaram de cerca de R$900 milhões para algo próximo a R$1 bilhão. Nos anos subsequentes, no entanto, esses números declinaram para aproximadamente R$600 milhões.
Ao analisarmos a evolução das despesas em valores nominais, observamos uma tendência preocupante: as despesas federais em cultura estão 28% menores em 2022 do que em 2013. Por outro lado, as despesas estaduais, após quedas sucessivas entre 2015 e 2019, demonstraram uma retomada a partir de 2020, acumulando crescimento de 59% em relação a 2013 e 2022. Os municípios, por outro lado, apresentam um crescimento ainda maior no valor de investimento, com despesas 84% em comparação ao mesmo período.
A boa nova é que a mais recente gestão federal faz uma projeção orçamentária de aproximadamente R$ 3,14 bilhões para a cultura, um aumento expressivo de 87% em relação ao governo anterior. Somente nos seis primeiros meses de 2023, o valor liquidado em cultura já se aproxima do total aplicado pelos governos anteriores, evidenciando um compromisso renovado com o setor.
Comparando os primeiros semestres das últimas gestões federais, observamos um aumento no valor liquidado nesse período 50% acima da média observada nos primeiros semestres da gestão de 2015-2016 (Dilma/Temer) e 109% maior do que a média da gestão 2019-2022 (Bolsonaro).
Apesar dos enormes desafios, como a informalidade do setor e a necessidade de investimentos contínuos, os indicadores mostram sinais positivos, com o aumento do emprego e o crescimento do PIB impulsionado pela cultura. Somado a isso, a recente projeção orçamentária federal reforça a onda de otimismo, sinalizando avanços importantes para os próximos anos.
Notas
1 Juca Ferreira é sociólogo e foi Ministro de Estado da Cultura nos governos Lula e Dilma.